Silvio Moraes, ciclista
Proposta da Secretaria de Gestão do Território e Habitação pretende disponibilizar bicicletas compartilhadas nas estações de metrô e adaptar as vias para que ciclistas, pedestres e motoristas convivam em harmonia. Águas Claras será a primeira região atendida
Cidade ciclável. Você conhece esse termo? Muitos países desenvolvidos já adotam o modelo há anos. Nesses locais, ciclistas, carros e pedestres dividem o espaço urbano em harmonia. Desde março, a Secretaria de Estado de Gestão do Território e Habitação (Segeth) desenvolve um projeto que busca colocar Brasília nessa lista de cidades que garantem a mobilidade aos habitantes. A proposta é disponibilizar bicicletas compartilhadas em estações de metrô, construir ciclofaixas e melhorar a estrutura de ruas e calçadas. Águas Claras será a primeira região atendida e a intenção é expandir o projeto a outras cinco.
“Não existem ciclovias, nem malhas
cicloviárias em todos os locais (do DF). Nós queremos uma cidade ciclável.
Então, criamos um conjunto de medidas para tornar a bicicleta um meio de
transporte aceito na cidade”, explica a diretora de Mobilidade da secretaria,
Anamaria de Aragão. O projeto teve início a partir de uma avaliação da
secretaria sobre o funcionamento do transporte de massa na cidade e a equipe
escolheu o metrô para começar o trabalho. Durante a análise, foi feito um
cálculo de quantos minutos de caminhada as pessoas gastavam até os polos
geradores de viagens no entorno das estações —universidades, shoppings,
escolas, entre outros em que o trajeto leva de 5 a 15 minutos.
A partir dessa análise, a Segeth,
em parceria com o Metrô-DF, pretende desenvolver um programa de bicicletas
compartilhadas. O objetivo é que as bikes — que serão colocadas nos metrôs e
nos polos geradores de viagem — complementem o deslocamento dos usuários,
cobrando a mesma tarifa. Em Águas Claras, onde será implantada a primeira fase
do projeto, moram 160 mil habitantes. De acordo com o Metrô-DF, está sendo
elaborado um plano para instalação de paraciclos e bicicletas compartilhadas em
uma rede cicloviária partindo das estações do metrô nas cidades de Águas
Claras, Samambaia, Ceilândia e Guará — que já possuem redes cicloviárias
instaladas. No entanto, ainda não há data nem previsão dos custos para a
concretização do projeto.
Mesmo assim, muitos moradores já
estão empolgados com a ideia. O estudante Leonardo Gomes, 19 anos, só anda de
bicicleta pela cidade, mas, quando vai estudar ou trabalhar, o jeito é pegar o
metrô, e não dá para levar a bike. “Com certeza eu utilizaria esse serviço. Ele
facilitaria a vida de muita gente. É bem mais rápido do que ir andando. Seria
muito bom”, avalia o estudante.
Segurança
Para que o sistema dê certo, é necessário infraestrutura e maior
segurança nas ruas. O Correio acompanhou o ciclista Silvio Moraes, 31 anos,
servidor público e voluntário na Organização não Governamental Rodas da Paz, em
um caminho entre a estação de metrô Águas Claras e um centro universitário, um
dos polos geradores de viagem. Ele também fez o trajeto de um centro comercial
até a estação Concessionárias. Os dois trechos duraram menos de cinco minutos,
mas não foi fácil percorrê-los. “Não tem espaço para o ciclista. Isso acaba
gerando muitos momentos de insegurança em que tive que andar no meio dos carros
ou subir na calçada, ameaçando até a segurança dos pedestres”, lamentou.
Nesse primeiro momento,
acompanhando a reestruturação asfáltica da região, realizada pela Novacap, o
projeto elaborado pela secretaria pretende implantar as ciclofaixas nas
avenidas Araucárias e Castanheiras, as principais da região (veja o quadro).
A estudante de design de
interiores da Uniplan Aline Oliveira Torres, 24 anos, apoia as ciclofaixas, mas
alerta para outro problema: as calçadas. “Não tem ciclovias, mal tem calçadas e
a gente tem que andar de bicicleta se arriscando no meio dos carros. Há algumas
calçadas em que, para passar por elas, temos que andar por cima de barro, no
meio do mato. É ruim tanto para os pedestres como para os ciclistas”, relata.
A Segeth garantiu que as calçadas
serão reformadas nas áreas identificadas pelo estudo como prioritárias. “A
intenção é que a pessoa deixe o carro e se desloque a pé ou de bicicleta.
Então, estamos fazendo um trabalho conjugado de criação dessas ciclofaixas com
a recuperação das calçadas”, informa Anamaria de Aragão.
Orçamento
O custo adicional, de acordo com a
Segeth, é muito baixo. Em vez de a pintura ser feita apenas em três faixas,
também incluirá a ciclofaixa. “Fora isso, só haverá o custo da tinta vermelha
para a sinalização e dos tachões. São três quilômetros e meio de ciclofaixa e
serão colocados 1.600 taxões, cada um a um custo de R$ 40, ou seja, (um total
de) R$ 64 mil. Se fôssemos fazer tudo de concreto e realizássemos a demolição,
sairia muito mais caro. Em uma época de crise, temos que adotar alternativas
criativas para a população”, conclui.
A Novacap começou a recuperação asfáltica
em Águas Claras em julho. A previsão de término, segundo o órgão, é dezembro
deste ano. As equipes trabalham, agora, no trecho de Castanheiras. O custo
total é de R$ 5 milhões. A Administração Regional de Águas Claras informou que
o trabalho é desenvolvido em conjunto com vários órgãos do governo e que as
ciclofaixas têm o apoio da administração porque fazem parte do projeto de
mobilidade pretendido para a cidade.
Palavra de especialista - Tendência mundial
“O automóvel deixou de oferecer
fascínio a boa parte da população, principalmente aos jovens. O carro ocupa
muito espaço, então, de certa forma, o uso das bicicletas é uma nova cultura de
convivência para resgatar os espaços públicos, não apenas uma mudança no meio
de transporte. Existem, inclusive, processos de conscientização de problemas
ambientais e as pessoas começam a rediscutir hábitos e costumes conscientes, ou
seja, é um processo de transformação cultural. Os governos sensíveis estão
mudando paradigmas de políticas de mobilidade e esse processo de mudança tem
que ser compreendido. A bicicleta permite um contato maior com as pessoas,
viver com a cidade de forma mais intensa. No carro, em si, você não consegue
viver a cidade, você fica mais fechado. É uma onda mundial de realmente se
preocupar. Não se limita apenas à bicicleta, é toda uma luta de recuperação dos
espaços urbanos. As pessoas estão cansadas de viver isoladas. É algo positivo,
uma revolução cultural, o governo está seguindo a tendência.”
(Joaquim Aragão, doutor em
políticas de transporte e professor da UnB)
Promoverá maior conscientização dos motoristas ao
longo do tempo. Muitos, hoje, não enxergam esse grande fluxo de ciclistas na
cidade. Espero que, daqui a algum tempo, a população do DF como um todo possa
se orgulhar de a cidade ser cicloviária e respeitar os ciclistas”
Mais opções de trajetos
Além das ciclofaixas, novos projetos devem ser
implantados na cidade. É o caso das calçadas compartilhadas, das Zonas 30 e das
ciclovias. Nas calçadas compartilhadas, como será o caso da Avenida Parque
Águas Claras, pedestres e bicicletas usarão o mesmo espaço. Já nas Zonas 30,
nas ruas internas que ligam, por exemplo, as boulevards e a Avenida Araucárias,
carros e bicicletas compartilharão o trecho e a via deve ter velocidade menor
que 40km/h.
A diretora da Secretaria de Mobilidade, Anamaria de Aragão, afirma que o
projeto já está na terceira versão e depende, agora, da aprovação do
Departamento de Trânsito do Distrito Federal (Detran-DF). De acordo com o
Núcleo de Projetos do Detran-DF, a proposta encontra-se em revisão. Não havendo
correções a serem realizadas, será encaminhada para execução.
O ciclista Silvio Moraes concorda
que não são apenas as ciclofaixas que mudarão a realidade, mas, sim, todo o
projeto em execução. “Águas Claras, em um pré-levantamento da ONG Rodas da Paz,
é uma das regiões administrativas com maior fluxo de ciclistas do DF. Isso se
dá por vários motivos. Principalmente, porque tem um fluxo muito grande de
trabalhadores da construção civil”, observa. “Criar uma estrutura cicloviária
na cidade, além de trazer mais segurança, promoverá maior conscientização dos
motoristas ao longo do tempo. Muitos, hoje, não enxergam esse grande fluxo de
ciclistas na cidade. Espero que, daqui a algum tempo, a população do DF como um
todo possa se orgulhar de a cidade ser cicloviária e respeitar os ciclistas”,
concluiu.
Anamaria de Aragão garante que,
uma vez consolidada uma pequena malha cicloviária em Águas Claras, o governo
terá condições de partir com o projeto para outras cidades. A Segeth
pretende levar a proposta a Samambaia, Taguatinga, Ceilândia, Guará e Plano
Piloto. Um mapeamento inicial dessas regiões já foi feito. As avenidas
Comercial e Samdu de Taguatinga, por exemplo, contarão com ciclovias. Já as
QNJs de Ceilândia terão ruas compartilhadas.
Fonte: Caroline Pompeu – Correio Braziliense – Foto: Paula Rafiza/Esp./CB/D.A.Press