“Toda vez que a gente fala de combater as drogas, possivelmente fosse mais fácil a gente combater os nossos viciados internamente. Os usuários são responsáveis pelos traficantes que são, sabe, vítimas dos usuários também.” A afirmação bizarra de Lula, feita durante viagem à Indonésia na semana passada, em resposta à pergunta de um jornalista sobre a sua posição em relação à ação do governo Trump contra os cartéis de drogas na América Latina, entrou desde já para os anais das maiores barbaridades ditas pelo petista em todos os tempos. Entre elas, é difícil dizer qual é a pior, mas essa tem, com certeza, potencial para ocupar o topo da lista.
Diante da repercussão negativa causada pela fala de Lula, que ganhou o mundo pela sua inépcia, o Palácio do Planalto montou uma “operação de guerra”, segundo o noticiário, para tentar abafar o estrago. Colocou a tropa de choque petista e os seus robôs em movimento para tentar “minimizar” os danos nas redes sociais e fora delas, com o apoio da “mídia amiga”, que recorreu a todo tipo de contorcionismo verbal, como costuma acontecer nessas ocasiões, classificando a afirmação do presidente como “gafe”, “deslize” ou “equívoco”, em vez de entendê-la como a expressão de seu real pensamento sobre a questão e de analisá-la como tal.
Com um olho nas eleições de 2026, em que a questão da (in)segurança pública certamente será um dos principais temas da campanha, o próprio Lula veio a público desculpar-se pela declaração horas depois, por meio de uma postagem publicada no X, em que afirmou ter-se tratado de uma “frase mal colocada”.
Mas, apesar de seu recuo protocolar e do esforço de sua claque para relativizar o prejuízo, o que Lula disse não foi obra do acaso nem de seu recorrente destempero verbal. Sua afirmação revela muito sobre a visão que ele, o PT e a esquerda de forma geral têm a respeito da bandidagem e de como os criminosos devem ser tratados pela sociedade, que encontra ressonância numa parcela considerável do Poder Judiciário do país.
"Com boa parte da opinião pública do país contagiada pelo fetiche da esquerda pela criminalidade – uma visão que Lula expressou de forma cristalina em sua afirmação que vitimizava os traficantes e vilanizava as suas vítimas – é difícil imaginar que o problema da (in)segurança pública no país possa ser resolvido"
É uma visão que reflete uma inversão total de valores, na qual a vítima não é quem sofre a violência, mas os seus algozes, ao mesmo tempo em que a polícia é tratada como vilã e os criminosos, como os “mocinhos”, os “coitadinhos” marginalizados pelo sistema, excluídos das benesses do capitalismo “malvadão” que eles dizem combater.
“É inacreditável. O homem que governa o país defende quem destrói famílias, quem enche os cemitérios e quem espalha violência nas ruas. Para ele, o bandido é vítima e o cidadão de bem é o culpado. Talvez, na cabeça do descondenado, o traficante seja o novo ‘trabalhador oprimido’”, afirmou o deputado federal Sóstenes Cavalcante, líder do PL na Câmara, também em postagem no X. “Enquanto o brasileiro luta para sobreviver, o governo prefere passar pano para o crime. O país precisa de justiça, não de romantização do tráfico.”
Por mais que Lula e seus aliados tenham procurado tratar o episódio como um fato isolado, a mesma visão – que relativiza o crime e procura tratar o problema como uma “questão social”, em vez de combater a bandidagem com todo o rigor da lei e colocar os criminosos no xilindró – está presente no discurso do PT, de suas lideranças e de sua militância desde que o partido surgiu, em 1980, e desde a primeira eleição presidencial da qual Lula participou, em 1989.
Só no atual mandato de Lula, para ficar apenas nos casos mais recentes, essa visão já veio à tona em inúmeras ocasiões. Ela emergiu, por exemplo, quando ele se colocou contra a classificação de facções criminosas como o PCC (Primeiro Comando da Capital) e o CV (Comando Vermelho) como organizações terroristas, defendida pelo governo Trump – uma posição que Lula defendeu, inclusive, em seu discurso na Assembleia-Geral da ONU, semanas atrás.
“É preocupante a equiparação entre a criminalidade e o terrorismo. A forma mais eficaz de combater o tráfico de drogas é a cooperação para reprimir a lavagem de dinheiro e limitar o comércio de armas. Usar força letal em situações que não constituem conflitos armados equivale a executar pessoas sem julgamento”, disse Lula na tribuna da ONU, para o mundo inteiro ouvir.
Emergiu, também, em maio de 2024, quando Lula vetou o projeto aprovado pelo Congresso que restringia as “saidinhas” de presos do regime semiaberto para visitar as suas famílias, sob a alegação de que isso era, para ele, uma “questão de princípio”. Posteriormente, o veto foi derrubado pelos parlamentares, embora o assunto ainda esteja pendente de julgamento pelo STF, nos casos de prisões anteriores à promulgação da nova lei, por supostos “direitos adquiridos” pelos detentos.
A mesma postura está presente no Plano Nacional de Política Criminal e Penitenciária 2024–2027, patrocinado pelo ministro da Justiça e Segurança Pública, Ricardo Lewandowski, que defende uma política de “desencarceramento em massa”. Ou no plano batizado com o sugestivo nome de “Pena Justa”, apresentado pelo governo Lula e pelo CNJ (Conselho Nacional de Justiça), em cumprimento a uma determinação do STF. O plano, cujo objetivo é combater as violações dos direitos humanos no sistema prisional brasileiro, atribui a superlotação dos presídios a questões raciais e a prisões consideradas como arbitrárias, e não à escalada da violência no país.
“Não existe pena justa quando o cidadão de bem é abandonado à própria sorte, enquanto o governo prioriza a reintegração de criminosos”, afirmou o deputado Ubiratan Sanderson (PL-RS) na época. “O Brasil precisa de um endurecimento das leis e de mais investimentos na segurança pública, não de um sistema que facilita a vida de quem optou pelo crime. O governo Lula está na contramão do que o povo deseja.”
No atual governo petista, até a mulher de um dos chefes do Comando Vermelho no Amazonas, Luciane Barbosa Farias, conhecida como a “Dama do Tráfico”, esteve no Ministério da Justiça no fim de 2023, ainda na gestão do atual ministro do STF, Flávio Dino, tirou fotos com funcionários da pasta e participou de um evento de combate à tortura promovido pelo Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, em Brasília, com todas as despesas pagas com dinheiro público. Condenada a dez anos de prisão por associação para o tráfico, organização criminosa e lavagem de dinheiro, ela foi presa em maio deste ano, depois de permanecer foragida por cinco meses.
Mesmo a ida de Lula e da primeira-dama, Janja da Silva, à Favela do Moinho, no centro de São Paulo, em junho último, foi viabilizada a partir da articulação de representantes do governo com uma ONG ligada ao PCC, cuja sede foi usada para armazenamento de drogas pela facção, conforme informações divulgadas pela imprensa.
Com tal retrospecto, não é à toa que a Bahia, governada pelo PT há quase vinte anos, tem cinco das dez cidades mais violentas do país. O estado é considerado como o segundo mais violento, com 40,6 mortes intencionais por 100 mil habitantes, de acordo com o Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2025, atrás apenas do Amapá, que está no topo da lista.
Essa visão distorcida de Lula, do PT e de seus aliados sobre como a bandidagem deve ser tratada contagia também a Justiça. Segundo um levantamento realizado pelo senador Jorge Seif (PL-SC), intitulado A Ascensão do Narcoestado do Brasil, o STJ (Superior Tribunal de Justiça) concedeu nada menos que 9.166 habeas corpus a condenados ou investigados por tráfico de drogas apenas em 2024. Outros 577 habeas corpus foram concedidos pelo STF no mesmo período, sendo que o tráfico foi o crime mais comum cometido pelos beneficiados pela medida.
Um exemplo emblemático dessa postura permissiva da Justiça na Primeira Instância foi a decisão tomada no fim de julho pelo juiz carioca Rubens Casara, da 43ª Vara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, de soltar um criminoso detido por roubo com 86 anotações em sua folha corrida, entre acusações de assaltos, porte de arma e lesão corporal. Ironicamente, o juiz é casado com a filósofa petista Marcia Tiburi, que ganhou os holofotes por ter se declarado “a favor do assalto”.
É uma mentalidade que se reflete também na “empatia” da “esquerda caviar” pelo rapper Oruam, cujas “canções” costumam exaltar a violência e “glamourizar” o crime, por considerá-lo como representante da “cultura popular” e “símbolo de cultura da favela”. Filho do traficante Marcinho VP, um dos líderes do CV, preso desde 1996, Oruam chegou a receber o apoio público da deputada Erika Hilton (PSOL-SP) para entrar na política e se conectar com “movimentos sociais” na periferia do Rio de Janeiro. Depois, diante das críticas que recebeu, a deputada acabou recuando e disse ter “errado no tom” e que sua intenção era “abrir um canal de diálogo com os seguidores do cantor”. O caso, porém, mostra bem a mentalidade predominante na esquerda em relação à bandidagem.
Com uma tatuagem no peito e na barriga do rosto do traficante Elias Maluco, que em 2002 queimou com um cigarro os olhos do jornalista Tim Lopes, da TV Globo, cortou as suas mãos, os seus pés e os seus braços com uma espada de samurai e depois, com ele ainda vivo, o queimou com querosene dentro de pneus, Oruam foi solto por decisão do STJ, depois de passar 69 dias em prisão preventiva. E agora vai aguardar em liberdade condicional o julgamento pelos sete crimes dos quais é acusado – tráfico de drogas, associação ao tráfico, resistência qualificada, desacato, dano qualificado, ameaça e lesão corporal.
Com boa parte da opinião pública do país contagiada pelo fetiche da esquerda pela criminalidade – uma visão que Lula expressou de forma cristalina em sua afirmação que vitimizava os traficantes e vilanizava as suas vítimas – é difícil imaginar que o problema da (in)segurança pública no país possa ser resolvido como deveria, pelo império da lei, com o fim do regime de progressão acelerada de penas e das audiências de custódia, que promovem a liberação em série de criminosos recorrentes presos pela polícia.
Lula pode até recuar em sua declaração estapafúrdia por conveniência política, mas a história não deixa margem a dúvidas sobre o que ele e seus aliados pensam a respeito da questão, com o apoio de boa parte do Judiciário e de como ela deve ser tratada pela sociedade. Só não vê quem não quer.




