As casas de Vicentes Pires contrastam com os prédios de Águas Claras: separados apenas pela Estrada Parque Taguatinga (EPTG)
Águas Claras nasceu de forma
planejada, mas perdeu a característica original. Vicente Pires surgiu da
ocupação irregular. Apesar disso, ambas as cidades acumulam carências que
dificultam a vida dos seus habitantes.
Águas Claras e Vicente Pires
têm histórias de criação distintas. O planejamento de uma se opôs à ocupação
irregular da outra e deixou expostos os contrastes entre as duas regiões
administrativas, separadas por uma via, a Estrada Parque Taguatinga (EPTG). A
cidade vertical foi pensada para ser um vetor de crescimento do Distrito
Federal, permitir a expansão do metrô, ter residências e comércio consolidados
e ser independente do Plano Piloto. Vicente Pires cresceu na ilegalidade, sem
qualquer controle ou fiscalização do Estado e carente de infraestrutura. Nos
últimos 20 anos, porém, as duas sofreram grandes transformações e, hoje,
guardam semelhanças nos problemas diários.
São
comuns, de ambos os lados, queixas sobre trânsito caótico e falta de
equipamentos públicos, como escolas e postos de saúde. Apesar de planejado, o
projeto inicial de Águas Claras não permitia prédios com mais de 12 andares.
Mas há espigões com 35 pavimentos. Uma mudança no Plano Diretor Local (PDL) da
região, para atender demandas de outras localidades como Taguatinga, no entanto,
permitiu que a cidade se transformasse em um paliteiro. O tecnólogo em recursos
humanos Carlos Neto Santos, 41 anos, credita o problema no tráfego a essa
transformação. “Dependendo do horário, pego engarrafamento na saída da
garagem”, queixa-se.
Carlos viu
Águas Claras se desenvolver nos últimos anos e, consequentemente, percebeu os
problemas inerentes ao crescimento. Apesar de se mudar em 2002 para lá,
acompanha as transformações desde 1996, com o início da construção do prédio
onde mora. “Estamos bem abastecidos na área de lazer, temos parque, shoppings,
bares e restaurantes, além de bons supermercados. Contudo, a cidade não conta
com estacionamento, não há rede de galerias pluviais nem posto de saúde”,
aponta.
“Venderam qualidade de vida, colocaram o dinheiro no bolso e foram
embora”, conclui.
Para o
presidente da Associação dos Moradores de Águas Claras Vertical, José Júlio de
Oliveira, o governo não conseguiu acompanhar o inchaço da cidade. “A RA tem
sérios problemas de ordem urbanística. Falta estacionamento, e o metrô não
atende mais a todos em virtude do adensamento rápido”, critica. Ele lembra,
porém, o comércio pujante e o polo gastronômico. “Nessa parte, desenvolveu-se
muito. Vemos que pessoas de outras cidades, como Vicente Pires, vêm até aqui em
busca desses serviços, mas não acredito que haja uma dependência entre as
duas”, finaliza.
Ilegalidade
O baixo
valor oferecido pelos terrenos de Vicente Pires décadas atrás fez com que pouca
gente se interessasse em investir na região. À época, dezenas de milhares de
reais eram suficiente para garantir, pelo menos, um hectare de terra. Os tempos
mudaram e, quem garantiu o quinhão hoje pode estar milionário. Para se ter uma
ideia, é possível fracionar uma dessas chácaras em até quatro condomínios, com cerca
de 200 casas.
Mas a
ocupação desenfreada trouxe graves problemas para a cidade. Ruas foram abertas
e asfaltadas pela própria população. Por isso, durante o período chuvoso, as
vias ficam esburacadas e tomadas pela lama. Falta infraestrutura. O esgoto corre
a céu aberto; o transporte é precário; e o terreno, sensível, do ponto de vista
ambiental. Obras ou reformas não são permitidas, mesmo que apareçam com
frequência. Prédios de até seis andares não param de surgir na paisagem,
agravando ainda mais o cenário caótico.
Na
Chácara 336, uma das maiores da cidade, com cerca de 7 hectares e um valor de
mercado estimado em R$ 7 milhões, resiste o casal Edileuza Reis Fonseca, 61
anos, e Franklin Roosewelt Fonseca, 68. Eles não têm acesso a água potável nem
a saneamento básico. A energia elétrica só chegou há pouco mais de uma década,
26 anos depois de o terreno ser comprado. “A cidade não é muito valorizada.
Tudo aqui é demorado, e o serviço não é de qualidade”, comenta Edileuza. O
terreno fica ao lado de casas de alto e médio padrão. “Isso aqui na frente é
tudo invasão. Tínhamos uma nascente de água limpa, um poço e até cachoeiras,
mas, agora, está tudo poluído. O pessoal joga esgoto dentro da minha casa”,
reclama.
A
expansão desordenada preocupa quem mora na região. “Quando esses prédios (em
obras) forem habitados, não teremos mais como andar lá dentro. O governo fez
vista grossa para essas construções. Fomos esquecidos”, lamenta o presidente da
Associação de Moradores de Vicente Pires (Amovipe), Gilberto Camargo. Além da
precariedade de alguns serviços, ele acredita que as deficiências de Águas
Claras afetam ainda mais Vicente Pires. “Eles têm problemas de mobilidade
seriíssimo, e isso reflete aqui. Os moradores de lá passam por aqui para chegar
em casa”, conclui.
Águas
Claras
A cidade surgiu na década de 1990 como um bairro de Taguatinga, conforme a Lei Distrital nº 385. Foi criada em função da expansão do metrô e como parte de um projeto de crescimento do Distrito Federal. Até hoje, no entanto, não tem a poligonal definida. Região administrativa desde 2003, abriga hoje os bairros de Arniqueira, Areal, Vereda da Cruz, Vereda Grande e uma Área de Desenvolvimento Econômico.
População Renda Renda Domicílios Domicílios em
domiciliar per capita área irregular
118.864 R$ 9.619,64 R$ 3.158,29 38.401 6.699
Vicente Pires
A região começou a ser habitada por fazendeiros em 1970. Um convênio entre a Fundação Zoobotânica e o GDF permitiu contratos de uso do solo com os moradores para a produção agrícola. Cerca de 360 chacareiros foram beneficiados à época. Esses documentos tinham prazo de 30 anos. Nas últimas duas décadas, no entanto, a cidade começou a perder a característica rural. As chácaras foram parceladas e deram lugar a condomínios irregulares.
População Renda Renda Domicílios Domicílios em
domiciliar per capita área irregular
72.415 R$ 7.452,58 R$ 2.075,47 19.690 17.245
Fonte: Pesquisa Distrital por Amostra de Domicílios 2013/14 da Codeplan.
Fonte: Thaís Paranhos –
Bernardo Bittar – Correio Braziliense – 28/03/2015