Circulava pelas redes sociais uma foto
de Lula segurando e lendo um livro (O Aleph, de Paulo Coelho) de cabeça para
baixo. Muitos da direita a compartilharam milhares de vezes. Mas a foto, na
verdade, é manipulada, é fake.
Nessa quinta-feira (08), Márcio
Pochmann, presidente do IBGE, publicou um novo mapa-múndi com o Brasil no
centro e o mundo “ao contrário” do que estamos acostumados, com o sul no norte
e vice-versa. Deve ter muita gente vibrando com essa grande afirmação de
“política externa ativa e altiva”, política de potência e ato muscular contra a
opressão das plutocracias imperialistas do norte global!
Meses atrás, Pochmann já havia mandado
imprimir mapas oficiais com o Brasil no centro do mundo, mas desta vez estavam
“invertidos”.
É verdade que quem está em cima e no
centro, afinal, é uma mera convenção. Mas por que chegamos a essa convenção,
com a Europa no centro e no norte?
O mapa mais conhecido é o Mercator,
criado em 1569 na Bélgica para os navegadores e exploradores da época. O
objetivo era representar bem grandes os mares e estreitos mais navegados. E as
grandes navegações oceânicas eram muito desenvolvidas quase exclusivamente por
europeus. Por isso, nesse mapa, há algumas distorções, como o fato de que a
África e o México parecem menores, e a Europa, o Alasca e a Groenlândia parecem
maiores, etc.
Para fazer frente a essas questões, foi
criado, em 1855, o mapa Gall-Peters, que não se preocupa com essas questões dos
estreitos e das navegações e foca nas proporções certas dos continentes. Dessa
forma, a África e a Europa ficam menores do que estamos geralmente acostumados
a ver. Esse mapa também tem distorções: para preservar o tamanho da área, acaba
mudando a forma dos continentes.
Existem outros mapas, como o
Winkel-Tripel, que parece ser o usado pelo IBGE. Todos os mapas têm seus
prós e contras. Transpor um geoide (a forma do planeta Terra) em um mapa
bidimensional sempre gera imperfeições.
Parece algo trivial, mas não é. Alegam
que a posição no mapa tem um valor simbólico de projeção de poder.
Nas últimas décadas, tem crescido o
pós-colonialismo e a escola de pensamento “decolonialista”. Simplificando, a
ideia é a seguinte: todo o conhecimento é baseado no conhecimento que advém da
Europa e dos países do norte global, em uma visão eurocêntrica e, portanto,
alinhada aos interesses coloniais, imperialistas, capitalistas. Se queremos
realmente nos tornar independentes, temos que nos libertar desse tipo de falso
conhecimento e produzir conhecimento próprio, nosso, reiniciando e revirando ao
avesso tudo.
Olhar uma questão por outros e vários
pontos de vista é sempre bem-vindo, adicionar perspectivas pode agregar valor —
o mesmo Max Weber já destacava a importância da verstehen, a capacidade de se
pôr na perspectiva do outro. Não por uma questão emotiva, mas para enxergar
melhor. Mas reiniciar tudo e substituir por substituir não agrega nada, só
satisfaz o ressentimento de alguns. A culpa é sempre dos outros. E perdemos
tempo com isso, em lugar de fazer os deveres de casa necessários.
Por sorte, ninguém é obrigado a usar o
mesmo mapa, um mapa de 1500 que focava nas navegações. Se há mapas que
funcionam melhor para fins didáticos e para as exigências de 2025, ótimo! Mas
pensar que a Europa domina porque aparece e se enxerga maior nos mapas é o
contrário: fez mapas assim porque dominava e precisava de mapas para navegar.
Esse mapa não impediu que os EUA superassem a Europa e que países como Israel,
Chile, Coreia do Sul, Singapura, Nova Zelândia, Dubai e outros chegassem a
níveis de renda per capita de primeiro mundo.
É “pensamento mágico”, é a ideia
segundo a qual, ao afirmar uma coisa, ao desenhá-la e imprimi-la em um mapa,
ela se tornará realidade! Ressentimento, misticismo primitivo, pensamento
pré-científico e QI baixo.
O Brasil está de cabeça para baixo
mesmo — agora está certificado até pelo IBGE. A foto de Lula era um meme; o
IBGE a tornou realidade.