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BRASÍLIA: "TOMBAMENTO, IPHAN E GDF DIVERGEM, COLOCAM EM XEQUE PROJETOS"




Iphan e GDF divergem sobre tombamento de Brasília e colocam em xeque projetos importantes

Sabe aquelas polêmicas agulhinhas pelas quais se entra e sai das superquadras diretamente para o Eixão? Todas podem ser proibidas e desfeitas. O Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) se prepara para recorrer da decisão judicial que permitiu sua construção, realizada pela Secretaria de Obras. Trata-se de um dos vários capítulos de uma dura queda de braço travada entre o órgão federal que fiscaliza as regras do tombamento de Brasília e o Governo do Distrito Federal (GDF). Com as obras de mobilidade urbana para a Copa de 2014, esse sempre tempestuoso embate promete ganhar novos rounds.

Na disputa das agulhinhas, por exemplo, sobram espetadas de ambos os lados. O GDF acusa o Iphan de dar pitaco em coisas que não seriam de sua alçada e de abusar do poder de dizer “sim” ou “não” para esta ou aquela obra. Ao justificar a proibição, a presidente do Iphan, Jurema Machado, argumenta que o acesso das superquadras diretamente ao Eixão compromete o trânsito na via expressa por onde passam 60 000 carros por dia, com velocidade máxima de 80 quilômetros por hora. Para o secretário de Obras do DF, David José Matos, o Iphan não deveria “se meter” em questões técnicas de trânsito, já que em seu quadro predominam arquitetos.

As agulhinhas só saíram do papel porque o GDF convenceu a Justiça de que elas foram previstas no projeto original de Lucio Costa para a cidade. Nesse processo, um desenho supostamente original, com as tais curvas de acesso íngreme, foi apresentado como prova. Do lado do Iphan, a argumentação é de que esse croqui não contém os traços originais do urbanista. No meio da polêmica, a filha de Lucio Costa, Maria Elisa Costa, arquiteta que administra o legado do pai, afirma que as agulhinhas, de fato, não constam do projeto executivo feito entre 1957 e 1960. “A sensação que eu tenho é de que eles dão importância maior a coisas menores, para que as pessoas não percebam as intervenções efetivamente negativas”, diz Maria Elisa.


Nesse confronto entre as duas esferas de governo, há outras farpas expostas. O diretor-geral do Departamento de Estradas de Rodagem (DER), Fauzi Nacfur Junior, anda insatisfeito com a austeridade adotada pelo Iphan ao avaliar a obra do viaduto que está sendo construído numa das entradas da cidade. Para dar fluidez ao trânsito, quem seguir da Asa Sul rumo ao aeroporto passará por um túnel, numa linha reta. Já aqueles que estiverem transitando entre o Park Way e o Lago Sul atravessarão o ponto por cima. Antes, esse entroncamento era disciplinado por uma rotatória conhecida como Balão do Aeroporto, que já foi removido para a escavação da passagem subterrânea. Apesar de ter perdido a função, o balão terá de ser reposto pelo GDF por uma exigência do Iphan. Na avaliação do órgão federal, trata-se de um elemento tombado. “O balão estará lá, mas somente para fins estéticos, pois servirá até de barreira para o trânsito”, ressalta Fauzi Júnior. Só para reconstruir a rotatória tombada serão gastos 14,4 milhões de reais, o correspondente a 30% do custo total da obra viária.

Com a marca de 112 quilômetros quadrados, Brasília detém o título de maior área tombada do mundo, segundo a Unesco. Ostentar a condição de Patrimônio Cultural da Humanidade, desde 1987, só amplifica as polêmicas entre ações para o desenvolvimento da capital e esforços pela preservação de suas linhas iniciais. Para Jurema Machado, por trás do excesso de rigor do Iphan em aprovar projetos na cidade está o combate ao desejo obsessivo de descaracterizar o desenho original do Plano Piloto, praticado principalmente pelo mercado imobiliário. Por causa de problemas com puxadinhos na Asa Sul e com as obras para a Copa, no ano passado, uma missão da Unesco ameaçou até retirar da cidade o título que a população tanto venera. “Já recebemos propostas de construção de prédios de até trinta andares em Brasília, o que comprometeria a visão do horizonte que marca a nossa cidade”, destaca. “Aqui em Brasília, até o horizonte é tombado”, diz o secretário de Obras.

Quando a briga entre o GDF e o Iphan vai parar na Justiça, como ocorreu com o caso das agulhinhas, uma equipe de cinco procuradores especializados em patrimônio urbanístico entra em ação. Até por lá sobram críticas ao órgão federal. “Existe por parte do Iphan um rigor excessivo tocante ao acompanhamento de intervenções do GDF em área tombada”, assegura o procurador-geral do DF, Marcelo Augusto Castello Branco. Segundo ele, é possível desenvolver a cidade e, ao mesmo tempo, preservar o título mundial concedido pela Unesco. “Mas não podemos esquecer que Brasília precisa ser humanizada”, pondera.

Ex-superintendente do Iphan em Brasília, o arquiteto Alfredo Gastal diz que a subjetividade dos profissionais do órgão que comandou por oito anos é o maior problema na hora de aprovar os projetos. Ele próprio autorizou a construção das agulhinhas, mas o seu sucessor, José Leme Galvão, decidiu que elas ferem o tombamento. “Se o Iphan continuar com toda essa intransigência, Brasília será uma cidade mumificada”, acredita. A própria filha do urbanista que desenhou a “cidade-museu” alerta para essa falta de critérios mais definidos. “Às vezes, o Iphan mostra excesso de zelo em coisas menos relevantes”, diz Maria Elisa Costa. “Nós temos nos esforçado ao máximo para reduzir a subjetividade dos pareceres, fazendo normas técnicas. Mas isso não diminuirá o embate entre o Iphan e o GDF, porque a discussão sobre tombamento é universal”, afirma Jurema Machado.

Todos que defendem o tombamento citam o sonho utópico de Lucio Costa em ter uma metrópole livre e única. No entanto, quando veio aqui em 1985, ou seja, 25 anos depois da inauguração, o arquiteto que a inventou escreveu uma carta ao então governador José Aparecido de Oliveira. Nela, revela o seu espanto ao ver como a sua obra havia crescido. Ele diz no documento, intitulado Brasília Revisitada, que a capital vivia naquela época um momento crucial. E que o maior desafio dos governantes seria justamente conciliar a proposta original do Plano Piloto com o impulso vital típico de uma cidade jovem. No papel, Costa fez ponderações tão atuais que, hoje, tem-se a impressão de que o texto é muito recente. “Não podemos perder de vista a proposta original, mas temos de estar imbuídos de lucidez e sensibilidade no trato dos problemas urbanos. Até porque coisas maiores e coisas menores têm importância análoga.” Em outro ponto da carta, ele ressalta que “enfrentar inúmeros problemas do dia a dia requer disposição, firmeza e flexibilidade. É tanto saber dizer ‘não’ como dizer ‘sim’ na busca contínua da resposta adequada”. Os habitantes da capital só esperam que Iphan e GDF acertem mais do que errem no trato das questões que definirão o futuro de Brasília. 
(Ullisses Campbell)

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