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TRÂNSITO: RACHA VAI DOER NO BOLSO DO MOTORISTA

Proposta aprovada pelo Congresso Nacional aumenta de R$ 574,62 para R$ 1.915 a multa a ser paga por quem é flagrado apostando corrida nas pistas. Segundo especialistas, a medida pode evitar mortes nas vias do país.

"Você acha que multa de R$ 2 mil preocupa gente de colarinho branco? Eu sou um cara esclarecido. Minha mulher e um filho meu são advogados, e a Justiça não funciona para nós. Imagina para quem não tem conhecimento nenhum do funcionamento das leis" Francisco Teixeira, aposentado, 66 anos, pai de Gutão, morto por um motorista acusado de racha.

Os motoristas que disputarem racha no trânsito podem ter de desembolsar multa pesada. Pelo menos é o que estabelece projeto de lei aprovado esta semana pelo Congresso Nacional. Quem aposta corrida em via pública pode ter de pagar três vezes mais do que é previsto atualmente no Código de Trânsito Brasileiro — em vez de R$ 574,62, o montante passa para R$ 1.915,40. Esse valor pode dobrar, em caso de reincidência, e chegar a R$ 3,8 mil.

A multa para os responsáveis por racha é a mesma para quem dirige após ingerir bebida alcoólica. O condutor ainda tem a Carteira de Habilitação suspensa e o veículo é apreendido. Há, ainda, um aumento no rigor para quem atropela e mata apostando corrida nas ruas — a pena pode chegar a 10 anos de reclusão (leia quadro). 

O relator do projeto, deputado federal Hugo Leal (PSC/RJ), afirma serem muito brandas as consequências para quem comete infrações e chega a matar no trânsito. “Esse projeto criminaliza o racha. É um passo para criar uma cultura comprometida com a vida. Não dá para perder 45 mil pessoas por ano no trânsito e achar que é acidente”, diz.

Favorável à mudança na lei, o professor de direito constitucional do Centro Universitário de Brasília (UniCeub) Rafael Freitas Machado compara uma “situação ideal” com o que se vive hoje no Brasil. Para o especialista, o correto seria haver conscientização da população. “Infelizmente, a sociedade brasileira não é madura o bastante, é apegada às leis. O cidadão do nosso país precisa sentir no bolso e na pele as consequências. Sou adepto do projeto — bater racha e ultrapassagem perigosa matam muito”, diz o advogado. Mas ele lembra que a simples existência da lei, que precisa ser sancionada pela presidente Dilma Rousseff, não trará mudanças. “É fundamental haver fiscalização, tanto em âmbito administrativo, quanto por quem julga”, alerta Machado.

Reclusão
O autor do projeto, deputado Beto Albuquerque (PSB/RS), destaca a presença da palavra “reclusão” no texto aprovado, em casos de mortes cometidas por motoristas que estejam alcoolizados ou sob efeito de outras drogas. “É a primeira vez que colocamos a possibilidade de regime fechado dentro do Código de Trânsito Brasileiro”, afirma o parlamentar.

Na avaliação de Rodrigo de Magalhães Rosa, da 2ª Promotoria de Justiça de Delitos de Trânsito do DF, o principal avanço das mudanças é o aumento das multas. “Do ponto de vista preventivo, isso é o mais importante, desde que haja fiscalização, evidentemente. Porque, quando o Judiciário atua, o acidente já aconteceu e as vidas já foram perdidas”, ressalta o promotor. 

Para Rodrigo de Magalhães Rosa, a alteração para quem mata após dirigir alcoolizado não muda nada na prática. “Eles (deputados e senadores) mantiveram a pena de prisão (2 a 4 anos). E ninguém fica preso quando a punição é de até 4 anos de prisão. A pena é convertida em restritiva de direito”, explica. Quanto ao aumento da punição para quem pratica racha, o promotor avalia como positivo. “A pessoa que pratica racha assume o risco de matar. A atenção dela está totalmente voltada para o seu competidor. Ela está se lixando para a segurança viária”, opina.

A professora de direito penal e constitucional da Universidade Católica de Brasília (UCB) Soraia da Rosa Mendes crê que o endurecimento das penas não muda a cultura brasileira no trânsito. “Só vamos ter mudanças no pensamento coletivo com campanhas de conscientização desde cedo para esclarecer aos futuros condutores os riscos envolvidos em dirigir”, afirma.

A dor de quem fica
Apesar do otimismo de alguns especialistas, para familiares de vítimas, é difícil acreditar em mudança. O militar aposentado Carlos Augusto Teixeira, 66 anos, perdeu o filho Francisco Augusto Nora Teixeira, o Gutão, em 2004. O carro que Francisco Augusto, 29 anos, dirigia foi atingindo por uma Mercedes conduzida por Rodolpho Felix Grande Ladeira, a 165km/h, quando o acusado “batia um racha”, segundo as investigações. Passados 10 anos, a família acompanhou o julgamento e a condenação do motorista que provocou a tragédia. Rodolpho Ladeira recorreu da decisão e continua em liberdade.

Para o pai de Gutão, o caminho é conscientizar e garantir a aplicação das leis. “Você acha que multa de R$ 2 mil preocupa gente de colarinho branco? Eu sou um cara esclarecido. Minha mulher e um filho meu são advogados e a Justiça não funciona para nós. Imagina para quem não tem conhecimento nenhum do funcionamento das leis”, argumenta.

A representante comercial Bárbara Carneiro, 27 anos, perdeu a irmã, Bruna, há quatro. A garota, então com 20 anos, saiu para um bar na 403 Sul e pegou carona com um amigo. Ele estaria alcoolizado e em alta velocidade. Capotou o carro e atingiu um poste e uma árvore na altura da 601 Norte. Bruna estava sem cinto de segurança, bateu a cabeça e morreu uma semana depois, devido aos ferimentos. Alan Frederico saiu ileso e não fez o teste do bafômetro. 

O condutor foi punido com o pagamento de um ano de cestas básicas e trabalho voluntário em um hospital. “Eu sei que ele não tinha a intenção de matar minha irmã. Mas matou uma pessoa e a vida dela foi resumida a algumas cestas básicas e ao trabalho voluntário. É o país que a gente vive”, lamenta Bárbara. 


POR: GUILHERME PERA » ADRIANA BERNARDES » MARIANA LABOISSIÈRE - CORREIO BRAZILIENSE - 18/04/2014

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