Carlos Chagas
Mais do que o governo, quem enferrujou foi o poder público. O morador de Brasília percebe esse fenômeno cada vez que olha pela janela, vai para a rua ou busca completar a mais simples de suas necessidades. As empresas de transportes coletivos alternam greves e paralisações por conta no atraso no salário de seus funcionários. Os professores da rede pública, da mesma forma. A primeira tempestade da temporada deixa parte da cidade sem energia durante horas. O trânsito conseguiu ficar pior, a segurança pública anda em frangalhos, com assaltos sucessivos em plena via pública e nas residências particulares. A polícia desapareceu, mas sumiu também o governador derrotado em sua tentativa de reeleição. De seus secretários, nem se fala. Hospitais públicos deixaram de servir refeições aos doentes e pessoal de serviço. A falta de médicos é uma constante.
Trata-se de uma realidade exclusiva do Distrito Federal? Nem pensar. No país inteiro acontece a mesma coisa, tornando-se desnecessário referir a corrupção envolvendo empresas públicas e privadas, com ênfase para o desvio de bilhões de reais para o bolso de dirigentes de um lado e de outro, com a devida distribuição para partidos políticos.
Numa palavra, a falência das instituições tornou-se nacional, ou seja, governos estaduais e governo federal praticam uma ampla simbiose de desídia e até de crime, sem que nenhuma reação possa ser detectada. Em final de mandato, sem fazer caso das reeleições, presidente da República e governadores comportam-se como se nada lhes dissesse respeito.
Fazer o quê? A desobediência civil constitui uma tentação, mas o problema é que se todo mundo parasse de pagar impostos, mais aumentaria o caos. A alternativa seria ganhar as ruas, em protestos pacíficos ou não, mas quem mais ficaria prejudicado senão o cidadão comum? Apelar para o direito de voto e imaginar que tudo se resolveria com eleições não dá mais. Ainda em outubro o país abriu mão de usufruir desse direito. Não adiantou nada. Parte do eleitorado não se lembra em quem votou, o restante já esqueceu. Um grupo de energúmenos, felizmente em minoria, clama pela volta dos militares e da ditadura, despertando o repúdio generalizado da população.
Esperar que o Judiciário aponte uma saída seria mais ou menos como acreditar no Legislativo, ou seja, enxugar gelo ou ensacar fumaça. Aguardar auxílio da Providência Divina também não dá: seus variados e conflitantes representantes jamais chegariam a um consenso.
Sendo assim… Sendo assim, melhor faria a nação se prescindisse do poder público e ignorasse os governos. Talvez do recolhimento coletivo venha a solução, numa volta aos tempos imemoriais das tribos e das famílias. Começar de novo pode ser melhor do que prosseguir.