Num duro editorial, a Folha de S. Paulo dispara
contra o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, que, há mais de
um ano, impede que uma decisão da própria corte sobre o fim do financiamento
empresarial de campanha seja implementada; segundo a Folha, Gilmar
"manobra para fazer sua posição individual prevalecer sobre a do
colegiado"; texto diz ainda que Gilmar viola as regras do próprio STF
Até a Folha de S.
Paulo perdeu a paciência com o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal
Federal, que há mais de um ano trava um processo do Supremo Tribunal Federal,
já decidido por 6 votos 1, que impede o financiamento empresarial nas próximas
eleições. Segundo a Folha, Gilmar viola as regras do tribunal e tenta impor um
poder de veto que não tem sobre uma decisão do colegiado.
Vista não é veto
Gilmar Mendes,
assim como outros ministros do STF, manobra para fazer sua posição individual
prevalecer sobre a do colegiado
O regimento interno
do Supremo Tribunal Federal é bastante claro: "Se algum dos ministros
pedir vista dos autos, deverá apresentá-los, para prosseguimento da votação,
até a segunda sessão ordinária subsequente". Em geral, uma ou duas
semanas, no máximo.
Gilmar Mendes
naturalmente conhece a regra, mas dá de ombros para ela --assim como costumam
fazer os membros do STF. Há mais de um ano seu pedido de vista interrompeu o
julgamento sobre financiamento empresarial de campanhas eleitorais, e suas
declarações recentes sugerem que o ministro não pretende liberar o processo
para exame dos colegas.
Fica suspenso,
assim, um debate na prática já decidido pela maioria. Faltando apenas quatro
votos, o placar está 6 a 1 a favor de proibir doações de pessoas jurídicas --interdição
da qual Mendes discorda e que, para ele, só poderia ser imposta por lei
aprovada no Congresso.
Como apontaram
Diego Werneck Arguelhes e Ivar A. Hartmann em artigo publicado na seção
Tendências/Debates (15/4), a atitude de Mendes desvirtua um instrumento que
deveria ser utilizado apenas quando o magistrado precisasse estudar um assunto
de forma mais detida.
Em vez disso, a
ferramenta transformou-se num "poder unilateral de veto não previsto"
pela legislação, nas palavras dos dois professores da FGV Direito Rio.
De acordo com eles,
a prática é disseminada. Nos pedidos de vista, quase 80% dos autos são
devolvidos fora do prazo; o entreato, nesses casos, dura em média 443 dias.
E mais: após
analisarem dados do projeto Supremo em Números, Arguelhes e Hartmann sustentam
que esse intervalo não guarda relação com carga de trabalho ou índices de
eficiência dos gabinetes.
Quanto a isso, o
ministro Gilmar Mendes deu declaração esclarecedora. Pressionado por setores
que defendem o fim das doações de empresas, disse não estar preocupado com a
opinião pública e afirmou ser necessário que um juiz "tenha coragem de
pedir vista". Ou seja, de bloquear a decisão sobre o tema.
Pode-se,
obviamente, divergir da maioria dos ministros. Diga-se, aliás, que esta Folha já argumentou que seria melhor
haver um limite absoluto para as contribuições eleitorais de pessoas jurídicas;
a proibição dificilmente será efetiva e pouco fará pela transparência do
financiamento de campanhas.
A posição
individual de Mendes, porém, não pode prevalecer sobre a do colegiado --e não
deixa de ser curioso que o ministro valorize as atribuições do Congresso, mas
viole as regras do próprio STF.
Só há uma maneira
de impedir a repetição desse hábito indevido: é preciso mudar o regimento do
Supremo, criando mecanismos que garantam não só a devolução dos autos no prazo
mas também a pronta retomada do julgamento.
Resta saber que
ministro terá coragem de levantar essa bandeira.
Fonte: 247