Luciana Barreto já andou de bicicleta em várias capitais e, para ela, a diferença está na conscientização de que ciclistas e motoristas devem se respeitar
Especialistas e militantes apontam que é necessária a mudança
de mentalidade da população e do governo em relação aos transportes
alternativos. Construção de viaduto no Sudoeste, por exemplo, desconsidera as
ciclovias
O Distrito Federal tem 411km de ciclovias, mas não é
considerado pelo brasiliense uma região amigável ao uso de bicicletas. A falta
de investimento em políticas públicas para o meio de transporte alternativo é o
principal problema. Mas a lista de reclamações inclui a falta de placas e a sinalização
em desacordo com o Código de Trânsito Brasileiro nas ciclovias; os trajetos
malconservados e muito mais longos que o dos carros; e a ausência dessas vias
nas principais pistas de velocidade que ligam as regiões administrativas. O
maior exemplo vem com a construção do viaduto que ligará o Sudoeste ao Parque
da Cidade, que não foi pensado com acesso a pedestres e ciclistas (Veja matéria
abaixo). Especialistas de trânsito e militantes apontam que a forma de pensar
os projetos de trânsito é anacrônica: leva a mais gastos, não resolve os
engarrafamentos e prioriza o carro particular.
Pedestres e ciclistas dividem os trechos e trazem perigos para os dois lados
Espaços feitos de qualquer jeito: ciclovia no Sudoeste termina no meio do percurso
A
funcionária pública Luciana Barreto, 30 anos, usa a bicicleta como meio de
transporte para ir ao trabalho, na Esplanada dos Ministérios. Ela já pedalou em
locais como Inglaterra e Holanda e diz ser impossível não comparar as
experiências. Em Amsterdã, por exemplo, ela conta que não há tantas ciclovias
como no DF, mas motoristas e ciclistas compartilham o asfalto respeitosamente.
“As ciclovias são importantes nos trechos de ligação. Não precisamos desses
trechos em vias de 40km por hora, como ocorre nas entrequadras do Plano Piloto.
O que falta é educação. São coisas simples, como o motorista respeitar o espaço
de 1,5m entre carros e bicicletas”, explica.
O
desconforto entre ciclistas e governo ficou ainda mais claro no passeio
ciclístico promovido pela organização não governamental Rodas da Paz que, sem
apoio de autoridades, reuniu 10 mil pessoas no domingo. Os manifestantes pediam
a aplicação da Lei Distrital nº 3.639, de 2005, que exige as vias exclusivas
ligando cidades do Distrito Federal, aprovada há 10 anos. Presidente da ONG,
Renata Florentino explica que os militantes lutam por melhores infraestrutura,
fiscalização e educação. “Quando falamos do desenho da cidade, falamos das
novas obras que o GDF anunciou. Brasília tem um espaço viário generoso. E as
pessoas acham que quanto mais espaço para os carros, menores serão os
congestionamentos. Isso não corresponde à realidade”.
A Rodas
da Paz pediu ao governo os dados das velocidades médias das vias monitoradas
por radares. A intenção é comparar os dados com as metas de redução que
justificariam novas obras e questionar os projetos da forma como são pensados,
a fim de colocá-los em acordo com a Política Nacional de Mobilidade Urbana
(veja O que diz a Lei). A organização não obteve resposta.
É comum
que o GDF inclua ciclovias nos projetos, mas não as construa com o restante da
obra. No papel, a via exclusiva é pensada como um trajeto secundário. Na nova
Ponte do Bragueto, por exemplo, para o ciclista deixar a 216 Norte e cruzar o
trecho, percorre 1,4km, contra meros 800m dos carros. O presidente do Instituto
de Segurança no Trânsito (IST), David Duarte Lima, lembra que qualquer obra
pensada pelo governo deveria priorizar o transporte coletivo e o acesso a
pedestres e ciclistas. “Fazemos obras públicas de mobilidade atrás de um
volante. Não pensamos em pedestres, ciclistas ou ônibus. E não existe solução
individual no trânsito”, alerta.
Coordenadora
de Sustentabilidade da Secretaria de Mobilidade do DF (Semob), Cecília Martins
é realista ao falar dos problemas enfrentados por ciclistas no DF, mas aponta
que a mentalidade do governo e da população está mudando. Ela ressalta que a
Semob realiza encontros periódicos com ciclistas para discutir as necessidades
do meio de transporte alternativo. “No início, as ciclovias foram pensadas para
lazer, e não para deslocamento. Por isso, os trajetos ficaram mais longos. Mas
vivemos, agora, uma mudança de cultura”, adianta. “Por isso, trabalhamos a
educação com uma campanha que informa que a bicicleta é um veículo e pode
transitar na via. Temos uma malha cicloviária grande e temos que trabalhar as
interseções entre os trechos também. Claro que não dentro da velocidade que a
população espera e merece. Mas nossa intenção é fazer o mais rápido possível, e
estamos abertos para receber especialistas, a comunidade”.
O que diz a lei - Prioridade aos não motorizados
Mais conhecida como Política Nacional de Mobilidade Urbana, a Lei nº 12.587, de 3 de janeiro de 2012, tem como objetivo integrar os meios de transporte e, consequentemente, melhorar a acessibilidade e mobilidade dentro das cidades. A missão principal é garantir que toda a população tenha condições de acessar qualquer ponto das regiões administrativas e da capital federal. No texto do artigo 6º fica definida a prioridade “dos modos de transporte não motorizados sobre os motorizados, e dos serviços de transporte público coletivo sobre o transporte individual motorizado”.
Obra pensada sem ciclovia
O viaduto que ligará o Sudoeste ao Parque da Cidade evidencia
a maneira como o Poder Público pensa os projetos sem levar em conta a Política
Nacional de Mobilidade Urbana, isto é, garantindo a mobilidade de pedestres e
ciclistas em primeiro lugar. O elevado promete aliviar o trânsito de veículos
motorizados da Estrada Parque Indústrias Gráficas (Epig), por exemplo, mas não
conta com via exclusiva para quem pedala e prejudicaria a continuidade de uma
ciclovia que ligasse a Estrada Parque Taguatinga (EPTG) ao Eixo Monumental. A
obra foi orçado em R$ 20,6 milhões — o Executivo arcará com R$ 3,7 milhões e o
restante virá da Caixa Econômica Federal. O processo está em licitação e deve
terminar em 2016.
O projeto
faz parte do conjunto de alterações do chamado Corredor Oeste, que liga
Samambaia, Ceilândia, Taguatinga e Guará ao Eixo Monumental. O presidente do
Instituto de Segurança no Trânsito (IST), David Duarte Lima, critica o viaduto
da Epig por não ter sido pensado também do ponto de vista de quem pedala. “É
inútil o governo tentar melhorar a mobilidade dos carros sem mudar a cultura do
brasiliense e elevar a qualidade e o uso do transporte público. Onde estão o
transporte público de qualidade e outras obras de mobilidade?”, questiona.
Presidente da Organização Não Governamental (ONG) Rodas da Paz, Renata
Florentino concorda. “Se conseguirmos a implementação das ciclovias na EPTG,
ela ficará sem continuidade ao chegar na Epig. A obra (da Epig) terá que
incluir uma ciclovia e vai ficar mais cara”, aponta.
O
subsecretário de Projetos da Secretaria de Infraestrutura e Serviços Públicos,
Walder Suriani, admite que as obras, inicialmente, não incluíram as ciclovias.
Segundo ele, há um projeto à parte, mas já existem trechos para ciclistas no
Sudoeste — às margens da Epig e dentro da cidade. “O projeto desafoga o
trânsito para a Epig, para o Sudoeste e para o Cruzeiro. Ele prevê uma faixa
exclusiva para ônibus nesse trecho da Epig. Temos a ciclovia paralela, no
Sudoeste, e algumas passagens subterrâneas de pedestres que construiremos
próximo ao Setor de Indústrias Gráficas (SIG). Esse viaduto faz parte de um
conjunto de obras do Corredor Oeste, e não integra as ciclovias.”
Fonte: Luiz Calcagno – Correio Braziliense – Fotos: André
Viollati- Especial C.B./D.A. Press- Bruno Peres C.B/D.A. Press – Gustavo Moreno
C.B/D.A. Press.