Um mês depois do assassinato de Leonardo em Águas Claras, Ana Cleide Almeida sofre com a saudade do único filho, ainda se sente refém da violência e critica o oportunismo de políticos. Somente no último domingo, teve coragem de voltar ao apartamento onde os dois moravam.
"Só teve discurso. Não estamos precisando de politicagem, mas de políticas públicas. O processo do meu filho está exatamente como começou. Os adolescentes logo, logo sairão da cadeia, e ainda tem um foragido (maior de 18 anos). Sinto como se fosse um descaso muito grande" Ana Cleide Almeida, 55 anos, esteticista, mãe de Leonardo Monteiro.
Por: Mara Puljiz - Correio Braziliense - 27/02
Mãe e filho na praia: a foto, estampada em uma rede social, é a que mais emociona Ana Cleide. Leonardo cresceu e se tornou um apaixonado por esportes, como o basquete.
Há quatro dias, ela sentiu o cheiro do perfume do único filho. O aroma estava em uma camisa jogada em cima da cama. O coração quase não aguentou de tanta saudade. Há quase um mês, a esteticista Ana Cleide Almeida, 55 anos, convive com a dor provocada pela morte brutal de Leonardo Monteiro, 29 anos. O rapaz foi covardemente assassinado em 29 de janeiro durante um assalto frustrado, ocorrido em Águas Claras. No último domingo, foi a primeira vez que a mãe voltou ao apartamento onde morava com Leonardo. Desde o crime, Ana dorme na casa de parentes.
A esteticista esteve no local apenas para pegar documentos e resolver questões burocráticas relacionadas a cartões de crédito e pendências no INSS. Olhar para o espaço vazio deu-lhe um nó na garganta e ela desabou em lágrimas. As lembranças do filho ainda estão muito fortes. Ana recebeu o Correio, na tarde de ontem, na escolinha de idiomas da irmã em Taguatinga, assaltada este mês. Exibiu mensagens trocadas com Leonardo, que se mostrava preocupado em levá-la ao dentista e com a recuperação de uma cirurgia. Queria saber se a mãe estava bem e vice-versa.
Ana é uma mãe orgulhosa do filho estudioso e atleta. O crime ocorreu no momento em que ele chegava em casa para vestir uma camisa que usaria em um jogo de basquete. A esteticista também guarda fotos do último Natal em família, armazenadas no celular. Por ironia do destino, Ana o tirou no sorteio do amigo-oculto.
Mas uma imagem é especial para Ana e está postada com destaque na página de uma rede social. Nela, o jovem administrador de empresas, então com nove meses de idade, brinca com a mãe na areia da praia. “Parece que foi ontem. Nunca esqueço. Essa foto sempre me emociona”, disse. “Hoje, eu me sinto grávida de novo, o sinto dentro de mim. Daria minha vida por ele, para o meu filho viver mais 25 anos”, acrescentou, tentando segurar o choro.
“Preciso ser forte”
Todos os dias, quando Ana acorda, o que mais ela sente falta é do carinho do jovem. “Ele nunca deixou de dar bom-dia. Sinto muita falta disso. Mas meu filho era uma pessoa alegre e eu preciso ser forte. A gente pode sofrer, mas não pode viver sofrendo”, ensina. Ana Cleide ainda voltou a fazer faculdade de estética há dois dias. Mas não foi fácil retomar a vida. “A realidade veio de forma diferente para mim porque eu tinha o costume de ligar umas 10 vezes por dia para o Leonardo perguntando como ele estava. A comunicação era muito frequente. E ontem (anteontem), fui à faculdade e fiquei triste por não poder mais fazer isso”, revelou.
Um dos desejos de Ana é saber se as córneas de Leonardo foram doadas e quem foi o receptor. “Foi uma decisão tão difícil de doar os órgãos, que tenho direito de saber se elas foram utilizadas. Ninguém nos procurou para informar isso”, comentou. O trauma da perda fez com que Ana precisasse buscar tratamento particular com psicólogo e psiquiatra. “Às vezes, quando eu vou falar alguma coisa, as palavras fogem, mas o que me faz controlar a situação é esse apoio da família e do acompanhamento psicológico”, contou. O sonho da mulher era ganhar um neto. “Dizia para a namorada dele (Rose Fidelis) que queria ser avó dos filhos dela com o meu filho. Ela é como uma filha para mim”, disse.
Leonardo morreu em meio à operação tartaruga, deflagrada por policiais militares em outubro do ano passado. O jovem que gostava de futebol e basquete recebeu um tiro no pescoço disparado por um adolescente (leia Memória). Na mesma semana da tragédia, a história ganhou repercussão nacional e, em ano eleitoral, de repente, Ana Cleide se viu rodeada por políticos.
Na ocasião da morte do filho, a mulher de olhar sereno e voz firme participou de eventos no Congresso Nacional e na Câmara Legislativa. Mas, passada a fase de comoção, os únicos que lhe dão apoio são os amigos e familiares. “Achei aquelas audiências públicas a maior hipocrisia. Falam para tentar comover, mas não disseram uma palavra sincera. Usaram a tragédia como trampolim para crescerem por causa das eleições”, ressaltou o empresário Bruno Chater, 26 anos, um dos melhores amigos da vítima.
Crise
Com a crise instalada no DF, policiais militares conseguiram um reajuste escalonado de 22%, e 10 deles acabaram presos pela corregedoria da corporação por transgressões disciplinares durante o movimento deflagrado para atrasar ocorrências e espalhar o medo pela capital do país. Com a prisão dos militares, a Mesa Diretora da Câmara Legislativa se apressou para pedir a solução da situação considerada “constrangedora” e de “fragilidade emocional”. E mais: pediu urgência para isso.
A mesma urgência não tem sido dada à família de Ana Cleide. Até hoje, ela nunca recebeu uma visita de parlamentares ligados aos direitos humanos ou mesmo uma resposta de como tem avançado o inquérito para prender Paulo Henrique Rocha, um dos suspeitos de participar do latrocínio e que encontra-se foragido — a polícia confirmou que ele ainda não foi localizado. Amanhã, completa um mês da morte de Leonardo. A dor, a saudade, a sensação de impunidade e a vontade de lutar se confundem para Ana Cleide.
“Só teve discurso. Não estamos precisando de politicagem, mas de políticas públicas. O processo do meu filho está exatamente como começou. Os adolescentes logo, logo sairão da cadeia, e ainda tem um foragido (maior de 18 anos). Sinto como se fosse um descaso muito grande”, reclamou. “Eu quero viver para ver uma mudança na legislação brasileira, pela qual um adolescente que cometeu um crime pague por ele”, emendou a tia da vítima, Tânia Maria de Almeida.
A sensação de insegurança também não mudou, segundo Ana Cleide. Usuários de drogas ocupam um terreno ao lado do apartamento onde a vítima morava, na Rua 34. A tia de Leonardo também foi alvo de criminosos. No último dia 12, uma quadrilha tentou roubar a escola de idiomas e informática de Tânia, em Taguatinga. Os bandidos derrubaram a grade dando marcha a ré no carro, mas foram embora sem levar nada ao se assustarem com o alarme. “A insegurança é a mesma. Não mudou nada. Está pior”, criticou Tânia. Enquanto isso, a PM ameaça voltar com a operação legalidade no carnaval.
Memória: Atacado na porta de casa
O administrador de empresas Leonardo Almeida, 29 anos, foi assassinado com um tiro no pescoço, por volta das 22h30 de 29 de janeiro. Ele chegava em casa, em Águas Claras. O jovem tinha acabado de estacionar o carro em frente ao edifício onde morava com a mãe, Ana Cleide. Uma equipe do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) tentou reanimar a vítima, mas Leonardo não resistiu ao ferimento. As imagens de câmeras de segurança de um prédio próximo mostraram um carro estacionado e os suspeitos andando nas redondezas do edifício. Ficaram no local à procura de uma vítima por cerca de uma hora. Em um momento do vídeo, percebe-se que um dos criminosos esconde algo embaixo da roupa, a suposta arma usada no crime. A Polícia Civil apreendeu dois menores suspeitos de envolvimento no assassinato do jovem. O terceiro acusado, maior de idade, no entanto, segue foragido.
"Só teve discurso. Não estamos precisando de politicagem, mas de políticas públicas. O processo do meu filho está exatamente como começou. Os adolescentes logo, logo sairão da cadeia, e ainda tem um foragido (maior de 18 anos). Sinto como se fosse um descaso muito grande" Ana Cleide Almeida, 55 anos, esteticista, mãe de Leonardo Monteiro.
Por: Mara Puljiz - Correio Braziliense - 27/02
Mãe e filho na praia: a foto, estampada em uma rede social, é a que mais emociona Ana Cleide. Leonardo cresceu e se tornou um apaixonado por esportes, como o basquete.
Há quatro dias, ela sentiu o cheiro do perfume do único filho. O aroma estava em uma camisa jogada em cima da cama. O coração quase não aguentou de tanta saudade. Há quase um mês, a esteticista Ana Cleide Almeida, 55 anos, convive com a dor provocada pela morte brutal de Leonardo Monteiro, 29 anos. O rapaz foi covardemente assassinado em 29 de janeiro durante um assalto frustrado, ocorrido em Águas Claras. No último domingo, foi a primeira vez que a mãe voltou ao apartamento onde morava com Leonardo. Desde o crime, Ana dorme na casa de parentes.
A esteticista esteve no local apenas para pegar documentos e resolver questões burocráticas relacionadas a cartões de crédito e pendências no INSS. Olhar para o espaço vazio deu-lhe um nó na garganta e ela desabou em lágrimas. As lembranças do filho ainda estão muito fortes. Ana recebeu o Correio, na tarde de ontem, na escolinha de idiomas da irmã em Taguatinga, assaltada este mês. Exibiu mensagens trocadas com Leonardo, que se mostrava preocupado em levá-la ao dentista e com a recuperação de uma cirurgia. Queria saber se a mãe estava bem e vice-versa.
Ana é uma mãe orgulhosa do filho estudioso e atleta. O crime ocorreu no momento em que ele chegava em casa para vestir uma camisa que usaria em um jogo de basquete. A esteticista também guarda fotos do último Natal em família, armazenadas no celular. Por ironia do destino, Ana o tirou no sorteio do amigo-oculto.
Mas uma imagem é especial para Ana e está postada com destaque na página de uma rede social. Nela, o jovem administrador de empresas, então com nove meses de idade, brinca com a mãe na areia da praia. “Parece que foi ontem. Nunca esqueço. Essa foto sempre me emociona”, disse. “Hoje, eu me sinto grávida de novo, o sinto dentro de mim. Daria minha vida por ele, para o meu filho viver mais 25 anos”, acrescentou, tentando segurar o choro.
“Preciso ser forte”
Todos os dias, quando Ana acorda, o que mais ela sente falta é do carinho do jovem. “Ele nunca deixou de dar bom-dia. Sinto muita falta disso. Mas meu filho era uma pessoa alegre e eu preciso ser forte. A gente pode sofrer, mas não pode viver sofrendo”, ensina. Ana Cleide ainda voltou a fazer faculdade de estética há dois dias. Mas não foi fácil retomar a vida. “A realidade veio de forma diferente para mim porque eu tinha o costume de ligar umas 10 vezes por dia para o Leonardo perguntando como ele estava. A comunicação era muito frequente. E ontem (anteontem), fui à faculdade e fiquei triste por não poder mais fazer isso”, revelou.
Um dos desejos de Ana é saber se as córneas de Leonardo foram doadas e quem foi o receptor. “Foi uma decisão tão difícil de doar os órgãos, que tenho direito de saber se elas foram utilizadas. Ninguém nos procurou para informar isso”, comentou. O trauma da perda fez com que Ana precisasse buscar tratamento particular com psicólogo e psiquiatra. “Às vezes, quando eu vou falar alguma coisa, as palavras fogem, mas o que me faz controlar a situação é esse apoio da família e do acompanhamento psicológico”, contou. O sonho da mulher era ganhar um neto. “Dizia para a namorada dele (Rose Fidelis) que queria ser avó dos filhos dela com o meu filho. Ela é como uma filha para mim”, disse.
Leonardo morreu em meio à operação tartaruga, deflagrada por policiais militares em outubro do ano passado. O jovem que gostava de futebol e basquete recebeu um tiro no pescoço disparado por um adolescente (leia Memória). Na mesma semana da tragédia, a história ganhou repercussão nacional e, em ano eleitoral, de repente, Ana Cleide se viu rodeada por políticos.
Na ocasião da morte do filho, a mulher de olhar sereno e voz firme participou de eventos no Congresso Nacional e na Câmara Legislativa. Mas, passada a fase de comoção, os únicos que lhe dão apoio são os amigos e familiares. “Achei aquelas audiências públicas a maior hipocrisia. Falam para tentar comover, mas não disseram uma palavra sincera. Usaram a tragédia como trampolim para crescerem por causa das eleições”, ressaltou o empresário Bruno Chater, 26 anos, um dos melhores amigos da vítima.
Crise
Com a crise instalada no DF, policiais militares conseguiram um reajuste escalonado de 22%, e 10 deles acabaram presos pela corregedoria da corporação por transgressões disciplinares durante o movimento deflagrado para atrasar ocorrências e espalhar o medo pela capital do país. Com a prisão dos militares, a Mesa Diretora da Câmara Legislativa se apressou para pedir a solução da situação considerada “constrangedora” e de “fragilidade emocional”. E mais: pediu urgência para isso.
A mesma urgência não tem sido dada à família de Ana Cleide. Até hoje, ela nunca recebeu uma visita de parlamentares ligados aos direitos humanos ou mesmo uma resposta de como tem avançado o inquérito para prender Paulo Henrique Rocha, um dos suspeitos de participar do latrocínio e que encontra-se foragido — a polícia confirmou que ele ainda não foi localizado. Amanhã, completa um mês da morte de Leonardo. A dor, a saudade, a sensação de impunidade e a vontade de lutar se confundem para Ana Cleide.
“Só teve discurso. Não estamos precisando de politicagem, mas de políticas públicas. O processo do meu filho está exatamente como começou. Os adolescentes logo, logo sairão da cadeia, e ainda tem um foragido (maior de 18 anos). Sinto como se fosse um descaso muito grande”, reclamou. “Eu quero viver para ver uma mudança na legislação brasileira, pela qual um adolescente que cometeu um crime pague por ele”, emendou a tia da vítima, Tânia Maria de Almeida.
A sensação de insegurança também não mudou, segundo Ana Cleide. Usuários de drogas ocupam um terreno ao lado do apartamento onde a vítima morava, na Rua 34. A tia de Leonardo também foi alvo de criminosos. No último dia 12, uma quadrilha tentou roubar a escola de idiomas e informática de Tânia, em Taguatinga. Os bandidos derrubaram a grade dando marcha a ré no carro, mas foram embora sem levar nada ao se assustarem com o alarme. “A insegurança é a mesma. Não mudou nada. Está pior”, criticou Tânia. Enquanto isso, a PM ameaça voltar com a operação legalidade no carnaval.
Memória: Atacado na porta de casa
O administrador de empresas Leonardo Almeida, 29 anos, foi assassinado com um tiro no pescoço, por volta das 22h30 de 29 de janeiro. Ele chegava em casa, em Águas Claras. O jovem tinha acabado de estacionar o carro em frente ao edifício onde morava com a mãe, Ana Cleide. Uma equipe do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) tentou reanimar a vítima, mas Leonardo não resistiu ao ferimento. As imagens de câmeras de segurança de um prédio próximo mostraram um carro estacionado e os suspeitos andando nas redondezas do edifício. Ficaram no local à procura de uma vítima por cerca de uma hora. Em um momento do vídeo, percebe-se que um dos criminosos esconde algo embaixo da roupa, a suposta arma usada no crime. A Polícia Civil apreendeu dois menores suspeitos de envolvimento no assassinato do jovem. O terceiro acusado, maior de idade, no entanto, segue foragido.