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O “Não, não, não” de Alexandre de Moraes

O “Não, não, não” de Alexandre de Moraes

Não sei se mais alguém ficou curioso com o atual livro preferido do ministro Alexandre de Moraes, revelado à Reuters em entrevista recente. Trata-se de Liderança: Seis estudos sobre estratégia, de Henry Kissinger, o famoso diplomata norte-americano. Quando li isso, imediatamente meu lado Dr. House despertou, dizendo: Interesting!


Fui atrás da obra, na qual Kissinger analisa as trajetórias de seis líderes mundiais icônicos do século 20 e suas estratégias no enfrentamento de momentos de crise e transformação em suas nações.


Não é preciso mais do que uma leitura do sumário para se descobrir quais dessas estratégias interessaram ao ministro. Certamente não são a “estratégia da humildade”, a “estratégia do equilíbrio”, a “estratégia da transcendência” e a “estratégia da excelência”, por motivos óbvios; os próprios nomes bastam como explicação. Restam duas possíveis: a “estratégia da vontade” a “estratégia da convicção”.


“Alexandre de Moraes não age com flexibilidade tática alguma. Sua vontade é o motor, e ele não admite curvas no caminho até chegar ao seu destino”


A primeira, segundo Kissinger, é representada por Charles de Gaulle, o líder da Resistência francesa durante a Segunda Guerra Mundial e posteriormente presidente do país. Ele personificou uma determinação intransigente em restaurar ou preservar a grandeza, a dignidade e a soberania nacional em face daquelas circunstâncias desesperadoras e adversidades extremas.


Ou seja, a força de vontade do líder é o principal recurso desta estratégia. Não é difícil enxergar traços disso em Alexandre de Moraes. Basta lembrar, por exemplo, da sua fala em outra entrevista recente, ao Washington Post, dizendo que não recuará nem um milímetro no que considera ser seu dever em defesa da democracia brasileira, e que age aplicando uma “vacina” contra nosso histórico de golpismos. Parece possuir uma vontade inquebrantável.


Entretanto, embora sua vontade fosse inabalável, De Gaulle não tinha tantos meios e instrumentos para realizar seu propósito. Foi preciso ter uma grande flexibilidade tática, agindo de forma muito pragmática, adaptando seus meios, mesmo significando fazer alianças impensáveis ou mudando de abordagem, de forma até contrária às anteriores. Nisso, Alexandre de Moraes não se encaixa. Não age com flexibilidade tática alguma. Sua vontade é o motor, e ele não admite curvas no caminho até chegar ao seu destino.


Isso torna sua ação mais semelhante à “estratégia da convicção”, representada por Margaret Thatcher, a “Dama de Ferro” inglesa, que aplicou seus princípios ideológicos (o liberalismo) de maneira firme para revitalizar a economia britânica e sua posição internacional. Sua liderança foi marcada pela inabalável convicção em suas crenças, mesmo diante de forte oposição, e pela disposição de tomar decisões impopulares para alcançar seus objetivos. Consigo ver aquele sorriso sem mostrar os dentes se desenhando no rosto de Moraes lendo essa parte do livro.


"Pelo andar da carruagem, Moraes não demorará a descobrir quão descolada da realidade está sua expectativa de que os EUA recuarão das sanções aplicadas"


Mas, nesta estratégia, o risco de o líder aderir tão firmemente a suas crenças, com pouca ou nenhuma disposição para compromissos ou adaptações, pode levá-lo a recusar também até os fatos mais óbvios. Essa rigidez, que é a essência da convicção, pode aumentar consideravelmente o risco de dissonância cognitiva. Foi o que aconteceu com Margaret Thatcher. Mesmo estando evidente a realidade da sua perda de apoio popular e também dentro do seu próprio gabinete, a “Dama de Ferro” fincou ainda mais o pé naquilo que acreditava ser o certo, recusando-se a agir politicamente, o que provavelmente evitaria a queda do seu gabinete. Vejam que trecho interessante do livro de Kissinger:


“Furiosa com seu gabinete e determinada a evitar desafios adicionais a suas políticas, ela parecia pegar suas deixas retóricas das palavras admonitórias de Deus para Jó: ‘Até aqui virás, mas não mais além’. Fazendo de Jacques Delors seu antagonista, Thatcher contou que ‘ele queria que o Parlamento Europeu fosse o órgão democrático da Comunidade, que a Comissão fosse o Executivo e que o Conselho de Ministros fosse o Senado’. Sua resposta foi inequívoca: ‘Não, não, não!’. ‘Não, não, não’, declarada de forma calma, mas enfática, viria a se tornar mais uma das expressões imortais de Thatcher – mas não antes de ter ajudado a derrubar seu governo.”


Interesting, não? E a história, como bem nos lembra Kissinger, não perdoa quem ignora suas lições. Mas, se o ministro for tão bom leitor como é sendo escritor, temo que não seja capaz de aprendê-las. E, pelo andar da carruagem, não demorará a descobrir quão descolada da realidade está sua expectativa, revelada na entrevista ao Washington Post, de que os EUA recuarão das sanções aplicadas. Aí, desconfio, será possível escutar ecoar pela praça dos Três Poderes, por entre os cimentos das paredes do que um dia foram instituições democráticas, seus próprios gritos de “Não, não, não!”



Francisco Escorsim - Foto: Imagem criada utilizando Grok - Gazeta do Povo


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