Residencial no Top Life: 2 700 unidades prontas, mas pendentes para o GDF (Fotos: Michael Melo)
Em Taguatinga, a segunda maior região administrativa do DF, quase 9 000 famílias estão impedidas de se mudar para o imóvel novo por causa da burocracia
O término da
construção de um imóvel é uma etapa comemorada por construtoras e compradores.
Em alguns endereços do Distrito Federal, no entanto, esse momento tem causado
decepção e prejuízo, tanto para quem vendeu quanto para quem comprou. Um
levantamento feito pela Associação de Empresas do Mercado Imobiliário do DF
(Ademi-DF) aponta que, só em Taguatinga, há 8 816 salas e apartamentos prontos,
mas não formalmente entregues a seus proprietários por falta do habite-se.
Esse documento
faz parte do último estágio de uma caminhada que se inicia com o alvará de
construção e, muitas vezes, torna-se uma via-crúcis para o empresário, que
precisa vencer obstáculos burocráticos até obter todas as licenças para
legitimar seu negócio. Embora essas fases sejam consideradas um sacrifício
pelos empreendedores, o governo e o Ministério Público defendem a ideia de que
elas são fundamentais para expurgar vícios de construção e garantir direitos
aos cidadãos. Com um ponto, entretanto, todos concordam: a demora na execução desse
processo prejudica as duas partes envolvidas na dinâmica do desenvolvimento
econômico.
O caso de Taguatinga é o
retrato em cores berrantes de um cenário que se repete em todo o DF. Na segunda
cidade mais populosa da capital, sete empresas de grande porte estão com
milhares de imóveis empatados por falta de habite-se (veja o quadro na pág. ao lado). São salas comerciais
e apartamentos cuja interdição afeta a vida de quase 40 000 pessoas. De acordo com o levantamento da Ademi-DF, a MRV é a construtora com o
maior número de unidades prontas sem o habite-se. São 3 100 moradias entre os
empreendimentos Top Life e Altos de Taguatinga. “Nosso prejuízo é enorme,
principalmente para a imagem da empresa, já que muitos clientes não entendem o
motivo do atraso na entrega dos imóveis”, afirmou o corpo diretivo da MRV em
nota.
Embora o trâmite de legalização
do Top Life não tenha sido concluído, alguns moradores já ocupam o local. “A
existência de um papel não faz diferença. Ficaria muito chateado se eu tivesse
de pagar aluguel com a minha casa pronta”, diz o funcionário público Percy
Souza. Ele e a mulher, Agda, casaram-se em fevereiro e, na mesma época,
receberam as chaves da construtora, que assumiu os riscos de liberar o
apartamento antes do habite-se. Entre as possíveis consequências estão a
aplicação de multa à empresa e até a demolição do prédio.
Percy e Agda: mudança para o
prédio antes da emissão do habite-se
Para vários compradores, porém,
a iniciativa de Percy e Agda não se aplica. Há proprietários que pretendem
alugar seu imóvel. Nesse contexto, os prejuízos são imediatos. Caso, por
exemplo, do advogado Bernardo Botelho. Ele comprou duas salas e quatro garagens
numa torre comercial do Shopping JK, construído pela Paulo Octávio. A ideia era
incrementar a renda a partir da locação desses espaços. “As pessoas jurídicas
exigem o habite-se para a formalização do negócio. Isso me impediu recentemente
de fechar um contrato”, conta o advogado. Diretor de engenharia da Paulo
Octávio, Marcílio Bione culpa o poder público pelo desajuste na entrega dos
imóveis. “O erro do governo é aprovar os projetos e depois mudar as regras no
meio do jogo”, considera.
A promotora de
Justiça Maria Elda se soma aos que criticam a demora da máquina pública em
desenrolar a burocracia no setor imobiliário. Maria Elda, entretanto, alerta
para o que considera um exagero no discurso de vitimização dos empresários. “Há
vários exemplos de empreiteiras que deixam de cumprir suas obrigações legais e
depois tentam legitimar o processo na marra”, afirma a promotora, que atua na
área de defesa da ordem urbanística da capital. Entre os casos mais comuns
estão os que envolvem o relatório de impacto de trânsito (RIT). Segundo Maria
Elda, as medidas compensatórias e mitigadoras advindas do RIT têm sido, muitas
vezes, ignoradas pelos empresários. Ela lembra que, em setembro, o GDF publicou
um decreto que exime as empreiteiras de apresentar o documento. Mas ressalta
que a medida foi contestada pelo Ministério Público e considerada ilegal pela
Justiça.
Destacado para tentar resolver
esse impasse, o vice-governador Renato Santana admite a ineficiência do Estado
em dar respostas mais rápidas à sociedade para combater a burocracia. “Essa
situação representa um grande freio no desenvolvimento da cidade, mas a
morosidade do governo não pode virar desculpa para o empresário construir na
ilegalidade”, alerta Santana. Ele afirma que o GDF organizou uma fo-rça-tarefa
para cuidar da demanda reprimida, tanto da emissão de alvarás quanto da entrega
de habite-se. O vice-governador verbalizou o que considera a gênese dessa
demora, que traz prejuízos milionários a empreendedores, cidadãos e até ao governo — só no caso dos imóveis de
Taguatinga, o DF deixou de arrecadar 104 milhões de reais em impostos. “A
burocracia é irmã siamesa da corrupção”, diz Santana. A história recente
ilustra o discurso dele. Em 2013, o então administrador de Taguatinga, Carlos
Alberto Jales, foi preso sob a acusação de fraudar licenças de construção
naquela cidade.
Fonte: Por Lilian Tahan - Revista Veja Brasília