Desde a aurora do século XXI, quando se reconheceu que a imensidão verde da Amazônia Legal já deixava de ser apenas um palco de fauna e flora para converter-se em ativo estratégico global, o Fundo Amazônia despontou como instrumento paradigmático, concebido para captar doações internacionais destinadas a projetos de prevenção, monitoramento e combate ao desmatamento daquela vasta região, bem como para a promoção de uso sustentável das florestas. A ideia era aparentemente simples, aliar a preservação ambiental à justiça socioeconômica das comunidades locais, ao mesmo tempo em que se cumpria a promessa de reduzir emissões de gases de efeito estufa, num mundo cada vez mais consciente de que a floresta em pé era patrimônio de todos. Entretanto, como tantas iniciativas gestadas sob o rótulo da cooperação internacional, o Fundo Amazônia, que poderia ter sido o símbolo de um contrato moral global entre Norte e Sul, parece ter perdido prestígio e credibilidade, minado por ambiguidades, oscilações de governança e o risco de se tornar refém de vaidades diplomáticas ou de agendas nacionais pouco alinhadas com a lógica da transparência.
Se, nos primeiros anos, o mecanismo contava com aportes maciços, por exemplo, segundo dados oficiais, em 2023 foram aprovados R$ 1,3 bilhão em projetos e chamadas públicas, com doações contratadas de R$ 726,4 milhões oriundas da Suíça, EUA, Reino Unido e Alemanha. No entanto, o salto numérico não apaga a questão de fundo: o que determina confiança, se não apenas cifras, mas mecanismos robustos de controle, participação e cumprimento de metas mensuráveis?
Para muitos no campo da cooperação internacional, o Fundo funcionava como uma promessa, esta promessa de que a floresta, longe de ser tragada pela silenciosa engrenagem da degradação, seria preservada com respaldo financeiro externo, enquanto as comunidades amazônicas se emancipavam economicamente. Conforme consta, o Fundo é estruturado para apoiar não apenas o combate direto ao desmatamento, mas também o ordenamento territorial, regularização fundiária, manejo florestal sustentável, a conservação da biodiversidade e a recuperação de áreas degradadas. Todavia, a fratura entre o discurso e a prática começa a emergir quando a “cooperativa mundial” se depara com a fotofinish de um governo nacional que, no regime do controle da informação, ainda respira contradições entre crescimento e preservação.
A deserção da confiança internacional, ou ao menos a hesitação de grandes doadores, encontra raízes em casos e momentos emblemáticos, por exemplo, quando o fundo permaneceu praticamente inativo entre 2019 e 2022, período no qual quase não foram aprovadas novas iniciativas ou efetivados aportes, o que minou expectativas e acumulou desconfiança.
Do ponto de vista político, esse hiato é interpretado por alguns analistas como sinal de que, ao entrar em cena a soberania econômica e a retórica de autonomia nacional, a floresta passou a servir também como objeto de disputa interna, e não somente como bem comum global. Quando a “moral do meio ambiente” se transforma em “moral nacional”, o fundo perde parte de sua aura de neutralidade, o que afasta aqueles que desejavam atuar como parceiros externos, mas não como testemunhas de uma guinada ideológica.
Adicionalmente, o fluxo financeiro, embora quantitativamente relevante, revela uma face menos glamorosa: até junho de 2025, por exemplo, o estado do Acre havia acumulado R$ 260,8 milhões em recursos aprovados pelo Fundo, sendo R$ 155 milhões apenas entre 2023 e meados de 2025, cifra superior à totalidade dos contratos celebrados entre 2010 e 2018.
Tal dado provoca reflexão: mais importante do que somas milionárias é saber se esses recursos atravessam a camada da burocracia, da intermediação estatal ou privada, e alcançam a base social cuja vida depende da floresta em pé, e se, no espectro silenciado da informação pública, há mecanismos reais de prestação de contas, participação comunitária e monitoramento independente. O risco é que o Fundo Amazônia se transforme em instrumento mais de legitimação do que de transformação. A cooperação internacional exige clareza: quantos hectares de floresta foram preservados? Quantas toneladas de carbono deixaram de ser emitidas? Quantas vidas de ribeirinhos, indígenas e povos tradicionais foram impactadas positivamente?
No site oficial do fundo, encontra-se uma promessa de que tais resultados seriam aferidos no documento “Documento de Projeto do Fundo Amazônia”. Mas quando o ambiente das liberdades informativas se estreita, a transparência perde densidade, e o que parecia mecanismo de vigilância global se torna caixa preta.
Uma pergunta paira como nuvem carregada sobre a floresta e a política global: se dezenas de bilhões de dólares – ou neste caso, reais bilionários – poderiam vir de múltiplos pontos do planeta para apoiar a conservação, por que então a confiança externalizada vacila? A resposta reside não apenas em cenários de risco ou de governança local, mas no fato de que o compromisso internacional, para se manter eficaz, exige mais do que contratos e promessas: exige continuidade institucional, diálogo aberto, fiscalização independente e resultados visíveis.





👏👏👏👏👏👏👏👏👏👏👏👏
ResponderExcluir