A presidente da República tornou-se refém da própria
base. A tese do golpismo também é uma vacina contra isso.
O governo vai à luta hoje, outra
vez, para a alteração da meta do superavit primário para este ano. Não é uma
votação trivial, pois se trata de uma manobra legal para evitar que a
presidente Dilma Rousseff seja acusada de descumprir a Lei de Responsabilidade
Fiscal. Isso é crime tipificado, cuja implicação poderia ser até a cassação do
seu mandato.
São crimes de responsabilidade
contra a lei orçamentária: exceder ou transportar, sem autorização legal, as
verbas do orçamento; infringir, patentemente, e de qualquer modo, dispositivo
da lei orçamentária; deixar de ordenar a redução do montante da dívida
consolidada, nos prazos estabelecidos em lei, quando o montante ultrapassar o
valor resultante da aplicação do limite máximo fixado.
Qualquer cidadão pode oferecer
denúncia contra a presidente da República. Cabe à Câmara aprovar por maioria
simples a acusação; ao Senado, julgar o pedido de destituição do cargo e
cassação dos direitos políticos. A lei que define os crimes de responsabilidade
das autoridades do Executivo, Judiciário e Ministério Público e regula o seu
julgamento é originária do governo Dutra, na década de 1950, mas foi atualizada
no segundo mandato do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, pela Lei nº
10.028, de 2000...
Representou uma grande mudança de
costumes políticos, no esforço de blindagem da política de estabilização da
moeda, com objetivo de impedir que maus gestores quebrassem a administração
para garantir vantagens eleitorais. Foi o que aconteceu no governo de Orestes
Quércia (PMDB), em São Paulo, na eleição do seu ex-secretário de Segurança Luiz
Antônio Fleury (PMDB à época), em 1990; e na Prefeitura de São Paulo, na gestão
de Paulo Maluf (então no PDS), que conseguiu eleger seu ex-secretário da
Fazenda Celso Pitta (PDS), em 1997. E poderia se repetir ainda mais com a
aprovação do dispositivo da reeleição.
O rombo
Nada disso impediu, porém, que a
presidente Dilma Rousseff, com maquiagens e malabarismos fiscais durante todo o
ano, para se reeleger, provocasse o maior rombo nas contas públicas desde 1997,
quando a União securitizou as dívidas de estados e municípios. O governo havia
se comprometido a alcançar, neste ano, um superavit de R$ 99 bilhões nas contas
públicas do setor público consolidado, que abrange União, estados, municípios e
empresas estatais.
Até setembro, contudo, o
resultado alcançado foi um deficit primário de R$ 15,3 bilhões, evidenciando
que a meta não será cumprida, mesmo com a utilização dos mecanismos legais
previstos: a LDO permite que o Executivo abata dos resultados até R$ 67 bilhões
de gastos com desonerações de tributos e investimentos do Programa de
Aceleração do Crescimento (PAC).
Diante da situação, a alternativa
que restou ao governo foi mudar a Lei de Diretrizes Orçamentárias para evitar o
enquadramento da presidente Dilma Rousseff. O PLN 36, de autoria do relator
Romero Jucá (PMDB-RR), o maior safa-onça do governo no Senado, anula a
obrigatoriedade de a presidente Dilma Rousseff entregar o superavit primário
(economia para o pagamento dos juros da dívida pública) neste ano.
Para que Dilma Rousseff não seja
acusada de descumprimento da Lei de Responsabilidade Fiscal, é obrigatório que
a manobra no Congresso seja feita. A oposição esperneia, mas esse não é o maior
problema. Foi derrotada nas urnas e já sinalizou que não vai apostar num
confronto dessa envergadura, isto é, a destituição da petista. A presidente da
República ganhou as eleições com o discurso de que se recusou a gerar
desemprego e reduzir renda. Esse é o eixo do discurso do Palácio do Planalto
para rasgar a Lei de Responsabilidade Fiscal.
Ocorre que a base do governo
resolveu chantagear a presidente Dilma Rousseff. Na semana passada, nem o PMDB
nem o PT compareceram ao plenário para votar. Os parlamentares da base querem a
liberação das suas emendas ao orçamento da União e cargos, muitos cargos. Ou
melhor, ministérios. Só o PMDB reivindica meia dúzia, três para os senadores e
três para os deputados.
Ontem à noite, Dilma chamou os
líderes da base para uma conversa, a primeira desde a reeleição. Hoje saberemos
se deu os resultados que esperava. A presidente da República tornou-se refém de
sua própria base. A tese do golpismo também é uma vacina contra isso, mas não
se restringe ao problema da responsabilidade fiscal, cuja solução depende
apenas de reunir a tropa governista e mudar a legislação. Tem muito mais a ver
com o escândalo da Petrobras e a Operação Lava-Jato, mas essas já são outras
emoções.
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Fonte: Correio Braziliense Foto: Internet - Blog do Edson Sombra 02/12/2014