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As redes sociais e o bom senso

As redes sociais e o bom senso

Uma jovem de 25 anos foi condenada a 10 anos de prisão por incitação ao ódio. Isso aconteceu na Venezuela. Segundo reportagem da agência France Press (AFP), Merlys Oropeza foi punida por escrever no Facebook a frase “Que ruim que uma pessoa dependa de uma bolsa”.


Merlys se referia ao programa de alimentos subsidiados do governo Nicolás Maduro. Ela fez a postagem em agosto do ano passado, em meio aos protestos contra a reeleição suspeita de Maduro. Observatórios internacionais como o Carter Center consideraram a eleição ilegal.


A lei de incitação ao ódio vigente na Venezuela tem princípios semelhantes às propostas de regulação de redes sociais que circulam em vários países do mundo. São premissas que consideram a amplidão da internet e a multiplicidade de vozes sem regras, definindo um risco para os direitos da coletividade. A rapidez com que os conteúdos podem se espalhar hoje em dia faria com que manifestações ofensivas de qualquer tipo fossem potencialmente danosas à credibilidade das instituições.


A definição precisa do que seja ódio, desinformação, ação antidemocrática e principalmente o alcance do dano potencial de cada um desses conceitos, caso a caso, é um desafio ainda não vencido. E como se sabe, no direito, quanto maior a subjetividade e a margem interpretativa, maior é a dificuldade de se fazer justiça. E, consequentemente, maior é o espaço para o uso político das normas.


Não é preciso ser um jurisconsulto para concluir que uma frase como “Que ruim que uma pessoa dependa de uma bolsa” não pode levar ninguém para a prisão por 10 anos. Em nenhuma hipótese. Na Venezuela de hoje é difícil saber exatamente o que se passa em qualquer processo, dado o controle pouco transparente das instituições. Mas se parece aberrativo o que acontece na ditadura chavista com uma jovem que faz uma crítica simples no Facebook, o princípio evocado para essa punição brutal não é estranho ao debate político em vários países que ainda se consideram democráticos.


A ideia de que desacreditar medidas governamentais - tenha ou não razão quem faz a crítica - deva ser considerado um delito tem sido encampada até por jornalistas. O argumento geral é de que as redes sociais potencializam os franco-atiradores e aqueles que são movidos por intuitos totalitários. A regulação das redes seria uma forma de proteger a ordem institucional dos que querem minar a democracia.


Mesmo para os que estejam eventualmente bem intencionados, o princípio é vago demais - portanto impróprio como direito e ineficaz para o intuito original de proteger a democracia. O eufemismo “narrativa antiestatal”, que andou sendo usado pelos que dizem defender as instituições contra a tirania difusa das redes, não protege o exercício democrático. Ao contrário, seu sentido genérico (se é que há sentido nesse conceito) desautorizaria, no limite, a crítica aos detentores do poder - o que seria a própria negação da ideia de contraste político.


É até compreensível que a campanha por “regulação” convença pessoas de boa-fé, preocupadas com a ideia de que a internet se firme como um “território sem lei”. Mas substituir o bom senso e a concretude do direito por retórica pode levar a uma paisagem mais caótica do que a que se teme.


Guilherme Fiuza -  (Foto: Ballesteros/EFE) - Gazeta do Povo


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