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18 ANOS DE FAIXA » A maioridade de uma lei cidadã


Criada a partir do clamor popular diante dos acidentes de trânsito na década de 1990, a lei da faixa de pedestre tem ajudado a salvar vidas e se tornou motivo de orgulho para o brasiliense. Mas ainda há muito a fazer. Em quase duas décadas, 90 pessoas morreram na travessia

Brasília nasceu monumental. Na imensidão do cerrado, a capital ganhou traçado moderno e amplas avenidas. Abrigou os carros como nenhuma outra cidade brasileira. Na época, houve até quem duvidasse haver um dia veículos suficientes para preencher a quantidade de pistas do Eixão e as seis faixas do Eixo Monumental. Mas levou apenas três décadas para que a convivência no trânsito ficasse completamente saturada. Em 1995, havia por aqui 436 mil veículos. E, naquele ano, 825 pessoas morreram em acidentes — quase metade delas pedestres. Era difícil encontrar alguém que não tivesse perdido um familiar ou um amigo vítima de acidente de trânsito.

A lembrança de Geovanna, a filha perdida na faixa, está tatuada no peito de Butitiere, que segura nos braços Caetano, o bebê que lhe trouxe esperança

Neste 1º de abril, a lei da faixa de pedestres — uma das medidas mais importantes no esforço para reverter as estatísticas avassaladoras e conquistar a civilidade no trânsito de Brasília — atinge a maioridade como um dos símbolos mais fortes de orgulho brasiliense. Apesar de reconhecida nacionalmente, a iniciativa que salva vidas é confrontada pelo descaso do poder público e pelo insistente desrespeito de uma parcela da população. A partir de hoje, o Correio Braziliense publica a série de reportagens Maioridade da faixa de pedestre, que traça uma radiografia desse imprescindível instrumento de segurança no trânsito.


A maior parte das faixas, porém, está apagada porque há mais de oito meses o Departamento de Trânsito (Detran) não renova a sinalização. O envolvimento das escolas públicas e privadas, que no passado foi parte essencial na conscientização da sociedade, resume-se a ações isoladas e esporádicas. As campanhas educativas de massa — de respeito à faixa e à legislação de trânsito em geral — simplesmente foram esquecidas e ocorrem somente em datas festivas.


Quase duas décadas após a promulgação da lei, a maioria dos motoristas respeita a faixa. Também é grande o número de pedestres que não abre mão do direito de atravessar a via em segurança. Mas há abusos de parte a parte. E ignorar a faixa está longe de ser uma “mera” infração. É um ato que tira vidas. Nos últimos 18 anos, 90 pedestres morreram no DF enquanto atravessavam sobre as listras brancas. No pior momento, em 2009, foram 11 vítimas. Números incapazes de expressar a dor de quem perdeu alguém de forma tão absurda e brutal.


Butitiere Fernanda de Assis, 32 anos, ainda chora a morte da filha Geovanna Vitória, atropelada ao atravessar a faixa de pedestres em Planaltina, em 2008. A criança, na época com 5 anos, e a babá foram atingidas pelo veículo conduzido pelo professor David Silva Rocha. Além de desrespeitar o equipamento de segurança, o motorista estava alcoolizado. A lembrança da filha foi eternizada por Butitiere. Ela tatuou o rosto de Geovanna no lado esquerdo do peito.


Este ano, a criança faria 12 anos. Entre lágrimas, Butitiere lamenta que o desrespeito ao próximo seja tão frequente. “As pessoas não respeitam a faixa, assim como ignoram a lei seca. Elas não pensam no próximo nem na imensa dor que podem provocar. Nossa família foi arrasada. Nunca mais fomos os mesmos.” Apesar da imensa dor, Butitiere tenta reconstruir a vida. Ela se casou e, este ano, deu à luz Caetano. Entre seus inúmeros “pavores” está o de não ver o filho crescer. 


Redução no número de mortes

A redução das vítimas de trânsito no Distrito Federal é inegável. Apesar de todos os problemas, o DF fechou 2014 com o índice de 2,6 mortos por 10 mil veículos — média menor que a preconizada pela Organização das Nações Unidas (ONU), de três vítimas por 10 mil carros. E, mesmo com uma frota três vezes e meia maior que a de 1995 — hoje, temos 1,5 milhão de carros, contra 436 mil 19 anos atrás — , no ano passado, 408 pessoas perderam a vida em acidentes. É pouco menos da metade dos mortos de 1995.

Apesar da evolução positiva, ainda há muito a se fazer. Nos últimos 18 anos, não houve um único dia sequer em que uma família não tenha enterrado um parente morto em acidente. A contabilidade chega a 7,9 mil pessoas mortas — sendo 2.683 pedestres, 90 deles mortos na faixa (veja quadro). A sociedade que se antecipou e decidiu dar prioridade para quem caminha ainda carrega nos ombros o peso de fazer dos pedestres 30% de todas as vítimas do trânsito, percentual acima da média nacional, de cerca de 20%.

As autoridades de trânsito do DF desconhecem as razões pelas quais a proporção de pedestres mortos aqui ainda é maior do que a média nacional. “As nossas estatísticas são mais confiáveis do que em outras unidades da federação. Usamos os dados dos mortos no local e também aqueles que vêm a óbito até 30 dias após o acidente. Temos informações mais precisas”, supõe o diretor-geral do Detran, Jayme Amorim.

Também faltam respostas concretas para as fatalidades sobre os retângulos brancos. Uma iniciativa tímida, porém extremamente eficaz, lança alguma luz sobre o tema. Em 2008, um grupo de seis pessoas do Núcleo de Estatística do Detran se debruçou sobre os pontos no DF com mais registros de acidentes de trânsito para descobrir as causas das tragédias. Batizado de  Central de Investigação e Tratamento de Acidentes (Cita), o grupo concluiu que, em algumas das tragédias analisadas, a precariedade de iluminação pública, a necessidade de poda das árvores nas proximidades das faixas e a sinalização ruim contribuíram para os acidentes fatais envolvendo pedestres.

Após implementadas as mudanças sugeridas pela Cita, constatou-se redução significativa das ocorrências. O sucesso da iniciativa gerou a promessa de incremento do grupo, com o aumento de servidores. Na prática, isso nunca aconteceu e, atualmente, a Cita conta com apenas dois servidores.


Fonte: Adriana Bernardes – Fotos: Ronaldo de Oliveira – Correio Braziliense – 29/03/2015

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