Ao lado da recessão econômica que assola o país
e que, segundo os entendidos, deverá estender seus efeitos perversos por pelo
menos mais dois anos, a retração nos incentivos para projetos culturais de toda
ordem foi sensivelmente sentida pelo setor.
Para as
áreas que tradicionalmente sempre dependeram dos recursos públicos, o
ressecamento da fonte de incentivos para a cultura, oriundos de estatais como a
Petrobras, é quase total, principalmente depois de deflagrada a Operação
Lava-Jato, que ainda esmiúça os negócios da empresa. Também as empreiteiras
que, aqui e ali, patrocinavam projetos, sob a bênção da Lei Rouanet, suspenderam
os repasses pelo menos enquanto não cessar o efeito dominó provocado pela
operação policial.
O
carnaval de Salvador, vitrine do estado para o turismo, viu o enxugamento de
verbas reduzir de R$ 10,5 milhões, em 2014, para R$ 2,3 milhões neste ano. Nem
a crise internacional de 2008, que ameaçava o capitalismo ocidental, abalou os
projetos de mecenato para a cultura. Durante aquele período, ainda permanecia a
visão estratégica da Petrobras de que o patrocínio à cultura agregava reputação
e valor simbólico à marca. Hoje, a realidade é outra. Apanhada na baixa da
maré, nadando sem calças, a petrolífera, que já compôs, ao lado da Caixa
Econômica e do Banco do Brasil, o trio de ouro do incentivo à cultura
brasileira, amarga dias de angústia, com a perda significativa do próprio valor
— também de mercado. Pior é que o que acontece hoje com a estatal do petróleo
ameaça ocorrer com a Caixa e com o BB, quando forem submetidos à lupa da
Justiça, por conta das investigações que se aproximam, cada vez mais, dos fundos
de pensão.
Não
bastassem as más notícias para o mundo da cultura nacional, o Banco Nacional de
Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), que em 2014 foi o maior investidor
da Lei Rouanet, com R$ 54 milhões, passou a integrar o rol de instituições sob
suspeita, transformando-se agora no mais novo alvo da CPI aprovada no âmbito da
Câmara dos Deputados. Se nas ditaduras a verdade é a que primeiro perece, nas
economias que abraçam o capitalismo, a cultura é logo vitimada, assim que a
crise e a polícia tocam a campainha da porta do Estado.
A frase que foi pronunciada
“Já
vi uma moça, uma linda moça, que dos treze aos vinte e dois
anos sonhava em ser mulher e, daí por diante, desejava ser homem.”
(Jean de la Bruyere)
Fonte: Circe Cunha – Coluna: “Visto, lido e ouvido” – Ari Cunha
– Correio Braziliense – Foto: Google