Surgida há oito anos das ideias de cinco presos enquanto cumpriam pena na Papuda, cooperativa emprega cerca de 100 pessoas, a maioria de ex-detentos. Eles fabricam bolas, móveis e meio-fio a partir de matéria-prima encontrada no lixão da Estrutural
Por: Ailim Cabral - Correio Braziliense
Publicação: 02/12/2014
Em filmes de ação, grupos de detentos se reúnem nas celas para tramar fugas mirabolantes e crimes que os deixarão ricos. Na realidade, é possível encontrar essa cena se desenrolando de uma maneira diferente. Um grupo de cinco detentos do regime fechado conversa e planeja uma maneira de ganhar a vida honestamente quando a liberdade chegar. Fora das celas, criam uma cooperativa batizada sob a inspiração da história deles, a Sonho de Liberdade. Ela funciona há oito anos, na Vila Estrutural, e emprega 100 pessoas. Quase todos ex-detentos, que fabricam bolas artesanais, móveis e bloquetes de meio-fio, a partir de materiais reciclados.
O projeto surgiu na fábrica de bolas do Complexo Penitenciário da Papuda. Cinco presos que trabalhavam na unidade alimentaram o desejo juntos. “Pensamos em nos juntar depois que saíssemos, não para praticar novos crimes e nem fazer nada de errado, mas sim para mudarmos as nossas vidas, trabalhando com honestidade e dignidade”, conta Fernando de Figueiredo, 52 anos, um dos idealizadores e coordenador da Sonho de Liberdade.
Fernando lembra que, quando o grupo começou a sair do regime fechado para o semiaberto, passou a se encontrar e a colocar as ideias em prática. Os cinco homens iniciaram a cooperativa com uma pequena fábrica de bolas, costurando os brinquedos à mão. “As portas foram se abrindo quando uma antiga fábrica de bolas jogou um material meio ressecado no lixão (da Estrutural). Alguém viu e, sabendo do nosso projeto, nos avisou”, recorda Fernando de Figueiredo.
Reaproveitando o material, a cooperativa começou a sua produção. No entanto, as bolas acabavam com o preço alto, devido aos custos do material. Ao perceber a dificuldade, Fernando e os demais trabalhadores encontraram uma alternativa. “Optamos pela madeira, que passava pela nossa porta e ia para o lixão. Ninguém fazia nada com aquele material”, conta Fernando.
Assim, o grupo começou a selecionar a madeira que ia para o lixo e a produzir material reciclado com a matéria-prima desprezada pela sociedade. No início, o volume era pequeno. Hoje, eles fabricam sofás, pufes, sapateiras e material sob medida, além das bolas e de meio-fio, também feito com cimento reciclado.
Os cooperados chegam a 100 pessoas, sendo 30 presos em regime semiaberto e 15 na condicional. O restante são ex-presidiários que cumpriram todas as penas. Gente que se envolveu com drogas e prostituição, entre outros delitos. “Aqui, aceitamos só os que não têm mais para onde ir. Quem não conseguiria emprego em lugar nenhum consegue uma chance aqui”, afirma o coordenador.
Recomeço
Cosme Damião Alves, 42 anos, foi um dos que encontrou uma segunda chance na Sonho de Liberdade. Após quatro anos na cadeia, por cometer assaltos, ele começou a trabalhar no regime semiaberto. Hoje, cuida da triagem do que chega do lixão, separando o material que pode ser reciclado. “Não é fácil mudar de vida, tem que ter espírito de guerreiro e ser abençoado. Hoje, sou muito feliz, mesmo trabalhando no meio do lixo”, frisa.
Recomeço
Cosme Damião Alves, 42 anos, foi um dos que encontrou uma segunda chance na Sonho de Liberdade. Após quatro anos na cadeia, por cometer assaltos, ele começou a trabalhar no regime semiaberto. Hoje, cuida da triagem do que chega do lixão, separando o material que pode ser reciclado. “Não é fácil mudar de vida, tem que ter espírito de guerreiro e ser abençoado. Hoje, sou muito feliz, mesmo trabalhando no meio do lixo”, frisa.
Depois de começar o novo trabalho, Cosme conseguiu pagar advogado para cuidarem de processo e benefícios judiciais, comprar um carro e construir mais lajes em sua casa. “Sair do crime é ter uma nova vida, além de tudo. Esse trabalho me deu também um crescimento espiritual muito grande”, finaliza, com os olhos marejados.