Ministério Público tenta dar rapidez aos processos relativos ao preconceito racial. Só neste ano, 31 pessoas foram citadas 2014 nove delas na última semana. Promotor diz que é difícil responsabilizar os acusados com maior poder aquisitivo.
Depois de passar pela Polícia Civil, os casos de racismo e de injúria racial são encaminhados ao Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT). O principal objetivo do Núcleo de Enfrentamento à Discriminação (NED) é dar celeridade aos processos e, depois de ouvir vítimas e testemunhas, responsabilizar os acusados. Somente este ano, 31 pessoas foram denunciadas pelos crimes. Nove delas na última semana — veja o detalhamento dos casos nesta e na próxima página.
Responsável pelo NED, o promotor Thiago Pierobom afirma que o número de casos é ainda maior, já que muitos agressores não podem ser denunciados, pois, ao longo do processo, não há testemunhas que confirmem o crime. Com isso, faltam provas suficientes para que a denúncia seja feita. Outra dificuldade, segundo o promotor, é a responsabilização, em alguns casos, de pessoas com poder aquisitivo maior (Leia artigo na página seguinte).
Em outras situações, o preconceito é tão subjetivo que a vítima prefere não prolongar —, mas com plena consciência do crime.
Delegado de polícia e professor de direito penal, Ailton Rodrigues, 42 anos, participou de algumas investigações de racismo desde que ingressou na PCDF, há oito anos. Negro, ele não esconde que também passou por casos de preconceito.
“Acontece de forma velada, pois, muitas vezes, ligam o negro com insuficiência financeira. Em uma concessionária, o vendedor olha e fala que os carros usados estão do outro lado”, conta. Mas, para ele, a melhor forma é demonstrar o conhecimento e o lado cultural. “Não podemos tratar deselegância com deselegância. O maior combate é a denúncia. A pessoa não pode se acomodar. Deve registrar ocorrência”, afirma o investigador.
Sem pagamento
O taxista Wagner de Sousa, 40 anos, também foi vítima de racismo. Mas, no caso dele, a situação não teve nada de velada. A vítima foi xingada depois de fazer uma corrida com duas passageiras, do Guará até a Asa Sul. Uma das mulheres se negou a entregar o valor total da corrida (R$ 48). A mulher acabou presa, mas liberada depois de pagar fiança. Até hoje, o taxista não recebeu a quantia da corrida (Veja depoimento dele no site do Correio Braziliense).
Depoimento
“Na hora, a gente não pensa o que fazer”
“Eu trabalhava como supervisora em uma empresa de prestação de serviços. Uma supervisora havia sido mandada embora e voltou à empresa com o rapaz do sindicato. Mas ninguém estava autorizado a entrar na sala. Quando eles chegaram, eu estava com luvas, lavando o banheiro. Expliquei que era de outro sindicato e não teria o que falar para eles. Ele pediu que eu mostrasse meus documentos. Ainda peguei e mostrei a ele. Nisso, ele perguntou meu nome de novo. Para encurtar, disse que era Meire. Ele começou a falar ‘seu nome é Nega’. Eu negava e ele continua falando que meu nome era ‘Nega’. O que mais me chateou foi que ele falou isso sabendo do meu nome. Há muita diferença entre Meire e Nega. Na sala, havia oito pessoas e todas elas ficaram com muita raiva. Na hora, a gente não pensa o que fazer, só depois. Eu ainda demorei uns dois dias para conversar com o meu marido e com os meus amigos e decidir registrar a ocorrência. Passei por várias situações constrangedoras quando criança. Mas não podemos mais aceitar isso. Em casa, ensino os meus três filhos que todos são iguais. A escola também passa esse recado. Desde pequena, eu aprendi a respeitar as pessoas. Uma criança em um ambiente onde os próprios familiares falam mal dos outros já cresce querendo maltratar. Para o homem que me agrediu, nem tenho raiva nem nada. Só quero que ele aprenda e não faça isso com outras pessoas.”
Meirione Fernandes Belchior Gomes, 33 anos, vítima de racismo
Artigo
Ainda há resistência
O Ministério Público do DF e Territórios se dedica arduamente ao enfrentamento ao racismo. Em 2005, foi criado o Núcleo de Enfrentamento à Discriminação, com atribuição para atuar nos processos criminais de racismo e injúria e fiscalizar a concretização de políticas públicas na área de igualdade racial. Muito já se avançou. Há um plano de educação nas escolas sobre igualdade racial, e o Disque Racismo deu visibilidade. Os casos são tratados por profissionais sensibilizados para enxergar o racismo e promover a devida responsabilização jurídica.
Mas, eventualmente, o MP encontra resistências no Judiciário. Dou como exemplo um processo, que está sobre a minha mesa, de um réu, morador de classe média do Jardim Botânico, que se dirigiu a um quiosque de venda de plantas. Após um desentendimento com o funcionário que carregava o caminhão (negro e pobre), o cliente se sentiu no direito de ofendêlo: “Preto, você é um ladrão, vou te aguardar na hora da saída, vou quebrar seus dentes, nego, sou lutador”. Qual foi a resposta do Judiciário? O réu estava de cabeça quente e, nesse contexto, não haveria o crime de injúria nem de ameaça. Simples assim.
Qual é a mensagem que decisões como essa transmitem: que os brancos ricos têm o direito de “perder a cabeça” e usar expressões racialmente discriminatórias nos momentos de tensão com os negros pobres. Tais entendimentos são inaceitáveis. Esperase que toda a sociedade se comprometa com essa luta, pois, quando um negro é ofendido, a igualdade de tratamento de todas as pessoas é colocada em causa. Cor, procedência, religião, orientação sexual, filosofia política, classe social... No fundo, somos todos iguais.
Thiago Pierobom, promotor de Justiça
Artigo
Enfrentamento dolorido
“Se preto soubesse alguma coisa, urubu seria chamado de meu louro.” A frase não foi uma chacota de um colega de escola. Ela foi dita por uma religiosa e dirigida a mim, quando eu tinha 11 anos, devido a minha inabilidade na aula de artes. Hoje, aos 59 anos não consigo, como não consegui no passado, pintar um quadro ou produzir um trabalho manual.
Naquele momento, diante de todos os alunos, fiquei em silêncio — parecia admitir que a freira tinha razão. Aquilo ficou martelando a minha cabeça, a ponto de nunca ter esquecido o meu primeiro contato com o racismo.
Na adolescência e na juventude outras cenas mostraram que havia uma divisão na sociedade. Apesar de não compreender muito bem os motivos, percebi que ser negra era ser diferente. Adulta, entendi que, além de ser negra, sou mulher e, nesse caso, as chances de progredir social e profissionalmente eram muito poucas. Como profissional, fui rejeitada por “não ter o biotipo adequado” ao exercício da atividade de jornalista. Indaguei como deveria ser esse perfil, mas a resposta foi evasiva e a entrevistadora disse que somente o patrão poderia responder. Entendi que ali não seria o melhor emprego da minha vida. Não me arrependo de ter deixado pra lá e seguido em frente. Qualquer reação poderia resultar em uma lição e aquele patrão não merecia aprender. Hoje, diante dos avanços ocorridos na legislação, na organização do povo negro enfrentar os racistas é mais fácil, mas igualmente dolorido.”
Rosane Garcia, jornalista do Correio Braziliense
Depois de passar pela Polícia Civil, os casos de racismo e de injúria racial são encaminhados ao Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT). O principal objetivo do Núcleo de Enfrentamento à Discriminação (NED) é dar celeridade aos processos e, depois de ouvir vítimas e testemunhas, responsabilizar os acusados. Somente este ano, 31 pessoas foram denunciadas pelos crimes. Nove delas na última semana — veja o detalhamento dos casos nesta e na próxima página.
Responsável pelo NED, o promotor Thiago Pierobom afirma que o número de casos é ainda maior, já que muitos agressores não podem ser denunciados, pois, ao longo do processo, não há testemunhas que confirmem o crime. Com isso, faltam provas suficientes para que a denúncia seja feita. Outra dificuldade, segundo o promotor, é a responsabilização, em alguns casos, de pessoas com poder aquisitivo maior (Leia artigo na página seguinte).
Em outras situações, o preconceito é tão subjetivo que a vítima prefere não prolongar —, mas com plena consciência do crime.
Delegado de polícia e professor de direito penal, Ailton Rodrigues, 42 anos, participou de algumas investigações de racismo desde que ingressou na PCDF, há oito anos. Negro, ele não esconde que também passou por casos de preconceito.
“Acontece de forma velada, pois, muitas vezes, ligam o negro com insuficiência financeira. Em uma concessionária, o vendedor olha e fala que os carros usados estão do outro lado”, conta. Mas, para ele, a melhor forma é demonstrar o conhecimento e o lado cultural. “Não podemos tratar deselegância com deselegância. O maior combate é a denúncia. A pessoa não pode se acomodar. Deve registrar ocorrência”, afirma o investigador.
Sem pagamento
O taxista Wagner de Sousa, 40 anos, também foi vítima de racismo. Mas, no caso dele, a situação não teve nada de velada. A vítima foi xingada depois de fazer uma corrida com duas passageiras, do Guará até a Asa Sul. Uma das mulheres se negou a entregar o valor total da corrida (R$ 48). A mulher acabou presa, mas liberada depois de pagar fiança. Até hoje, o taxista não recebeu a quantia da corrida (Veja depoimento dele no site do Correio Braziliense).
Depoimento
“Na hora, a gente não pensa o que fazer”
“Eu trabalhava como supervisora em uma empresa de prestação de serviços. Uma supervisora havia sido mandada embora e voltou à empresa com o rapaz do sindicato. Mas ninguém estava autorizado a entrar na sala. Quando eles chegaram, eu estava com luvas, lavando o banheiro. Expliquei que era de outro sindicato e não teria o que falar para eles. Ele pediu que eu mostrasse meus documentos. Ainda peguei e mostrei a ele. Nisso, ele perguntou meu nome de novo. Para encurtar, disse que era Meire. Ele começou a falar ‘seu nome é Nega’. Eu negava e ele continua falando que meu nome era ‘Nega’. O que mais me chateou foi que ele falou isso sabendo do meu nome. Há muita diferença entre Meire e Nega. Na sala, havia oito pessoas e todas elas ficaram com muita raiva. Na hora, a gente não pensa o que fazer, só depois. Eu ainda demorei uns dois dias para conversar com o meu marido e com os meus amigos e decidir registrar a ocorrência. Passei por várias situações constrangedoras quando criança. Mas não podemos mais aceitar isso. Em casa, ensino os meus três filhos que todos são iguais. A escola também passa esse recado. Desde pequena, eu aprendi a respeitar as pessoas. Uma criança em um ambiente onde os próprios familiares falam mal dos outros já cresce querendo maltratar. Para o homem que me agrediu, nem tenho raiva nem nada. Só quero que ele aprenda e não faça isso com outras pessoas.”
Meirione Fernandes Belchior Gomes, 33 anos, vítima de racismo
Artigo
Ainda há resistência
O Ministério Público do DF e Territórios se dedica arduamente ao enfrentamento ao racismo. Em 2005, foi criado o Núcleo de Enfrentamento à Discriminação, com atribuição para atuar nos processos criminais de racismo e injúria e fiscalizar a concretização de políticas públicas na área de igualdade racial. Muito já se avançou. Há um plano de educação nas escolas sobre igualdade racial, e o Disque Racismo deu visibilidade. Os casos são tratados por profissionais sensibilizados para enxergar o racismo e promover a devida responsabilização jurídica.
Mas, eventualmente, o MP encontra resistências no Judiciário. Dou como exemplo um processo, que está sobre a minha mesa, de um réu, morador de classe média do Jardim Botânico, que se dirigiu a um quiosque de venda de plantas. Após um desentendimento com o funcionário que carregava o caminhão (negro e pobre), o cliente se sentiu no direito de ofendêlo: “Preto, você é um ladrão, vou te aguardar na hora da saída, vou quebrar seus dentes, nego, sou lutador”. Qual foi a resposta do Judiciário? O réu estava de cabeça quente e, nesse contexto, não haveria o crime de injúria nem de ameaça. Simples assim.
Qual é a mensagem que decisões como essa transmitem: que os brancos ricos têm o direito de “perder a cabeça” e usar expressões racialmente discriminatórias nos momentos de tensão com os negros pobres. Tais entendimentos são inaceitáveis. Esperase que toda a sociedade se comprometa com essa luta, pois, quando um negro é ofendido, a igualdade de tratamento de todas as pessoas é colocada em causa. Cor, procedência, religião, orientação sexual, filosofia política, classe social... No fundo, somos todos iguais.
Thiago Pierobom, promotor de Justiça
Artigo
Enfrentamento dolorido
“Se preto soubesse alguma coisa, urubu seria chamado de meu louro.” A frase não foi uma chacota de um colega de escola. Ela foi dita por uma religiosa e dirigida a mim, quando eu tinha 11 anos, devido a minha inabilidade na aula de artes. Hoje, aos 59 anos não consigo, como não consegui no passado, pintar um quadro ou produzir um trabalho manual.
Naquele momento, diante de todos os alunos, fiquei em silêncio — parecia admitir que a freira tinha razão. Aquilo ficou martelando a minha cabeça, a ponto de nunca ter esquecido o meu primeiro contato com o racismo.
Na adolescência e na juventude outras cenas mostraram que havia uma divisão na sociedade. Apesar de não compreender muito bem os motivos, percebi que ser negra era ser diferente. Adulta, entendi que, além de ser negra, sou mulher e, nesse caso, as chances de progredir social e profissionalmente eram muito poucas. Como profissional, fui rejeitada por “não ter o biotipo adequado” ao exercício da atividade de jornalista. Indaguei como deveria ser esse perfil, mas a resposta foi evasiva e a entrevistadora disse que somente o patrão poderia responder. Entendi que ali não seria o melhor emprego da minha vida. Não me arrependo de ter deixado pra lá e seguido em frente. Qualquer reação poderia resultar em uma lição e aquele patrão não merecia aprender. Hoje, diante dos avanços ocorridos na legislação, na organização do povo negro enfrentar os racistas é mais fácil, mas igualmente dolorido.”
Rosane Garcia, jornalista do Correio Braziliense
As denúncias
“Nega safada”
Em 15 de agosto de 2013, um policial militar reformado visitou uma amiga em Planaltina. Ao entrar no Residencial Nova Planaltina, passou com o carro por cima da grama de Maria José Costa Almeida, vizinha da mulher. A prática deu início a uma discussão entre eles. Para ofender a mulher, Maviael Oliveira Santos, 72 anos, a chamou de “nega safada”. O Ministério Público o denunciou com base no artigo 140 do Código Penal, que prevê o crime de injúria com a utilização de elementos referentes a raça, cor, etnia, religião ou origem. O MPDFT considerou que Maviael proferiu as palavras com a finalidade de “macular a honra subjetiva” da vítima, e propôs reparação de danos no valor de R$ 1 mil, cumprimento de 80 horas de prestação de serviço à comunidade, além da necessidade de o militar aposentado frequentar aulas ou palestras sobre igualdade racial.
“Beiçuda de nego”
Nem a visibilidade que uma rede social proporciona impediu Lucilia de Mendonça Pedrosa Bezerra Cavalcanti, 29 anos, moradora de João Pessoa, de ofender a cunhada que residia em Brasília. Em 13 de janeiro de 2012, Pollyanna Camargos postou um comentário no Orkut. Lucilia não gostou da opinião da cunhada e respondeu com xingamentos no post. O Ministério Público considerou as palavras usadas pela moradora de João Pessoa — expressões como “nega otária… beiçuda de nego… mundiça”, entre outras — injuriosas. Alegou, em denúncia, que Lucilia teve “vontade livre e consciente, e com nítida intenção de injuriar, ofendeu a dignidade e o decoro de Pollyanna”. Considerou ainda que as expressões eram ofensivas e discriminatórias.
“Você é uma macaca”
Após uma discussão entre vizinhas, em Ceilândia, Eliane Regina Souza de Jesus, 38 anos, chamou Valdelice Conceição de “macaca”. O fato ocorreu em 22 de janeiro de 2013, e o Ministério Público considerou que a mulher teve a intenção de atingir a honra da vítima quando disse: “Sua velha vagabunda, prostituta, você é uma macaca... Não dá pra ser uma macaca porque quebraria os galhos das árvores”. O Núcleo de Enfrentamento à Discriminação a denunciou pelas incidências penais previstas nos artigos 140 e 147 do Código Penal Brasileiro. O primeiro trata de injúria referente a raça, cor, etnia, religião ou origem e, o segundo, de ameaça, pois Eliane teria feito ainda mais uma afirmação: “Vou te rasgar na faca e ainda vou te meter uma bala na cara”.
“Serviço para negros”
Há pouco mais de dois meses, Reinaldo Ribeiro Soares, 52 anos, entrou em uma lotérica, localizada em Taguatinga, para conferir o resultado de um jogo. Ao chegar no guichê de atendimento, a funcionária Gláucia Núbia dos Santos o informou que o sistema estava lento e que ele deveria aguardar. Indignado, na frente de diversos clientes, Reinaldo disse: “Você não está fazendo nada, sua negrinha. Só está mascando chiclete. Por isso que não gosto de arrumar serviço para negros”. Gláucia chamou a polícia, mas o homem não se intimidou. O Ministério Público o denunciou por ter incorrido nas penas do artigo 140 do Código Penal e ainda completou com o artigo 141, quando o fato ocorre na presença de várias pessoas.
“Negrinha safada”
Em 25 de julho deste ano, José Flávio Barbosa de Lima, 61 anos, estava em um quiosque na Estrutural, quando se desentendeu com uma das atendentes. Ele teria pedido uma cerveja e um isqueiro à Elissandra Rosa de Jesus Silva. Após servir a bebida ao cliente, a funcionária colocou o isqueiro em cima da mesa, o que não agradou a José Flávio. Ele solicitou que a jovem entregasse o objeto nas mãos dele. Diante da negativa, agrediu a vítima verbalmente: “Neguinha safada, empregadinha”. A vítima chamou a Polícia Militar e ouviu o homem reiterar as injúrias: “Sua negrinha safada, você é empregadinha e deve me servir”. O Ministério Público denunciou o suspeito e propôs pagamento de R$ 1 mil a título de reparação.
“Traficante, negra, vagabunda”
O fato ocorreu em 5 de fevereiro deste ano, em um bar localizado em Taguatinga. Aleck Sandra Gomes Ferreira estava com o marido. Foi quando os dois se encontraram com a ex-mulher dele. “Movida por questões relacionadas ao mencionado relacionamento”, ela, então, começou a ofender Aleck, “com nítida intenção de injuriar, ofendeu a dignidade e o decoro”, de acordo com a denúncia feita no Ministério Público. O documento diz que a acusada a chamou de “traficante”, “negra” e “vagabunda”, entre outros. Segundo Aleck Sandra, que é faxineira, a mulher ainda a discriminou por conta da profissão. A autora teria dito que, enquanto ela ia à universidade, Aleck Sandra ficava lavando o banheiro das outras pessoas.
“Macaco, preto”
Em 4 de julho do ano passado, Antônio Bento dos Santos foi xingado por um passageiro do metrô, depois de tentar impedir que o autor das injúrias entrasse no metrô com bebida alcoólica. O caso ocorreu por volta das 20h, na Estação Shopping do metrô. O autor entrou no local carregando um volume e foi repreendido por Antônio, que trabalha como vigilante no local, dizendo que o homem não poderia entrar no metrô com a bebida. Segundo documento do Ministério Público, o acusado “ofendeu a dignidade e o decoro” do funcionário. Antônio voltou a chamar a atenção do homem e novamente o citado agrediu o vigilante com palavras, dessa vez, “visando a macular a honra subjetiva da vítima”. O denunciado, de acordo com o Ministério Público, o chamou de “macaco” e “preto”, entre outras injúrias.
“Abóbora é lavagem”
O caso aconteceu no segundo semestre de 2010, mas a ação não esclarece a data precisamente. Valéria Maria Rodrigues Matos estava dentro de uma agência do Banco do Brasil, em Águas Claras, quando a gerente do estabelecimento demonstrou publicamente o preconceito por negros, nordestinos e pela classe de vigilantes, profissão de Valéria. A gerente, segundo denúncia do Ministério Publico, entrou na copa onde Valéria estava almoçando e, depois de perceber que tinha abóbora na refeição da vítima, perguntou sobre a naturalidade de Valéria. A vigilante disse que era filha de nordestinos. A gerente respondeu dizendo que “nordestino é que geralmente come esse tipo de comida... Todos os nordestinos são famintos... Abóbora é lavagem!”
Linha do tempo
Os cinco séculos de presença negra no Brasil foram marcados por grandes batalhas pela liberdade e pela preservação da cultura de matriz africana. Apesar do muito ainda a ser conquistado, foram grandes os passos dados em direção à efetiva igualdade de direitos e oportunidades para os descendentes dos negros escravizados. Confira aqui alguns dos marcos positivos dessa luta histórica:
1630
Data provável da formação do Quilombo dos Palmares, situado no estado de Alagoas, que ocupou a maior área territorial de resistência política à escravidão e foi sede de uma das mais efetivas lutas de resistência popular nas Américas.
1833
É fundado o jornal O homem de cor, por Paula Brito, o primeiro periódico brasileiro a defender os direitos dos negros escravizados.
1850
Instituição da Lei Eusébio de Queirós, que proíbe o tráfico de negros escravizados pelo Oceano Atlântico. A lei, do Segundo Reinado, atendia a interesses da Inglaterra, mas foi fundamental para o processo de abolição da escravatura no Brasil.
1869
Proibida a venda de negros escravizados por “pregão” e com exposição pública. A lei também proíbe a venda em separado de membros de uma família (casais e pais e filhos).
1871
Instituída a Lei do Ventre Livre, estabelecendo que os filhos dos negros escravizados, a partir daquela data, seriam considerados livres, depois de completarem a maioridade.
1884
Decretada a abolição da escravatura negra nas províncias do Amazonas e do Ceará e realizadas as primeiras libertações de coletivas de negros escravizados no Brasil.
1885
A Lei dos Sexagenários concede liberdade aos negros escravizados com idade igual ou superior a 65 anos. A norma foi promulgada depois de pressão do movimento abolicionista.
1888
Promulgada em 13 de maio, a Lei Áurea extinguiu oficialmente a escravidão no Brasil.
1910
João Cândido, o almirante Negro, lidera a Revolta da Esquadra, também conhecida como Revolta da Chibata, que colocou fim aos castigos físicos praticados contra os marinheiros.
1914
Surge em Campinas (SP) a primeira organização sindical dedicada à causa dos negros com participação, de forma expressiva e determinante, das mulheres negras.
1915
É fundado o jornal Manelick, o primeiro periódico paulista dedicado à difusão da cultura negra e à defesa dos interesses da população afrodescendente.
1931
Eleito o primeiro juiz negro do Supremo Tribunal Federal do Brasil: Hermenegildo Rodrigues de Barros. Ele foi o criador do Tribunal Superior de Justiça Eleitoral.
1932
Fundado, em São Paulo, o Clube do Negro de Cultura Social. Os dirigentes editavam o jornal O Clarim da Alvorada, um dos mais importantes na história do periodismo racial.
Em 15 de agosto de 2013, um policial militar reformado visitou uma amiga em Planaltina. Ao entrar no Residencial Nova Planaltina, passou com o carro por cima da grama de Maria José Costa Almeida, vizinha da mulher. A prática deu início a uma discussão entre eles. Para ofender a mulher, Maviael Oliveira Santos, 72 anos, a chamou de “nega safada”. O Ministério Público o denunciou com base no artigo 140 do Código Penal, que prevê o crime de injúria com a utilização de elementos referentes a raça, cor, etnia, religião ou origem. O MPDFT considerou que Maviael proferiu as palavras com a finalidade de “macular a honra subjetiva” da vítima, e propôs reparação de danos no valor de R$ 1 mil, cumprimento de 80 horas de prestação de serviço à comunidade, além da necessidade de o militar aposentado frequentar aulas ou palestras sobre igualdade racial.
“Beiçuda de nego”
Nem a visibilidade que uma rede social proporciona impediu Lucilia de Mendonça Pedrosa Bezerra Cavalcanti, 29 anos, moradora de João Pessoa, de ofender a cunhada que residia em Brasília. Em 13 de janeiro de 2012, Pollyanna Camargos postou um comentário no Orkut. Lucilia não gostou da opinião da cunhada e respondeu com xingamentos no post. O Ministério Público considerou as palavras usadas pela moradora de João Pessoa — expressões como “nega otária… beiçuda de nego… mundiça”, entre outras — injuriosas. Alegou, em denúncia, que Lucilia teve “vontade livre e consciente, e com nítida intenção de injuriar, ofendeu a dignidade e o decoro de Pollyanna”. Considerou ainda que as expressões eram ofensivas e discriminatórias.
“Você é uma macaca”
Após uma discussão entre vizinhas, em Ceilândia, Eliane Regina Souza de Jesus, 38 anos, chamou Valdelice Conceição de “macaca”. O fato ocorreu em 22 de janeiro de 2013, e o Ministério Público considerou que a mulher teve a intenção de atingir a honra da vítima quando disse: “Sua velha vagabunda, prostituta, você é uma macaca... Não dá pra ser uma macaca porque quebraria os galhos das árvores”. O Núcleo de Enfrentamento à Discriminação a denunciou pelas incidências penais previstas nos artigos 140 e 147 do Código Penal Brasileiro. O primeiro trata de injúria referente a raça, cor, etnia, religião ou origem e, o segundo, de ameaça, pois Eliane teria feito ainda mais uma afirmação: “Vou te rasgar na faca e ainda vou te meter uma bala na cara”.
“Serviço para negros”
Há pouco mais de dois meses, Reinaldo Ribeiro Soares, 52 anos, entrou em uma lotérica, localizada em Taguatinga, para conferir o resultado de um jogo. Ao chegar no guichê de atendimento, a funcionária Gláucia Núbia dos Santos o informou que o sistema estava lento e que ele deveria aguardar. Indignado, na frente de diversos clientes, Reinaldo disse: “Você não está fazendo nada, sua negrinha. Só está mascando chiclete. Por isso que não gosto de arrumar serviço para negros”. Gláucia chamou a polícia, mas o homem não se intimidou. O Ministério Público o denunciou por ter incorrido nas penas do artigo 140 do Código Penal e ainda completou com o artigo 141, quando o fato ocorre na presença de várias pessoas.
“Negrinha safada”
Em 25 de julho deste ano, José Flávio Barbosa de Lima, 61 anos, estava em um quiosque na Estrutural, quando se desentendeu com uma das atendentes. Ele teria pedido uma cerveja e um isqueiro à Elissandra Rosa de Jesus Silva. Após servir a bebida ao cliente, a funcionária colocou o isqueiro em cima da mesa, o que não agradou a José Flávio. Ele solicitou que a jovem entregasse o objeto nas mãos dele. Diante da negativa, agrediu a vítima verbalmente: “Neguinha safada, empregadinha”. A vítima chamou a Polícia Militar e ouviu o homem reiterar as injúrias: “Sua negrinha safada, você é empregadinha e deve me servir”. O Ministério Público denunciou o suspeito e propôs pagamento de R$ 1 mil a título de reparação.
“Traficante, negra, vagabunda”
O fato ocorreu em 5 de fevereiro deste ano, em um bar localizado em Taguatinga. Aleck Sandra Gomes Ferreira estava com o marido. Foi quando os dois se encontraram com a ex-mulher dele. “Movida por questões relacionadas ao mencionado relacionamento”, ela, então, começou a ofender Aleck, “com nítida intenção de injuriar, ofendeu a dignidade e o decoro”, de acordo com a denúncia feita no Ministério Público. O documento diz que a acusada a chamou de “traficante”, “negra” e “vagabunda”, entre outros. Segundo Aleck Sandra, que é faxineira, a mulher ainda a discriminou por conta da profissão. A autora teria dito que, enquanto ela ia à universidade, Aleck Sandra ficava lavando o banheiro das outras pessoas.
“Macaco, preto”
Em 4 de julho do ano passado, Antônio Bento dos Santos foi xingado por um passageiro do metrô, depois de tentar impedir que o autor das injúrias entrasse no metrô com bebida alcoólica. O caso ocorreu por volta das 20h, na Estação Shopping do metrô. O autor entrou no local carregando um volume e foi repreendido por Antônio, que trabalha como vigilante no local, dizendo que o homem não poderia entrar no metrô com a bebida. Segundo documento do Ministério Público, o acusado “ofendeu a dignidade e o decoro” do funcionário. Antônio voltou a chamar a atenção do homem e novamente o citado agrediu o vigilante com palavras, dessa vez, “visando a macular a honra subjetiva da vítima”. O denunciado, de acordo com o Ministério Público, o chamou de “macaco” e “preto”, entre outras injúrias.
“Abóbora é lavagem”
O caso aconteceu no segundo semestre de 2010, mas a ação não esclarece a data precisamente. Valéria Maria Rodrigues Matos estava dentro de uma agência do Banco do Brasil, em Águas Claras, quando a gerente do estabelecimento demonstrou publicamente o preconceito por negros, nordestinos e pela classe de vigilantes, profissão de Valéria. A gerente, segundo denúncia do Ministério Publico, entrou na copa onde Valéria estava almoçando e, depois de perceber que tinha abóbora na refeição da vítima, perguntou sobre a naturalidade de Valéria. A vigilante disse que era filha de nordestinos. A gerente respondeu dizendo que “nordestino é que geralmente come esse tipo de comida... Todos os nordestinos são famintos... Abóbora é lavagem!”
Linha do tempo
Os cinco séculos de presença negra no Brasil foram marcados por grandes batalhas pela liberdade e pela preservação da cultura de matriz africana. Apesar do muito ainda a ser conquistado, foram grandes os passos dados em direção à efetiva igualdade de direitos e oportunidades para os descendentes dos negros escravizados. Confira aqui alguns dos marcos positivos dessa luta histórica:
1630
Data provável da formação do Quilombo dos Palmares, situado no estado de Alagoas, que ocupou a maior área territorial de resistência política à escravidão e foi sede de uma das mais efetivas lutas de resistência popular nas Américas.
1833
É fundado o jornal O homem de cor, por Paula Brito, o primeiro periódico brasileiro a defender os direitos dos negros escravizados.
1850
Instituição da Lei Eusébio de Queirós, que proíbe o tráfico de negros escravizados pelo Oceano Atlântico. A lei, do Segundo Reinado, atendia a interesses da Inglaterra, mas foi fundamental para o processo de abolição da escravatura no Brasil.
1869
Proibida a venda de negros escravizados por “pregão” e com exposição pública. A lei também proíbe a venda em separado de membros de uma família (casais e pais e filhos).
1871
Instituída a Lei do Ventre Livre, estabelecendo que os filhos dos negros escravizados, a partir daquela data, seriam considerados livres, depois de completarem a maioridade.
1884
Decretada a abolição da escravatura negra nas províncias do Amazonas e do Ceará e realizadas as primeiras libertações de coletivas de negros escravizados no Brasil.
1885
A Lei dos Sexagenários concede liberdade aos negros escravizados com idade igual ou superior a 65 anos. A norma foi promulgada depois de pressão do movimento abolicionista.
1888
Promulgada em 13 de maio, a Lei Áurea extinguiu oficialmente a escravidão no Brasil.
1910
João Cândido, o almirante Negro, lidera a Revolta da Esquadra, também conhecida como Revolta da Chibata, que colocou fim aos castigos físicos praticados contra os marinheiros.
1914
Surge em Campinas (SP) a primeira organização sindical dedicada à causa dos negros com participação, de forma expressiva e determinante, das mulheres negras.
1915
É fundado o jornal Manelick, o primeiro periódico paulista dedicado à difusão da cultura negra e à defesa dos interesses da população afrodescendente.
1931
Eleito o primeiro juiz negro do Supremo Tribunal Federal do Brasil: Hermenegildo Rodrigues de Barros. Ele foi o criador do Tribunal Superior de Justiça Eleitoral.
1932
Fundado, em São Paulo, o Clube do Negro de Cultura Social. Os dirigentes editavam o jornal O Clarim da Alvorada, um dos mais importantes na história do periodismo racial.
POR: » KELLY ALMEIDA » CAMILA COSTA » MANOELA ALCÂNTARA » THAÍS CIEGLINSKI - CORREIO BRAZILIENSE - 11/09/2014