Entre as muitas análises que circulam
pelo mundo sobre quem é Donald Trump e o que seu governo representa no possível
colapso da nova ordem mundial e do ideal globalista, poucas vão tão longe
quanto aquelas que o veem como um condutor imprudente de um trem histórico em
alta velocidade — incapaz de freá-lo, talvez até de compreendê-lo. Na verdade,
poucas análises capturam, com tanta contundência, o paradoxo de sua presença
histórica quanto aquelas que o veem não apenas como um político, mas como um
sintoma: uma figura que irrompe na cena global como catalisador de forças que
ele mesmo parece não compreender plenamente.
Em um momento de esgotamento da ordem
liberal internacional — marcada por crises de representatividade, colapso das
instituições multilaterais e ressentimento popular contra os efeitos desiguais
da globalização — Trump emerge como o agente inesperado de um desmonte que já
estava em curso. Seu governo, com sua retórica antiglobalista, seus ataques a
instituições transnacionais e sua recusa em seguir os protocolos da diplomacia
tradicional, não apenas rompem com o consenso pós-Guerra Fria, como parecem
acelerar um processo de desintegração já latente.
A imagem do “trem da história” em
alta velocidade se impõe aqui como metáfora eficaz: Trump surge como um
condutor improvisado, que, ao puxar as alavancas da máquina histórica,
intensifica sua velocidade sem conhecer os freios, sem mapa ou bússola. Não se
trata, necessariamente, de um estrategista maquiavélico, mas de alguém que
encarna e amplifica — as contradições do sistema. Seu poder não reside tanto na
elaboração de um projeto claro de ruptura, mas na capacidade de operar como
vetor do caos, abrindo brechas por onde fluxos subterrâneos do mal-estar
civilizacional irrompem com força.
É nesse sentido que ele representa
menos uma exceção e mais um ponto de inflexão: o momento em que as estruturas
já trincadas da ordem mundial começam a ruir visivelmente. Mais do que
presidente dos EUA, Trump trouxe para si a missão de desmontar, em âmbito
mundial, a agenda 2030 da ONU. Eis aí o ponto crucial para pensar o papel
de Trump como figura simbólica de resistência ou mesmo sabotagem a projetos
multilaterais como a Agenda 2030 da ONU. Donald Trump assumiu, de
maneira explícita ou tácita, a missão de confrontar — e em muitos aspectos
desmontar — a lógica que sustenta iniciativas como a Agenda 2030 da ONU.
Esse ambicioso plano internacional,
centrado nos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), propõe uma
reestruturação profunda dos sistemas econômicos, ambientais e sociais globais,
com foco na equidade, na sustentabilidade e na cooperação transnacional. Para
muitos, trata-se de um esforço civilizacional para enfrentar os riscos
existenciais do século XXI. Para Trump e seus aliados ideológicos, no entanto,
a Agenda 2030 simboliza tudo aquilo que deve ser combatido: um projeto
elitista, tecnocrático e transnacional que ameaça a soberania nacional e o
modelo de crescimento baseado no livre mercado, na autonomia energética e na
primazia do interesse nacional.
Ao retirar os Estados Unidos de
acordos como o Acordo de Paris, criticar abertamente organismos como a ONU e a
OMS, e sabotar o financiamento a iniciativas multilaterais de governança
ambiental e social, o governo Trump operou como uma força centrífuga contra o
projeto de governança global. Sua retórica antiglobalista — centrada em slogans
como America First — não se limita à esfera econômica, mas avança
sobre os próprios fundamentos simbólicos da cooperação multilateral. O que está
em jogo não é apenas uma disputa de interesses, mas uma colisão entre visões de
mundo: de um lado, um futuro baseado na interdependência e no controle
supranacional; de outro, a reafirmação da identidade nacional, da
autodeterminação e da desconfiança estrutural diante de qualquer tentativa de
harmonização planetária das normas.
Ao demonizar a Agenda 2030, Trump
também acabou galvanizando uma parte significativa da população global que já
via com ceticismo a influência crescente de instituições não eleitas sobre suas
vidas cotidianas. Sua figura serviu como polo de atração para uma série de
atores — de políticos eurocéticos a movimentos conspiracionistas — que passaram
a ver, na ONU, não um fórum de cooperação, mas uma ameaça latente à liberdade
individual e à soberania dos Estados. Nesse sentido, Trump não apenas combateu
a Agenda 2030; ele a transformou em um símbolo do inimigo a ser derrotado.