O jornalista Eli Vieira detalha, à Entrelinhas, os novos vazamentos do caso conhecido como Vaza Toga. Segundo os documentos obtidos por ele e por David Ágape, assessores do ministro Alexandre de Moraes teriam usado estruturas do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para monitorar manifestantes e gerar relatórios que embasaram prisões relacionadas ao 8 de janeiro.
Segundo as investigações, a força-tarefa operava com base em “certidões” informais, produzidas até mesmo a partir de comentários publicados em redes sociais. Esses documentos podiam ser suficientes para classificar alguém com uma “certidão positiva”, rótulo que contribuía para manter a pessoa sob prisão. Conforme apurado, tais certidões nunca foram disponibilizadas à defesa nem submetidas à análise do Ministério Público.
A operação também teria recorrido a colaboradores externos — como militantes políticos, universidades e agências de checagem — para se infiltrar em grupos privados de mensagens. De acordo com as apurações, Moraes autorizava essas iniciativas por e-mails enviados a seu endereço pessoal, evitando os canais oficiais.
Na entrevista, Eli Vieira aponta que o debate público no Brasil tem se fechado para vozes discordantes. Ele observa que autoridades e parte da imprensa tratam opiniões políticas divergentes como ameaça. O jornalista e geneticista defende que o país retome o compromisso com a liberdade de expressão.
Entrelinhas: O que são esses arquivos e o que ficou evidente até agora sobre as prisões do 8 de janeiro? Eli Vieira: Cinco dias depois do 8 de janeiro de 2023, no dia 13, a assessora-chefe do gabinete do Moraes no STF criou um grupo no WhatsApp para coordenar trabalhos, não no STF, mas cruzando as fronteiras do TSE para a Assessoria Especial de Enfrentamento à Desinformação, que é aquele núcleo de inteligência chefiado pelo Eduardo Tagliaferro. A fonte última desses documentos é ele, parte do que Glenn Greenwald e Fábio Serapião já tinham visto na Vaza Toga.
O novo é que temos toda a conversa do grupo, desde a criação até o fechamento, quando saíram aquelas reportagens. Eles acessaram redes sociais de manifestantes usando até o banco biométrico do TSE, criado para validar eleitores, não para investigações criminais. O núcleo da novidade são as certidões: 69 no total, sendo 42 positivas, que apontavam apenas opiniões políticas. Por exemplo, cinco tuítes de 2018 de Ademir Domingos Pinto da Silva, um vendedor ambulante, falando mal do Partido dos Trabalhadores. Ele foi condenado mesmo assim.
Na amostra de 319 detidos que analisamos, ninguém com certidão positiva foi solto. A negativa aumentava a chance de liberdade, mas não garantia. Ou seja, a opinião política virou critério decisório para manter prisões.
Entrelinhas: Glenn Greenwald disse que nunca sentiu tanto medo quanto ao divulgar informações sobre Moraes. Por que você acha que parte da imprensa não deu continuidade à Vaza Toga? Medo ou ideologia? Eli Vieira: O Glenn provavelmente não publicou tudo porque precisava programar e validar documentos. Foi humanamente impossível bater o olho em todos aqueles PDFs rapidamente. Uma das nossas descobertas foi que as assinaturas eletrônicas dos assessores levavam à certidão completa, provando autenticidade.
Quanto à imprensa, fizemos uma rodada em grandes veículos e algumas portas se fecharam. Em parte por medo – e como não temer, vendo a arbitrariedade contra um vendedor ambulante? –, em parte pela dificuldade de validar tudo rapidamente.
Nós não somos jornalistas de formação, mas registramos nosso trabalho. O Glenn tem uma decisão do STF que o protege; nós torcemos para que essa proteção à liberdade de imprensa também se estenda a quem não tem diploma, como eu e o David.
Entrelinhas: A aplicação da Lei Magnitsky contra Moraes preparou o terreno para essas revelações? Eli Vieira: Não houve cálculo político, foi coincidência feliz. Jornalisticamente, o tema já estava em pauta: se Moraes viola ou não direitos humanos. O Schellenberger queria publicar logo após a Magnitsky para aproveitar o interesse do público. Esperamos alguns dias para garantir maior impacto e leitura, mas foi uma decisão jornalística, não política.
Entrelinhas: Essa novidade pode aumentar a pressão por anistia e limitar os poderes de Moraes? Eli Vieira: Essa é uma opinião pessoal. Pela primeira vez, vi um sinal de recuo do Moraes. Na sexta passada, na abertura do semestre do STF, ele falava em “milicianos”, “traidores”, mas ao mesmo tempo liberou contas como a do Rodrigo Constantino e outras no X.
Isso pode indicar que a Magnitsky começou a equilibrar a balança, gerando algum freio nos abusos que alegam ser em nome da democracia. Vejo sinais de que ele começou a pisar no freio.
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