A escolha do papa
Leão XIV surpreendeu quem esperava uma figura facilmente rotulável, que pudesse
ser classificada rapidamente como progressista ou conservadora. Mas a Igreja Católica,
com seus dois mil anos de história, não costuma escolher com base nos clichês
de rede social. E talvez essa seja justamente a lição mais urgente deste
momento.
Leão XIV foi
chamado de “papa isentão”, um rótulo que diz mais sobre quem o profere do que
sobre o próprio papa. Fanáticos políticos e parte da imprensa se dividem. Ora o
colocam como progressista, ora como conservador. Você verá gente dizendo que o
papa é de esquerda e também que é de direita.
Antes mesmo da
eleição, o então cardeal Robert Francis Prevost era conhecido por algo raro na
era do confronto: a capacidade de mediar. Construiu pontes dentro da Igreja
entre alas que há tempos se enxergam como rivais. Seu lema episcopal, “In Illo
uno unum”, retirado de um sermão de Santo Agostinho, resume com precisão seu
olhar para a fé: “embora sejamos muitos, no único Cristo somos um”.
“Não espere de Leão
XIV slogans ideológicos. Espere uma liderança que, fiel ao Evangelho, seja
capaz de promover a justiça sem ódio e a verdade sem arrogância. Talvez o novo
papa esteja nos ensinando, com seu exemplo, que o mundo não precisa de mais
extremistas, precisa de mais mediadores”
Como é típico do
nosso tempo, há na internet católicos que gostam de julgar e maldizer
reclamando do Santo Padre, alguns querem até ensinar Bíblia a ele ou formas de
escolher aos cardeais do Conclave. Surgem também os ateus teólogos, formados na
universidade das redes sociais, que citam passagens da Bíblia de forma
utilitária, como quem descobre agora que “os mornos serão vomitados”. Em vez de
enxergar a profundidade de uma escolha eclesial, preferem aplicar filtros de
militância secular a uma instituição que já atravessou impérios, revoluções e
modismos ideológicos. E é aí que precisamos parar e pensar: será que a nossa
leitura sobre a polarização está errada?
Leão XIV não
representa a neutralidade nem a tibieza. Ele não finge que não existem
conflitos, ele se recusa a ser sugado por eles. A grande polarização do nosso
tempo não é entre conservadores e progressistas, esquerda e direita. É entre
intolerantes e mediadores. O intolerante é aquele que quer tudo do seu jeito.
Que usa qualquer arma, da difamação à intimidação, para aniquilar adversários.
Que perdoa todas as imoralidades e perversidade de quem está do seu lado,
enquanto aponta os erros dos opositores. O intolerante pode se vestir de
qualquer ideologia: direita, esquerda, progressista ou conservador. A
intolerância é um modo de existir, não uma opinião política.
O mediador, por sua
vez, é o que compreende os limites do humano. O que sabe que todos têm
convicções, mas que a convivência exige regras, respeito e escuta. O mediador
não abre mão da sua fé ou da sua razão, ele abre espaço. Ele não relativiza o
que crê, ele compartilha. O mediador não se omite. Ele constrói. É esse o espírito
de Leão XIV. Um papa que conhece a doutrina e a história da Igreja, entendendo
que a missão cristã é unir o rebanho, não dividi-lo em trincheiras ideológicas.
Sua eleição mostra que a Igreja não se orienta pela lógica de curtidas ou
cancelamentos. Ela se orienta por algo mais duradouro: a missão de ser sal e
luz do mundo, mesmo quando o mundo exige gritaria.
Tentar encaixar
Leão XIV numa caixinha política é perda de tempo. Ele não está ali para agradar
a um lado nem para apaziguar militantes. Está ali para pastorear. E o
pastoreio, como nos lembra o próprio Cristo, exige mais do que bravura: exige
humildade e misericórdia. Não por acaso, o novo papa afirmou em sua homilia de
posse que “a misericórdia não é um ornamento da fé, mas sua substância”.
Não espere de Leão
XIV slogans ideológicos. Espere uma liderança que, fiel ao Evangelho, seja
capaz de promover a justiça sem ódio e a verdade sem arrogância. Talvez o novo
papa esteja nos ensinando, com seu exemplo, que o mundo não precisa de mais
extremistas, precisa de mais mediadores. A Igreja não se molda às disputas
partidárias do tempo presente. Ela as atravessa. E o papa Leão XIV é mais uma
prova disso.