Na Rodoviária do Plano Piloto, até há um bicicletário, mas os suportes não têm proteção contra o Sol
A falta de bicicletários e de paraciclos tem motivado a ação
de bandidos. Criada há dois anos, lei que determina a instalação desses locais
em estabelecimentos do DF ainda aguarda regulamentação. Enquanto isso,
ciclistas amargam prejuízos
Quando guardou a bicicleta nos paraciclos do Instituto
Central de Ciências Norte (ICC) da Universidade de Brasília (UnB) para assistir
a mais uma aula, o estudante Tales Ferreira, 23 anos, não imaginava que
voltaria para casa a pé. “Eram 14h quando cheguei. Assim que a aula acabou, por
volta das 16h30, voltei para buscá-la e já não estava mais lá”, lembra o jovem
sobre o furto do seu meio de transporte. Para ele, a falta de um local mais
seguro para guardar bicicletas na instituição foi um dos principais motivos
para o crime. “Um bicicletário de verdade precisa de segurança. O local onde
guardamos as bicicletas no ICC fica distante do campo de visão de qualquer
funcionário. Nem todos os professores deixam que você as leve para a sala de
aula. Acaba sendo um risco.”
Não é
somente na universidade que manter as magrelas longe da ação de bandidos tem
sido missão cada vez mais difícil. Apesar de aprovada em 2012, a Lei nº 4.800,
que determina a instalação de bicicletários e paraciclos em diversos
estabelecimentos do DF (leia O que diz a lei), ainda não tem uma regulamentação
definida. De acordo com informações da Secretaria de Mobilidade (Semob), sem
algumas diretrizes — que envolvem aspectos como quantidade de vagas e com quem
fica a responsabilidade pela segurança das bicicletas —, fica impossível
garantir a fiscalização necessária. Ainda assim, a pasta assegura que
apresentou à Novacap um edital com o estudo de demanda de paraciclos, e aguarda
recurso para implementá-los em áreas públicas. A previsão é que 7 mil deles
sejam instalados em 26 cidades do DF.
" Nunca tive problema aqui na feira (do Guará), mas uso bicicleta para tudo, e não é fácil encontrar um local para guardá-la" . (Nilza Silva de Oliveira, vendedora)
A coordenadora geral da ONG Rodas da Paz, Renata Florentino,
afirma que essa medida já é um avanço e um começo para que os bicicletários
possam ser instalados de forma correta. “Cada um tem características próprias.
O que é colocado em locais de trabalho deve oferecer suportes, como chuveiro
para os funcionários. Os de condomínios têm regras de uso comum exclusivas. E
os de espaços públicos precisam ser instalados em locais seguros.”
Segundo
Renata, a segurança em bicicletários públicos deve ser compartilhada. Em
relação ao poder público, esses espaços precisam se localizar em áreas de
grande visibilidade, com sinalização indicativa e, de preferência, com
cobertura. “Já os ciclistas devem ficar atentos à forma como prendem a
bicicleta, sempre fazendo com que a corrente pegue tanto o pneu quanto o
quadro. É preciso também investir na trava: ela deve custar entre 10% e 20% do
valor da bike.”
Mesmo com
todos esses cuidados, o servidor público Marcelo André Júnior, 39, teve um
prejuízo de R$ 7 mil quando sua bicicleta foi roubada no bicicletário do antigo
prédio onde morava, no Guará I. “Ela ficava guardada no meu apartamento, mas
tive que tirá-la durante uma reforma. Mesmo com o bicicletário tendo duas
grades e a bicicleta, travas, eles conseguiram levar a minha e a da minha
filha.” Um ano e meio depois do crime, Marcelo ainda não conseguiu comprar
outra bike da mesma qualidade. Para ele, que pedalava tanto em trilhas quanto
para ir ao trabalho, a insegurança está presente até mesmo quando a bike está
guardada. “Pretendo comprar uma nova, mas é um risco.”
"Um bicicletário de verdade precisa de segurança. O local onde guardamos as bicicletas no ICC fica distante do campo de visão de qualquer funcionário" . (Tales Ferreira, estudante da UnB)
Segurança
A
discussão não fica apenas na vulnerabilidade desses espaços. A pesquisa Debaixo
do Bloco: os Pilotis, da arquiteta Cristina de Oliveira, professora da UnB,
constatou que 56% dos quase 400 blocos analisados nas asas Sul e Norte ainda
não têm bicicletários. De acordo com a Agência de Fiscalização do Distrito
Federal (Agefis), no próximo mês, será realizada uma fiscalização que vai
abordar todas as áreas tombadas e os bens públicos do DF. A partir dela, serão
feitas ações efetivas para cada caso especifico de alteração no projeto
original da cidade. “No exemplo dos bicicletários, a Agefis esclarece que cada
caso deve ser analisando, pois alguns têm autorização da Administração Regional
para sua permanência. As ações de rotina continuam no Plano Piloto até o inicio
da operação”, explica, em nota.
Muitos
síndicos não querem esperar as decisões do órgão. José Nazareno Farias Martins,
que chefia um bloco na Quadra 114 Norte, garante que a obra de mudança do
bicicletário está programada. Atualmente, elas são guardadas na lateral do
prédio. Porém, duas vagas da garagem serão usadas para mudar a situação. “O
bandido sabe que há bicicletas, mas elas ficam mais protegidas na garagem.”
Para Nazareno, que é membro do Sindicondomínio, a alteração exige que os
porteiros fiquem mais atentos e os ciclistas respeitem as regras.
“O
porteiro deve ficar de olho sempre que um carro chega na garagem, para evitar
que algum estranho entre. Mas cada condomínio deve estabelecer suas
diretrizes.” Outras regras determinadas no bloco é de que nenhum visitante
poderá guardar as bikes na garagem e todas elas devem ser identificadas com o
número do apartamento. Nazareno afirma que as medidas foram aceitas por todos
os condôminos, principalmente porque, hoje em dia, muitos deles usam as
bicicletas como meio de transporte. “E investem muito nisso. Há alguns modelos
aqui que custam mais de R$ 8 mil.”
Levantamento
De acordo
com a Rodas da Paz, há 106 pontos em que os ciclistas podem guardar as
bicicletas no DF, entre paraciclos e bicicletários. Nilza Silva de Oliveira,
vendedora de 37 anos, guarda a sua todos os dias na Feira do Guará. Ciclista
frequente, ela reclama que ainda são poucos os locais, diante da quantidade de
usuários. “Nunca tive problema aqui na feira, mas uso bicicleta para tudo, e
não é fácil encontrar um local para guardá-la.” Na Rodoviária do Plano Piloto,
os suportes não têm proteção contra o Sol, mesmo que estejam em um local
visível.
Um dos
maiores shoppings da cidade oferece o serviço de forma gratuita para os
usuários, mas o bicicletário fica após o estacionamento de carros. Mesmo assim,
por conta dos seguranças contratados, ele é um dos mais seguros do DF. Somar os
riscos ao preço tem feito muita gente procurar seguros para as bikes. De acordo
com Sérgio Henrique Magalhães, diretor comercial de uma seguradora de Brasília,
é preciso analisar a apólice: se a bicicleta foi levada de um bicicletário ou
paraciclo, o seguro não cobrirá. “Em casos assim, o objeto ficou na mão de
terceiros.” Ele garante que, em média, o preço cobrado fica entre 6% e 7% do
valor da bike.
O que diz a lei?
De acordo
com a Lei nº 4.800, de 29 de março de 2012, a construção de bicicletários no
Distrito Federal é obrigatória em agências bancárias, estações do metrô,
estabelecimentos de ensino públicos e privados, clínicas, hospitais, centros de
saúde e Unidades de Pronto Atendimento, edifícios que abrigam órgãos públicos,
supermercados, shoppings centers e qualquer outra empresa que atraia grande
quantidade de pessoas. A legislação também determina que, ao serem criados
estacionamentos ou recuperados os antigos, é obrigatória a inclusão dessas
estruturas no local. O texto da lei deu um prazo de dois anos para que os
locais se adaptassem. O prazo venceu em março do ano passado.
Saiba diferenciar - Bicicletários
» São
estacionamentos de longa duração, com número de vagas grande e com controle de
acesso, como nos blocos de algumas quadras do Plano Piloto. Podem ser públicos
ou privados.
Paraciclos
» São
estacionamentos de curta ou média duração (que pode chegar até a 2h, em
qualquer horário), número de vagas específico (até 25), uso público e sem
controle de acesso. Precisam ser mais visíveis e melhor sinalizados que os
bicicletários.
Fonte: Rafael Campos – Correio Braziliense – Foto: (Breno
Fortes/CB/D.A/ Press)