Desde sempre, a população foi mantida à margem da história do Brasil. O que sempre prevaleceu foram arranjos do tipo burocrático ou tecnocrático que visavam manter o status quo e a lógica perversa do patrimonialismo. A república, desde a sua instalação, jamais teve a hombridade de legitimar quaisquer dos princípios que justificassem a sua implantação. A República tem sido deles, ou seja, da minoria que passou a se assenhorear-se do Estado. E isso, quer queiramos ou não, gera consequências profundas na vida das pessoas, moldando um tipo de nação que sempre tem se colocado à margem, sem participação cívica em o que quer que seja e sem, principalmente, soberania popular; e, por tabela, sem promoção da justiça.
Há uma tese que atravessa gerações e sobrevive aos discursos oficiais: a de que o empobrecimento do brasileiro não é um acidente histórico, mas um projeto político cuidadosamente mantido. Desde o golpe palaciano que instituiu a República, em 1889, o Brasil vem sendo moldado segundo interesses que, sob o disfarce da modernização, nunca se preocuparam em construir uma nação democrática, participativa ou socialmente justa.
O povo, esse “amontoado de ninguém” ausente da história, sempre foi convocado apenas na hora de legitimar o poder de outros, como eleitor, massa de manobra ou plateia silenciosa. A chamada “Proclamação da República” foi, na verdade, um rearranjo de forças entre militares e civis que desejavam romper com o Império não para libertar o país, mas para apropriar-se do Estado. A promessa de um novo tempo não passou de um slogan, uma narrativa que serviu para mascarar a tomada de poder por uma minoria burocrática e tecnocrática.
Seja a República Nova que se seguiu Velha, ou mesmo a “Nova República” pós-1988 manteve o mesmo vício de origem: a exclusão popular como fundamento de governo. Desde então, o Brasil vive sob o império de um patrimonialismo refinado, em que o público é tratado como propriedade privada e o Estado serve de abrigo para corporações, grupos de interesse e oligarquias regionais. A cidadania, neste modelo, é um adereço retórico. Os governos mudam, as ideologias se alternam, mas o cidadão permanece à margem sem voz, sem poder e, sobretudo, sem acesso real aos bens e serviços que lhe garantiriam autonomia.
Nesse contexto, o empobrecimento não é mero resultado de crises econômicas ou má gestão. É uma política de controle social. O cidadão economicamente frágil depende do Estado para sobreviver e, portanto, torna-se mais suscetível à manipulação política. Programas sociais, em vez de instrumentos de emancipação, são convertidos em cabrestos modernos. Benefícios que deveriam ser degraus para a independência transformam-se em armadilhas que perpetuam a dependência. O assistencialismo, quando mal conduzido, substitui a cidadania por clientelismo e desmobiliza a consciência crítica. As finanças públicas, descontroladas, não são apenas incompetência: são parte do mecanismo de perpetuação da pobreza.
O déficit fiscal crônico serve de pretexto para cortes sociais, arrocho salarial e dependência internacional. Ao mesmo tempo, a elite econômica, sempre bem instalada, acumula lucros recordes em setores protegidos pelo próprio Estado, bancos, empreiteiras, mineradoras, agronegócio exportador.
Uma sociedade profundamente desigual, em que a riqueza se concentra no topo, enquanto o restante da população disputa migalhas, é o resultado. As reformas que prometem eficiência acabam por fortalecer o controle de poucos sobre muitos. A lógica é simples: quanto mais pobre o indivíduo, mais fácil controlar o país.
O empobrecimento coletivo também é cultural. Uma população sem acesso à educação de qualidade, à informação livre e à consciência crítica dificilmente compreenderá o alcance de sua força política. O desmonte sistemático da educação pública, a precarização das universidades e o abandono da cultura são faces do mesmo objetivo: manter o cidadão em condição de servidão intelectual.
Em vez de garantir igualdade, o Estado brasileiro tornou-se uma máquina de perpetuar privilégios. A política fiscal regressiva, o sistema tributário injusto e a burocracia que sufoca pequenos empreendedores são exemplos claros de um modelo desenhado para concentrar renda e poder. Enquanto o trabalhador paga impostos em cascata sobre o consumo, os grandes capitais se beneficiam de brechas legais e generosos incentivos.
A verdadeira soberania popular, aquela que nasce da autonomia econômica e da consciência política, permanece interditada. O Brasil precisa enfrentar esse paradoxo histórico: só haverá República de fato quando houver povo de verdade. E só haverá povo de verdade quando o Estado deixar de ser o instrumento dos poucos para tornar-se o espaço de todos. Até lá, continuaremos sob a mesma bandeira de sempre: verde, amarela e profundamente desigual.





