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O Rio de Janeiro está em guerra e o Planalto finge que não vê

O Rio de Janeiro está em guerra e o Planalto finge que não vê 

A imagem que ilustra esta página circulou como um vírus. Colunas de fumaça sobem no horizonte. Um narrador anônimo diz ser uma “chuva de tiros”. Os sons dos disparos justificam a expressão. Ao fundo, o contorno irregular do Complexo do Alemão. Para quem se lembra de Bagdá em 2003, a semelhança não é coincidência. Só que não se trata do Oriente Médio. É só a Zona Norte do Rio de Janeiro, Brasil, 2025. A diferença, talvez, seja só uma: em Bagdá havia guerra declarada. No Rio, temos a barbárie negada. 


A operação policial realizada nesta semana no Rio resultou em 121 mortos, entre os quais quatro policiais. O saldo do confronto se estende com mais agentes de segurança feridos e viaturas crivadas de balas. 


Já era parte da rotina do noticiário da violência no Rio ver os traficantes atirando em helicópteros. Algo perigosamente normalizado. No conflito dessa semana, o assombro veio do uso de drones comerciais adaptados para transportar granadas. Algo muito parecido com que as dissidências das FARC e o ELN fazem na Colômbia. O arsenal apreendido mostrou uma diversidade peculiar de fornecedores. Há fuzis que foram roubados das Forças Armadas do Brasil, há armas desviadas dos exércitos da Argentina, Peru e Venezuela.

 

A pergunta que o Brasil teima em não responder: o que estamos enfrentando? É guerra civil? É insurgência? É terrorismo? Ou é só um caso de polícia?

 

Por definição clássica, guerra civil é um conflito armado entre grupos que disputam o controle político de um território nacional. No caso carioca, o território é fragmentado e a disputa se dá entre polícia e o crime organizado. Mas as facções criminosas armadas se diferem de exércitos de guerrilha? Há fuzis, granadas, drones, inteligência tática e domínio sobre vidas humanas. Vários pontos em comum. A guerra civil do Rio, se é que podemos chamar assim, é sui generis e por isso permite que seja negada. 


Especialista em guerras de baixa intensidade, definem casos como o carioca de insurgência urbana. Nesse caso, os traficantes (insurgentes) são a manifestação da erosão do poder do Estado por grupos armados que exercem governança própria. Não é preciso ter ideologia, apenas comando. Por esse critério, o tráfico carioca é insurgente funcional: impõe regras, coleta “impostos”, aplica justiça (tribunais do crime), exerce controle territorial, vende serviços públicos e rivaliza com o Estado.

 

O objetivo não é tomar Brasília, propriamente (o que se veria em uma guerra civil), mas neutralizar a presença estatal onde ele ainda insiste em existir ou atrapalhar o negócio. O tráfico quer o vácuo. Quer um Estado ausente ou submisso (daí vem o narcoestado). E, em muitos casos, já conseguiu isso, seja territorialmente, seja politicamente, com influência local e possível projeção nacional. 


As insurgências, que mais parece ser o caso do Rio, são uma evolução das gangues, pois deixam de ser organizações criminosas apenas e passam a se mimetizar com elementos como os descritos no parágrafo sobre a hipótese de uma guerra civil. 


"Quem insistir em se limitar ao vocabulário da década de 1990, pautado por conceitos como tiroteio, traficantes, guerra às drogas e criminosos, não entendeu nada e só ajuda a turvar a busca por uma resposta adequada" 


É Terrorismo? Depende de quem define. Tecnicamente, terrorismo é o uso da violência com fins políticos. Mas quando criminosos usam moradores como escudos humanos, atacam forças de segurança, controlam redes sociais e aterrorizam comunidades inteiras. O PCC já cruzou há tempos essa linha. Muita gente se esquece e quase toda autoridade não quer que isso seja lembrado, mas os bandidos liderados pelo Marcos Herbas Camacho, o Marcola, adoram o terrorismo como método desde 2002. Naqueles anos, eles montaram um carro bomba para explodir a Bolsa de Valores de São Paulo. O objetivo era replicar em menor escala os atentados de 11 de setembro, nos Estados Unidos. Sem exagero. As interceptações feitas pelas autoridades na ocasião pinçaram conversas do tipo. 


A ideia era colapsar o sistema financeiro e gerar um nível de instabilidade tal que pudesse ter impacto eleitoral. Eles tinham candidato preferencial declarado para o governo do Estado de São Paulo e presidente. Em 2006, outro ano eleitoral, o PCC voltou a usar do terrorismo como instrumento de pressão. Parou São Paulo por dias e mostrou seu poder de pressão. 


Em países como o México, o cartel se comporta como ator político. No Haiti, as gangues impõem governos locais. No Afeganistão, os talibãs substituem o Estado com fuzis e sharia. No Brasil, fingimos que é diferente. Mas os métodos são os mesmos. A diferença é que aqui, as instituições fingem que estão no controle.

 

A pergunta final. Tudo isso é baboseira? Não estaríamos apenas falando de bandidos? É uma pergunta que vem sendo feita há tempos e a resposta tem modulado a ação. Mas será que justamente pela resposta ser equivocada que a ação não tem sido eficiente? Chamar os homens armados que enfrentaram a polícia no mais recente episódio de violência no Rio de Janeiro apenas de bandidos é como chamar o Hezbollah de partido ou o Hamas de milícia. É ignorar que o tráfico, hoje, é uma estrutura transnacional, com armamento importado, rotas logísticas que atravessam fronteiras, capacidade de controlar o voto (comprado ou por coerção), domínio territorial e capacidade de fazer frente ao Estado como um exército irregular. 


Quem insistir em se limitar ao vocabulário da década de 1990, pautado por conceitos como tiroteio, traficantes, guerra às drogas e criminosos, não entendeu nada e só ajuda a turvar a busca por uma resposta adequada. O que está em jogo não é mais sobre vender cocaína no beco. É sobre a captura territorial que já subjuga 30% da população brasileira.

 

Pode ser guerra, terrorismo ou insurgência. Realmente há evidências suficientes para o nome correto ao problema e, a partir disso, pensar na melhor solução.



Leonardo Coutinho - (Foto: Reprodução Youtube - Gazeta do Povo) 


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