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Lava-Jato: Doleiro Carlos Habib Chater, preso no Paraná " Sujo e mal lavado "

Pouco conhecido do público, o doleiro Carlos Habib Chater, preso no Paraná, é personagem chave para entender as origens da Operação Lava-Jato e a força do câmbio negro em Brasília


Fim de tarde do dia 21 de novembro de 2013. Um caminhão que passa pelo quilômetro 265 da Rodovia Washington Luís, na altura do município de Araraquara (SP), é abordado por policiais militares. Questionado sobre o carregamento, o motorista Ocari Moreira diz que transporta palmitos. Os PMs decidem conferir a história. Nervoso, Moreira muda sua versão e confessa levar uma carga com 698 quilos de cocaína, que saíra de Cuiabá e tinha São Paulo como destino. Acuado, ele ainda revela que um veículo batedor o acompanhava. Fingindo ser o condutor do caminhão, um dos policiais entra em contato com a escolta e consegue prender outros dois envolvidos, um deles o boliviano Ricardo Rodriguez.

Essa bem-sucedida apreensão de drogas se mostrou apenas a camada mais rasa de um mar de ilegalidades. Ela se tornou o ponto de partida para uma série de ações que desaguaram na identificação de um esquema internacional de narcotráfico. Mas não é só isso. A partir daquele flagrante, descobriu-se o personagem-chave que expôs uma máfia instalada no seio da comunidade libanesa de Brasília, chegou ao doleiro Alberto Youssef — o principal delator do maior episódio de corrupção do país — e inspirou o nome da Operação Lava-Jato. Preso no Paraná por sua ligação com o tráfico de drogas e prestes a ter a condenação ampliada por liderar crimes contra o sistema financeiro, o doleiro libanês Carlos Habib Chater, de 45 anos, ainda não teve seu papel devidamente explicado no escândalo que abala a nação desde março do ano passado. Para entender melhor esse protagonismo é necessário voltar no tempo e retomar os acontecimentos daquele 21 de novembro de 2013.

Depois da apreensão de quase 700 quilos de cocaína, as investigações policiais alcançaram o traficante Rene Luiz Pereira. Até ser preso, no Paraná, Rene morava em um condomínio em Águas Claras, no Distrito Federal. Ele era o dono da carga ilícita. A associação só foi possível porque Rene lamentou por telefone com um comparsa a interceptação da droga. Nessa trama, surge pela primeira vez o nome de Habib Chater. homem que somava três décadas de operação no câmbio negro em endereços centrais do DF era o responsável por levantar parte do dinheiro que havia viabilizado o carregamento de entorpecentes.

Batizada de Bidone, referência ao filme Il Bidone, de Federico Fellini — cuja tradução no Brasil é A Trapaça —, a operação do Ministério Público, em parceria com a Polícia Federal, desarticulou uma organização criminosa dedicada à distribuição de cocaína produzida na Bolívia e no Peru. Concentrados em elucidar a atividade dos traficantes, os investigadores chegaram aos detalhes da participação de Habib Chater. Especializado em fazer dólar-cabo, negociação de câmbio que envolve transferências financeiras internacionais sem registro no Banco Central, o proprietário do Posto da Torre, no Setor Hoteleiro Sul, acionou sua rede de parceiros em favor de Rene. O traficante precisava enviar 124 000 dólares ao exterior para comprar a cocaína. É a partir desse networking que Habib Chater, um doleiro do varejo de Brasília, vira isca para a captura de um tubarão do mercado clandestino de moedas no país. Em conversas e mensagens telefônicas interceptadas com autorização judicial, agentes da Justiça descobriram que entre os contatos fortes de Habib Chater — quase todos tratados por codinomes burlescos, como “Omeprazol”, “Matusalém”, “Black”, “Michelin”, “Salomão” e “Chavo” — havia um “Primo”.

Primo, na verdade, era o apelido do doleiro Alberto Youssef, o elemento que contribuiu para aumentar as implicações políticas do petrolão. Foi no escritório dele, em São Paulo, que se deu parte da operação financeira com os traficantes. A pedido de Rene, Habib Chater — o “Zezé” nas conversas telefônicas — tratou com Salomão (Sleiman Nassin El Kobrossy, outro operador dentro da comunidade libanesa de Brasília) que uma parcela do dinheiro (36 000 dólares) seria entregue no 2º andar do imóvel de número 778 na Rua Dr. Renato Paes de Barros. Nas desprevenidas conversas entre os doleiros, esse nobre endereço na capital paulista, situado no bairro do Itaim Bibi, foi apontado como sede de uma empresa de Youssef. A partir do episódio, ele passou a ser monitorado e se tornou alvo da Operação Lava-Jato, uma referência ao Posto da Torre, de Habib Chater. Embora o local não abrigue um lava-jato de carros, é sede de uma das sete lavanderias (de roupas) vinculadas a laranjas do doleiro (veja o quadro no final da matéria).

Um divisor de águas, contudo, jogou Habib Chater do centro para a margem das investigações. Youssef negociou com o Ministério Público uma delação premiada. Tornou-se réu confesso, entregou empresas, agentes públicos e desvendou omodus operandi do sistema da corrupção na Petrobras. As revelações de Youssef amenizaram suas punições e atraíram para ele os holofotes da operação. Habib Chater, ao contrário, optou pelo silêncio e, desde o dia 17 de março do ano passado, está preso no Paraná. Na data em que perdeu sua liberdade, policiais federais entraram na residência dele em Brasília com um mandado de busca e apreensão. Até então, o doleiro candango parceiro de Alberto Youssef, a quem tratava por Beto, levava uma vida confortável, sustentada pelo lucro das operações cambiais do mercado paralelo. Sua mansão tem uma quadra de tênis, outra de futebol e um jardim apinhado de coqueiros, que, flagrantemente, se estende para dentro da porção norte do Lago Paranoá. A propriedade invade as águas públicas a partir de um píer arrematado por uma bucólica choupana. Ao lado do atracadouro ilegal repousa uma lancha. Habib Chater, a mulher, Dinorah, e os três filhos do casal, curiosamente, são vizinhos de muro da Casa da Dinda, do ex-presidente da República Fernando Collor de Mello. No dia da prisão, os agentes levaram dois iPhones, um BlackBerry, dois relógios — um Rolex e o outro Gucci —, oito pares de brincos cravados de ametistas, esmeraldas e brilhantes, sete braceletes de ouro, dezoito anéis, cópias de contratos, planilhas de pagamentos e o Volvo 2014 que estava na garagem.

Onze meses depois da ação, o doleiro candango continua encarcerado na Casa de Custódia de São José dos Pinhais, a 17 quilômetros do centro de Curitiba. Nesse período, aventurou-se a uma fuga frustrada, emagreceu 13 quilos, arrumou quem lavasse suas roupas e limpasse sua cela, leu thrillers de Ken Follett e acabou condenado a cinco anos de cadeia pela participação no narcotráfico. Mas permanece calado quanto às acusações da Lava-Jato. Um episódio ocorrido em outubro do ano passado alimentou o burburinho de que Habib Chater poderia quebrar o silêncio. Por intermédio de sua esposa, Dinorah, que o visitou na cadeia, Kátia Chater Nasr, irmã do presidiário, enviou a ele uma pergunta escrita em árabe. A empresária procurava saber se Habib Chater queria que ela cuidasse da papelada para a delação. Ele mandou dizer que sim. No mesmo dia, um dos quatro escritórios que passaram pela defesa do doleiro deixou a causa. “Nunca concordei com esse expediente”, diz Ticiano Figueiredo, que substituiu o escritório de Safe Carneiro e precedeu os colegas curitibanos Pedro Xavier e Roberto Brzezinski. Os dois últimos estariam negociando os termos para que Habib Chater conte o que sabe às autoridades. No dia 15 deste mês, no entanto, Januário Paludo, um dos procuradores que atuam no caso, recebeu a reportagem de VEJA BRASÍLIA em Curitiba e negou que o Ministério Público Federal tenha chegado a um acordo de delação com o doleiro brasiliense.

Kátia, a irmã mais velha de Habib Chater e importante personagem desse enredo, resolveu dar sua versão numa entrevista exclusiva (leia mais na pág. 26). Sócia da Valortur, firma enrolada nos trambiques financeiros do Posto da Torre, ela sustenta que o irmão não tem o que dizer. “Ele é um achado fortuito do juiz Sergio Moro e virou bode expiatório”, alega Kátia, também denunciada no processo de lavagem e evasão ilegal de dinheiro. Embora com olhar benevolente para a atividade criminosa que levou a família a enriquecer, a empresária ajuda a contar a história dos Chater desde que eles pisaram em solo brasileiro.

Nascido no Líbano, o patriarca Habib Salim El Chater veio para o Brasil com 16 anos, em 1951. Um irmão dele o aguardava em Goiânia, onde trabalharam como mascates. Algum tempo depois, Salim El Chater voltou à terra natal para casar-se com a prima Maha Fahd Chater, que aqui adotou Margot como primeiro nome. Ainda no Líbano, na aldeia de Karm Asfour, distrito de Akkar, no norte do país, eles tiveram três dos cinco filhos: Kátia, Habib Chater e Micheline. Eliane e Habib Filho nasceram em solo brasileiro.

A capital federal tinha menos de uma década quando Salim El Chater montou seu primeiro negócio no DF. Com o dinheiro das vendas em Goiás, ele comprou uma loja na 106 Sul e abriu, no Setor Comercial, um pequeno restaurante, o Frank’s, que servia PF no almoço. “Eu tinha 10 anos e o Carlos (Habib Chater), 8. Nessa época já trabalhávamos no restaurante. Meu pai nunca ligou para estudo. Achava que seria mais rentável se ajudássemos no caixa”, lembra Kátia. Resultado da influência paterna, nem Kátia nem Habib Chater completaram o nível superior, embora ela tenha cursado economia no Ceub e ele, odontologia na Foplac. Naquele momento, a família já estava seduzida pelo lucro fácil. Incentivado por um conhecido cearense que lhe propôs sociedade, Salim El Chater resolveu vender suas lojas brasilienses para montar um restaurante de comida típica nordestina em Goiânia, o Boiadeiro. Além da carne de sol e da macaxeira, o estabelecimento oferecia no cardápio uma variedade de jogos de azar.

De volta ao solo candango, no início dos anos 80, os Chater fincaram de vez suas raízes no universo da contravenção. O comércio de alimentos já não os satisfazia e, a exemplo de alguns patrícios, Salim El Chater passou a mexer com câmbio de dinheiro. Mais tarde, investiria também no jogo de bingo. A fartura de capital que subsidiaria a diversificação dos negócios começou em 1º de março de 1991, dia em que ele e o filho Habib Chater montaram a empresa Habib Câmbio e Turismo Ltda. O escritório funcionava numa sala do 3º andar do Venâncio 2000. No mesmo ano, eles constituíram outras quatro empresas — a Copa, a MH Assessoria, a Joper Materiais para Escritórios e, por fim, a Fly Turismo. Todas elas amparadas em contratos falsos e em nome de laranjas, como demonstrado numa ação penal que denunciou os dois por falsidade ideológica e compra e venda ilegal de moeda estrangeira.

Sem nenhuma preocupação em disfarçar a atividade ilícita, pai e filho acabaram presos em flagrante em 19 de novembro de 1991. Na batida policial, os agentes levaram, além de uma grande quantia em dólares e cruzeiros, uma arma calibre 38. Àquela altura, no entanto, os Chater já estavam escoltados por amizades poderosas e passaram apenas dois dias no xilindró. Salim era compadre do então chefe da Polícia Federal, o também descendente de árabes Romeu Tuma (1931-2010).

Um ano antes da prisão em flagrante, o delegado havia sido padrinho do nababesco casamento de Kátia com outro membro da comunidade libanesa em Brasília, Khaled Youssef Nasr. A família do cunhado de Habib Chater também tem tradição no câmbio negro praticado na capital. Chake, um dos irmãos de Khaled, operou dólar clandestino durante muitos anos na sobreloja de seu bar na 109 Sul, o extinto Arabeske. Ele, no entanto, acabaria morto, em 1995, durante um misterioso assalto à sua outra loja de câmbio, no hotel Kubitschek Plaza.

Os incidentes familiares associados às ações furtivas nunca desencorajaram esses libaneses, que alicerçaram sua trajetória de prosperidade na capital entre quibes, esfihas e dólares furados. Recentemente, Khaled negociava honorários com um escritório de advocacia e testou o bom humor de seus interlocutores: “Vamos baixar 100 000 reais deste valor (de 1 milhão de reais). Estamos sem dinheiro e vocês terão desconto para sempre no melhor quibe de Brasília”. Nada feito.

Depois de construírem um império de mansões, carros de luxo, relógios caros sobre a areia movediça do crime organizado, os Chater têm de tirar o escorpião do bolso para bancar uma defesa capaz de dar nó em pingo d’água. As evidências da polícia são fartas. Escutas telefônicas, depoimentos de laranjas e extratos bancários recontam como a rede de doleiros de Brasília praticava seus crimes e chegou a movimentar nada menos que 124 milhões de reais. “Nas ações da Lava-Jato agimos feito um trator que sai atropelando tudo sem olhar para trás. Mas há muitos nomes que ficaram de lado e que vamos recolher oportunamente”, afirma o procurador regional da República Januário Paludo. Entre os achados da polícia, consta o vínculo de uma empresa de fachada de Habib Chater com os negócios comandados por laranjas do falecido deputado, também de origem árabe, José Mohamed Janene (1955-2010). Esse último, vale lembrar, foi um destacado provedor do mensalão do PT.

Embora a quadrilha de doleiros com CEP na capital tenha dado a impressão de integrar um sofisticado esquema criminoso, eles deixaram rastros que fizeram lembrar, por vezes, não A Trapaça, de Fellini, mas a versão do grupo Os Trapalhões para Ali Babá e os Quarenta Ladrões. No dia em que a reportagem esteve na mansão de Kátia e Khaled, enquanto a esposa falava, o marido, de fininho, retirava três carrões de sua garagem (dois Mercedes-Benz e um Range Rover). Ao mesmo tempo em que Khaled estacionava os possantes em ruas vizinhas à sua, na QI 11 do Lago Sul, Kátia dizia que não levava uma vida de rica e que, de uns meses para cá, a coisa estava ficando feia. Isso, realmente, é impossível de esconder. 

Revelações da atual mandachuva


(Foto: Roberto Castro)

Kátia Chater, que substituiu o irmão nos negócios desde a prisão dele, em março doano passado, fala com exclusividade sobre as acusações levantadas contra sua família

Como foi a adaptação de sua família no Brasil?
Durante um tempo, meus pais vinham e voltavam para o Líbano com frequência. Só mudamos de vez para o Brasil em 1976, depois que nosso país entrou em guerra. Quando chegamos a Brasília, não falávamos português e foi difícil encontrar uma escola. Estudamos no Santa Rosa e, depois, no Marista. Naquele momento, meu pai abriu duas lanchonetes na cidade. Uma no Setor Comercial Sul e a outra no Conic. Eu tinha 10 anos e o Carlos (Habib Chater), 8. Nessa época, já trabalhávamos com ele. Meu pai nunca ligou para estudo. Achava que seria mais rentável se ajudássemos no caixa. Morávamos todos na 204 Sul, num apartamento de 60 metros quadrados.

Em que momento trocaram a modesta residência pelas mansões no Lago?
Nos anos 70, meu pai pegou um financiamento no BNH e comprou um lote na QI 17. Foi uma casa financiada. Naquela época era mais fácil conseguir oportunidades no Lago. Não era caro como hoje.

Desde quando a família Chater se tornou proprietária do Posto da Torre?
Quando meu tio Aziz Chater morreu, no início dos anos 2000, a mulher dele, Meire, quis vender o Posto da Torre, que pertencia a eles. Ela fez questão de que o negócio ficasse em família, então ofereceu uma ótima condição de pagamento. E foi Carlos quem tocou o negócio, pois meu pai acabou se mudando para Palmas, no Tocantins, onde vive até hoje.

O Posto da Torre foi a galinha dos ovos de ouro de Habib Chater?
Carlos não é esse peixe grande que pensam. É um homem todo endividado. Uma consulta ao Serasa vai mostrar que ele deve 20 milhões de reais. Quando o posto foi comprado, tinha apenas seis bombas. Ele quis aumentar a estrutura e fez três reformas no lugar, que deixaram muitos custos pendentes. Esse é o começo de todos os nossos problemas financeiros.

Nas investigações, Habib Chater é apontado como provedor de dinheiro, não tomador de empréstimos.
Nosso posto fatura, graças a Deus, 4 milhões de reais por mês. É claro que há movimento de dinheiro e que isso aparece nas conversas telefônicas. Mas, mesmo levantando essa quantia, estamos no sufoco. No fim do ano, passamos três dias fechados para dar conta de pagar os nossos 64 funcionários. Simplesmente, não tive capital para comprar combustível.

Qual é a ligação de Habib Chater com as operações cambiais da Valortur?
Nenhuma. Ele só cedeu o espaço para eu trabalhar. Também me ajudava com projetos, dando desde conselhos para eu resolver problemas na contabilidade até sugestões para campanhas de publicidade das lojas. Carlos tem sempre uma carta na manga, uma boa ideia para movimentar os negócios. No posto, ele já sorteou um Mercedes-Benz e um BMW. Meu irmão é igual ao Silvio Santos, extremamente criativo. Ele só não tem controle financeiro.

E quanto à acusação de que vocês integravam um esquema de lavagem de dinheiro que beneficiou até o tráfico de drogas internacional?
Espera aí, então eu sou traficante, mexo com drogas e ponho o meu CNPJ lá na transferência bancária? Não faz sentido.

Segundo a denúncia do MP, a transferência foi feita em contas de “passagem”. Isso é um exagero. O Carlos é um achado fortuito do juiz Sergio Moro e virou bode expiatório para um esquema muito maior do que o tamanho real dele.

A senhora se refere a empresários e políticos?
Conheço bem a cara dos políticos. Nunca recebi nenhum no meu escritório. Se eles fizeram algum negócio comigo ou com o Carlos, mandaram seus motoristas.

Sua cunhada Dinorah, mulher de Habib Chater, também se valeu do motorista numa sociedade. Acha isso natural?
Para entrar no Simples, precisavam de um sócio. O Dalmo (o motorista de Dinorah e Habib Chater) era uma pessoa próxima. Nada de mais.

Em escuta telefônica, Habib Chater indica ter culpa no cartório ao se espantar com o fato de não ter sido pego na Operação Miqueias, que prendeu o doleiro Fayed Traboulsi. Como negar o óbvio?
Nessa fala, Carlos diz que anda meio afastado, estava se referindo a uma cirurgia para a retirada de onze pedras nos rins, quando passou quase um mês de repouso. Apenas isso. Não existe uma história mirabolante por trás. Carlos só tem o posto, a casa dele e o flat no Brasil 21. Não somos como o Fayed, que tem até iate. Não ostentamos.

Por que nas conversas telefônicas só se tratavam por codinomes? Isso não é coisa de bandido?
(Risos) Não. O pessoal só me chama de Kaká. É apelido.

Mas seu irmão usava Zezé. O que tem a ver com Carlos Habib Chater?
Não sei. É um nome da preferência dele.

Sua família lucrou muito com as casas de jogos?
Só deu prejuízo. Tivemos o Bingo da Torre e o Alvorada. Mas, em pouco tempo, precisamos fechar porque a atividade foi proibida. Você não imagina o que é contratar 120 funcionários e, da noite para o dia, ser obrigada a dispensar todo esse pessoal. Nosso passivo trabalhista explodiu.

Qual é a relação da família com Alberto Youssef?
Quando a coisa apertava era o Beto que, de vez em quando, acudia a gente. Só que eu nunca soube algo sobre o trabalho dele. Nem sabia que o Beto era o Alberto Youssef. Fui descobrir quando ele começou a aparecer na televisão.

Como definiria o seu irmão Habib Chater?
É uma pessoa dócil e de hábitos muito simples. Pacato, ele não gosta de festas e não frequenta a sociedade. Vive para a família e para o trabalho. Acordava com as galinhas e costumava ficar naquele posto das 7 da manhã às 7 da noite. Nunca viajou na classe executiva, acredita? Jamais se alterou com alguém. A simpatia dele desarma. Eu diria que ele é uma moça. O que estão fazendo com meu irmão é dar um tiro de canhão numa formiga. Tratar a gente como família de mafiosos não tem o menor cabimento.

A senhora tem visitado o seu irmão na cadeia?
Muitas vezes. Somos como unha e carne. Eu sempre cuidei de vários assuntos pessoais do Carlos, até do plano de saúde dele. Levei para ele toda a coleção do Ken Follett e alguns livros daquele russo, o...

Dostoiévski (autor de Crime e Castigo)?
Isso. Dostoiévski. Ele está adorando.

Considera-se rica?
Rica de parar de trabalhar, não. A gente leva uma vida honesta, mas, ultimamente, o negócio está muito difícil. O dinheiro entra e os bancos já recolhem na fonte. Como dizem por aí, estamos vendendo o almoço para comprar o jantar.





Endereços suspeitos 

Locais que abrigaram transações de câmbio e jogos de azar sob a administração dos Chater 



(Foto: Wellington Nemeth)

Antes de pertencer a Habib Chater, o Posto da Torre, no Setor Hoteleiro Sul, foi de Aziz, tio do doleiro. No início dos anos 2000, com a morte dele, o sobrinho assumiu e ampliou esse estabelecimento, que se tornou um dos endereços mais movimentados no universo do câmbio clandestino brasiliense. 



(Foto: Michael Melo)

Vizinho do Posto da Torre, o terreno que hoje abriga a churrascaria Fogo de Chão já esteve ligado aos negócios dos Chater. Ali funcionava o Bingo da Torre, casa de apostas que tinha como ponto alto as máquinas caça-níqueis. 



(Foto: Michael Melo)

André Luís Paula dos Santos, uma espécie de carregador de malas de Habib Chater, integra a sociedade da Árabe Mercearia Brasil 21. A loja foi beneficiária de depósitos vultosos efetuados pelo doleiro. Depois da Lava-Jato, o empório situado no Brasil 21 mudou de nome. 



(Foto: Michael Melo)

Entre as empresas ligadas aos Chater consta o Posto do Recanto das Emas, cuja propriedade foi repassada a Márcia Regina Traboulsi, mulher do doleiro Fayed Traboulsi. Desde que Habib Chater saiu do negócio, porém, o posto continuou sob a administração do laranja Ediel Viana. 



(Foto: Michael Melo)

O Bingo Alvorada, hoje sede da boate Asiático, também pertenceu a Habib Chater. Esse extinto ponto de jogos, na frente do shopping Liberty Mall, não durou muito. Em fevereiro de 2004, o governo federal proibiu a operação de casas desse tipo. 




(Ilustrações das fotos: Kácio Pacheco)

Laranjal carregado

Familiares e funcionários eram usados no esquema

1 - Dalmo Pitão
Foi caseiro e hoje trabalha como motorista da família de Habib Chater. Morador de Samambaia, ele figura como sócio da mulher do patrão na Torre Comércio de Alimentos, firma na qual tem participação de 91%. 

2 - Dinorah Abrão
Mulher de Habib Chater, aparece como sócia dele em três empresas. Em depoimento à polícia, no entanto, Dinorah disse que o marido é quem de fato gerencia os negócios da família. 

3 - Ediel Viana
Ex-funcionário do Posto da Torre e considerado braço-direito do doleiro, tem em seu nome uma padaria no Rio de Janeiro e sete lavanderias em Brasília, além de uma prestadora de serviços, a Angel. As firmas serviram como empresas de fachada para operações financeiras clandestinas lideradas por Habib Chater. 

4 - Luciana Silva
Ex-mulher de Ediel, ela integra o quadro societário da Angel e, assim como o ex-marido, trabalhou no Posto da Torre. A Angel teve papel fundamental nas investigações. A partir dessa firma, os policiais descobriram o vínculo com uma empresa de fachada ligada a laranjas do ex-deputado falecido José Janene. 

5 - Helton Rodrigo 
Era um dos motoristas do Posto da Torre. Em nome dele, a polícia descobriu um depósito da Dunel Indústria e Comércio Ltda., empresa que recebeu aporte financeiro também por meio de laranjas de José Janene.

6 - Magna Gean
Trabalhou como gerente no Posto da Torre e, junto com o marido, Gilson Ferreira, é sócia da Angel, empresa de Ediel Viana.



Clã em festa: o patriarca Salim El Chater (o primeiro à esq.), com a mulher, Maha (de cabelos vermelhos), as filhas, Eliane, Kátia e Micheline, e os filhos, Habib Filho (no centro) e Habib Chater (Foto: Arquivo pessoal)



A residência do motorista Dalmo Pitão, em Samambaia, e a mansão do casal Dinorah e Habib Chater, no Lago Norte: o funcionário e Dinorah são sócios; ele com 91% das ações, ela com 9% (Fotos: Michael Melo e Roberto Castro)


Fonte: Revista Veja Brasília -  por Lilian Tahan

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