Já se sabe que a dependência cada vez maior das pessoas em relação a Inteligência Artificial tem poder de comprometer a capacidade cognitiva humana. Segundo pesquisadores, o uso excessivo da IA pode levar à atrofia cognitiva, limitando a capacidade mental, diminuindo o pensamento crítico e mesmo a criatividade. Com isso, o ser humano deixa de inovar e criar novas ideias. Tudo isso pode afetar a saúde mental. A situação tem escalado a um tal ponto que hoje se fala em uma “Psicose de IA”.
São milhares de casos reais que mostram pessoas passando a acreditar que a IA possui consciência própria e que, por isso, começam a se relacionar com essa ferramenta, na tentativa de encontrar o que elas, definitivamente, não possuem.
Há poucos dias foi revelado o caso de uma jovem irlandesa, que, magoada com o fim abrupto de um relacionamento sentimental, passou a buscar uma espécie de consolo com a IA, fornecendo a ela todos os dados de sua personalidade e de seu antigo namorado, suas movimentações na cidade, seus relacionamentos, livros e filmes preferidos, casos de família, até fofocas compartilhou com a máquina. Com base nesses dados, a IA passou a fazer uma série de conjecturas e previsões que, de certa forma, alimentavam a esperança de que haveria um reatamento desse namoro, mostrando, em seguida, todas as possibilidades para que isso se concretizasse. Jamais discordou da interlocutora. Sempre elogiando sua inteligência e amabilidade.
A jovem, diante dessas afirmações, imediatamente adotou a IA como uma espécie de cartomante ou aconselhadora sentimental, estabelecendo uma relação tão próxima à IA que já não dava um passo fora sem antes consultar sua “cigana eletrônica”. Outros casos mostram até envolvimentos amorosos entre pessoas e IA. O preenchimento de um vazio existencial ou mesmo a solidão, tão comum hoje em dia, têm levado muitas pessoas a buscar, nessa lacuna, o auxílio da IA. O pior é quando essa dependência chega às raias da loucura.
Na educação de jovens é que os estragos são ainda maiores. Estudos realizados na Universidade de Carnegie Mellon, junto com a Microsoft, observaram que, com o uso intensivo da IA, os estudantes tendem a confiar mais nas respostas da IA do que em si mesmos. De certa forma, não é a IA que reduz o pensamento crítico, mas a forma como se utiliza essa ferramenta. A própria Psicologia se ressente com a IA. Não que a IA vá substituir os psicólogos, mas o uso da IA no tratamento de casos que requerem a intervenção de um psicólogo ainda é um assunto mal resolvido. A questão é como encontrar um equilíbrio entre tecnologia e humanidade. O que muitos não entendem ainda é que a IA é uma ferramenta e não uma muleta.
O tema é um dos mais instigantes do nosso tempo, porque toca diretamente no ponto em que a tecnologia deixa de ser apenas ferramenta e passa a ocupar um espaço íntimo na vida das pessoas — às vezes, substituindo vínculos humanos, emoções e capacidade de pensar por conta própria. De fato, os riscos não são desprezíveis. A dependência excessiva da IA pode, como já citado, comprometer o pensamento crítico. Quando alguém confia cegamente nas respostas de uma máquina, perde, gradualmente, o hábito de questionar, de duvidar e de elaborar hipóteses próprias, exatamente as competências que moldam a criatividade e a capacidade de inovação. Esse processo é comparável ao enfraquecimento muscular por falta de exercício: quanto mais se terceiriza o raciocínio, mais atrofiada fica a mente.
O caso da jovem irlandesa ilustra isso de forma dolorosa, ela deslocou seu sofrimento para uma “cigana eletrônica”, projetando sobre a IA uma consciência que não existe. Aí se revelam um dos perigos: a confusão entre simulação e realidade, entre respostas probabilísticas e sabedoria humana. No entanto, seria ingênuo pensar apenas nos perigos sem reconhecer as vantagens.
A IA pode ser uma poderosa aliada no campo humano quando usada com consciência. Ela pode servir como suporte para pessoas solitárias, funcionando como um espaço de expressão emocional em momentos de vulnerabilidade. Pode auxiliar psicólogos no acompanhamento de pacientes, fornecendo dados e padrões de comportamento que talvez escapem à percepção humana. No ensino, pode personalizar o aprendizado, adaptando o conteúdo às dificuldades e ao ritmo de cada estudante. No trabalho criativo, pode inspirar novas combinações de ideias, funcionando como uma espécie de “laboratório de possibilidades”. O desafio, portanto, está no equilíbrio. A IA deve ser entendida como ferramenta e não como substituto da experiência humana.
Como qualquer tecnologia, ela amplia nossas capacidades, mas também pode nos fragilizar se usada de forma acrítica. O que falta é alfabetização digital e emocional: ensinar, desde cedo, que a IA não é oráculo, nem consciência autônoma, mas um espelho sofisticado que reflete, com distorções, os dados que colocamos nela. No fundo, o perigo maior não é a IA em si, mas a nossa tendência de projetar nela aquilo que falta em nós: consolo, direção, afeto, certezas. Se conseguirmos usá-la sem entregar a ela nossa autonomia mental e emocional, a IA funcionará a contento.