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O Curupira vai chorar de vergonha em Belém

O Curupira vai chorar de vergonha em Belém

À primeira vista, a escolha do Curupira como mascote oficial da COP30 – a Conferência da ONU sobre mudanças climáticas que acontecerá entre 10 e 21 de novembro, em Belém do Pará – pode parecer acertada, pelo seu simbolismo e por estar alinhada à nossa identidade cultural. Mas, olhando mais de perto, pode ter sido uma decisão ruim, por ressaltar o abismo entre a realidade da Amazônia e a narrativa ambientalista.


Nas culturas indígenas e ribeirinhas, o Curupira é um ser mítico quase sagrado. Com seus cabelos vermelhos flamejantes e seus pés virados para trás, ele é o guardião das matas, um espírito vingativo que não perdoa caçadores predatórios, desmatadores e outros inimigos da floresta. Transformar esse personagem no mascote amigável e fofo de um evento internacional pode acabar contribuindo para camuflar a tragédia que se perpetua na região.


Dados recentes do INPE (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) mostram que o desmatamento e as queimadas na Amazônia continuam em níveis alarmantes, apesar das reiteradas promessas e planos de governo. O Pará, estado anfitrião da COP30, é um dos líderes em áreas desmatadas e queimadas. Enquanto o Curupira dançar nas peças publicitárias do evento, a floresta continuará a arder.


Não é só a devastação ambiental que contínua forte – ainda que, curiosamente, não desperte mais a indignação dos artistas e ativistas nacionais e até estrangeiros, como Leonardo DiCaprio e Greta Thunberg. As travas ao desenvolvimento que impedem a melhoria das condições de vida da população local também desmentem a mensagem otimista pretendida pela COP30.


Nesse contexto, a instrumentalização política do Curupira e a banalização do folclore como ferramenta de marketing se tornam arriscados. Podem parecer uma tentativa de desviar a atenção da tragédia ambiental e humana da região, com uma narrativa lacradora que convence cada vez menos gente.


"O verdadeiro Curupira castigaria aqueles que hoje são convidados a debater soluções que não saem do papel – e só servem para frear o desenvolvimento do nosso país"


Apesar de sua imensa riqueza, a Amazônia é marcada por indicadores sociais precários, como alta mortalidade infantil, analfabetismo e falta de saneamento. Aliás, Belém é uma das cidades brasileiras com os piores índices de saneamento básico do país. Os índices de pobreza e extrema pobreza são altíssimos. A insegurança alimentar afeta 30% dos domicílios. No Pará, mais de 90% da população não tem sequer coleta de esgoto, de acordo com levantamento do Instituto Trata Brasil. É vergonhoso.


Nesse cenário, o uso do Curupira pode ser percebido não como um gesto de preocupação verdadeira com o meio ambiente, mas simplesmente como uma jogada de greenwashing, ou mesmo como a apropriação cínica de um símbolo do nosso folclore por uma agenda política que faz muito pouco para enfrentar de fato a destruição da floresta e a miséria da população da região.


Greenwashing, como o leitor sabe, é o termo usado para descrever estratégias de marketing que tentam vender a imagem de compromisso ambiental onde, na prática, há omissão, inércia ou destruição deliberada. A escolha do Curupira se encaixa perfeitamente nesse conceito: em vez de enfrentar com coragem os desafios de um desenvolvimento sustentável que traga riqueza para a região, opta-se por oferecer ao público um símbolo politicamente correto e palatável aos olhos do mundo.


Mas é impossível ignorar a ironia: o verdadeiro Curupira castigaria justamente aqueles que hoje são convidados a debater soluções que não saem do papel – e só servem para frear o desenvolvimento do nosso país. A escolha do mascote ganha contornos trágicos e farsescos. A Amazônia, por sua vez, é reduzida a mero cenário: um pano de fundo exótico e colorido para discursos civilizatórios que só atendem aos interesses dos países ricos. É uma forma de exotismo institucionalizado.


O Curupira é retirado de seu contexto de resistência e luta e colocado como figurante de um espetáculo internacional que privilegia aparências e falsos consensos, que agridem a nossa soberania e impõem uma agenda climática que prioriza os interesses dos países ricos e limita o uso dos recursos amazônicos pelo Brasil. Como vem alertando o insuspeito Aldo Rebelo, esta é uma agenda que “congela” a Amazônia e perpetua a miséria da região.


Rebelo enfatiza que a Amazônia deve permanecer sob controle do Brasil, protegendo seus recursos contra interesses internacionais que cobiçam a região desde o período colonial. Ele critica a influência de ONGs, que considera um "Estado paralelo" a serviço de agendas estrangeiras, e defende o “direito ao desenvolvimento”, com a regularização de atividades econômicas, como mineração e agricultura. A preservação do meio ambiente não pode se dar ao preço da miséria da população. Mas, seguramente, nada disso será debatido na COP30.


Aliás a COP vem sendo criticada até por apoiadores incondicionais do governo, como o líder indígena Ailton Krenak. Em uma entrevista recente, Krenak declarou que o evento será um grande “balcão de negócios de corporações”, com pouca representatividade de povos originários e sem compromisso real com a preservação ambiental. “Para bilionários, interessa mais ganhar dinheiro e aumentar sua força política do que cuidar da vida no planeta”, afirmou. E explicou por que se recusou a participar da conferência: “Eu não suportaria o cheiro dos bilionários. Se eu fosse, seria apenas para passar vergonha ou raiva”.


PS. Mal dei o ponto final neste artigo, vi que o deputado Nikolas Ferreira já se manifestou no X sobre a escolha do Curupira como mascote da COP30: "Excelente escolha pra representar o Brasil e nossas florestas: anda para trás e pega fogo", escreveu o parlamentar, em uma postagem com 2,5 milhões de visualizações, que já rendeu quase 4.000 comentários, 7.000 compartilhamentos e 36 mil curtidas. Precisamos regular as redes sociais!



Luciano Trigo - (Foto: Imagem criada utilizando Chatgpt/Luciano Trigo - Gazeta do Povo)


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