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MUITO PRAZER / GABRIELA BILÁ » A cara jovem da cidade

A vida de Gabriela Bilá é inteiramente misturada à de Brasília. Animada pela vivência na cidade, resolveu estudar arquitetura na UnB. O trabalho final foi o Novo guia de Brasília, em que ela apresenta, amorosamente, os principais pontos da cidade. Lançado no ano passado, o livro já está na terceira impressão. Gabriela tem 25 anos e integra um movimento de ocupação cultural jovem da capital. Ela redescobriu a cidade depois de morar em Roterdã e em Berlim. Nesta entrevista, ela fala sobre a beleza, o silêncio, a onda jovem e as mazelas de Brasília. E diz, também, quais seriam os primeiros decretos se fosse governadora do DF.

De que jeito você é brasiliense?
Nasci aqui, cresci e sou apaixonada por Brasília. Por isso, estudei arquitetura, a cidade influenciou muito a maneira como entendo a vida e o meu jeito de ser.

Por exemplo?
Brasília é uma cidade que é pura arquitetura e urbanismo. Escolhi a profissão de arquiteta e resolvi fazer como trabalho de conclusão de curso o Novo guia de Brasília. A minha vida está misturando com a arquitetura.

Qual foi o impacto de morar fora na visão sobre Brasília?
Morei na Europa dois anos. Primeiro, saí para estudar arquitetura na Holanda, em 2012, quando tinha 22 anos. Em seguida, me mudei para Berlim, trabalhando com arquitetura e, depois, voltei para a Holanda. Lá fora, as pessoas tinham muita curiosidade sobre Brasília. Então, escrevi o guia como se mostrasse a cidade para um amigo, imaginando o que ia indicar e mostrar.

O que é interessante na capital e que você não percebia?
Com certeza, você tem um outro olhar. Se permanece sempre, fica meio anestesiado. Por exemplo, os muitos espaços abertos, as coisas distantes umas das outras. Na Holanda e na Alemanha, morei em cidades de prédios colados em quarteirões. Isso me chamou muito a atenção. Além disso, existem frutas o tempo inteiro, no Eixão e em outros pontos da cidade. Na Europa, manga é uma fruta caríssima.

O que é bom no vazio e no vazado de Brasília?
Existem o lado positivo e o negativo. Cidades como São Paulo se aglomeram, ficam mais próximas do centro e o aproveitamento do espaço é maior. Por outro lado, é a espacialidade que distingue a cara de Brasília e torna a cidade especial. Não é exatamente pelos prédios, mas pelo estilo de cidade-jardim, é um conceito europeu, mas que foi usado em uma escala enorme, como nunca se fez em nenhum lugar do mundo. Tem muito céu aberto, muitas árvores, tem essa cara de campo por causa dos espaços livres. Precisamos preservar esse sítio histórico, ele não poder o que tem de mais especial.

No Novo guia sobre Brasília, você chegou a fazer um mapa das fruteiras da cidade. Isso é uma singularidade brasiliense?
Com certeza, dá um caráter de cidade de interior a uma capital modernista. Os porteiros dos prédios já têm varinhas por perto para catar as frutas. Em países não tropicais, não existe jaca. Esse é um dos aspectos que torna Brasília uma cidade muito especial. Levei um pessoal de São Paulo para conhecer Brasília e eles comentaram que, em Sampa, existe uma lei que proíbe plantar fruta na rua. Elas caem, produzem cheiros e alimentam gente que vive na rua. Os governantes querem evitar isso. Aqui, você pode comer uma futa na rua. Brasília é uma cidade de generosa, desde a sua concepção, essa ideologia está no detalhe das árvores e em toda a cidade, na UnB, nas escolas parque, no projeto de ser generoso com todas as pessoas.

Brasília já foi muito negada. Mas existe uma nova geração brasiliense que assume plenamente e ocupa a cidade. O que provocou esse movimento de amor a Brasília? 
Acho que era muito negada, mas, agora, tudo que sai sobre Brasilia, com um olhar sensível, tem receptividade. As novas gerações aderiram à causa Brasília. Quando fiz o Guia sobre Brasília, achei que era para turmas de gente fora da cidade, mas 80% das pessoas que compram são moradores, algumas vezes, para dar de presente para pessoas fora daqui. Não são apenas jovens, há gente mais velha também. Esse movimento não é da primeira geração que nasce em Brasília. É da primeira geração dos filhos de brasilienses. Eles promovem festas que enxergam os espaços livres para a cultura. Além disso, tem gente que leva as pessoas para fazer passeios pela cidade, há uma linha de suvenires inspirados na arquitetura e uma tendência a produzir eventos gratuitos e democráticos. Isso fortalece Brasília como um lugar especial. Brasília não é uma cidade em que a gente vai andando e encontra pessoas nas ruas. É preciso pegar um ônibus ou um carro. Mas as redes sociais abriram novas possibilidades de relação que a física da cidade não permitia antes. Quando voltei da Holanda, já estava no meio desse movimento.

Há pessoas que dizem que, do ponto de vista das cores, Brasília é monótona, é uma cidade cinza. O que acha?
Se tem uma coisa que não é uma cidade cinza. É quase impossível tirar foto de um prédio sem um galho de árvore. Quando comecei a tirar muitas fotos de Brasília para o Guia, percebi que, dependendo da época do ano, as cores ficam diferentes. Na seca, o céu está azul, a grama seca, mas os ipês florescem. Na chuva, o céu é cinza, mas as fachadas dos prédios ficam lavadas e a grama verdinha. Fui atentando mais como a estação do ano muda. A BSB Memo tem uma galeria e me convidou para fazer alguma coisa. Chamei uma amiga fotógrafa e organizamos a exposição Pantone para mostrar a riqueza das nuances de cores de Brasília. Pantone é uma escala de cores, fizemos essa brincadeira para mostrar a riqueza de cores de Brasília.

Brasília se mediocrizou?
O Brasil está medíocre como um todo, tem gente batendo panelas e pedindo a volta da ditadura. Os anos 1960 tiveram a bossa-nova, o Cinema Novo, a Tropicália e Brasília, tudo em efervescência máxima. Veio a ditadura e entramos em um buraco até hoje. As pessoas estão muito grosseiras no trânsito.Tem a especulação imobiliária destruindo as cidades. Mas, de outro lado, existe o movimento das pessoas que querem entender e ocupar Brasília.

Você já se irritou com a imagem da cidade como capital da corrupção?
Acho isso uma besteira. Tive sorte de não encontrar pessoas que falam tão mal de Brasília. Os turistas de São Paulo ficam encantados quando conhecem Brasília. Levo-os às superquadras e ele ficam impressionados com as árvores, o silêncio e o desenho urbanístico. Eles dizem: é o silêncio que a gente não tem lá. A gente mora em um parque. Quando morei na Holanda e na Alemanha, mostrava fotos e as pessoas comentavam que parecia uma cidade intergalática, cidade em que moravam ETs. As pessoas ficam curiosas para saber como as pessoas moravam e viviam a cidade.

Em Brasília, parece que até o barulho dos carros faz parte do silêncio... 
O projeto do Lucio Costa pensou nisso. Ele estabeleceu uma faixa de 20 metros de largura com ávores em todas as superquadras para abafar o som da rua. Então, o som dos carros chega amortecido. Na época da chuva, a gente percebe a intensidade do canto das cigarras. A escala bucólica não é apenas visual; é também sonora. O problema é que, acostumadas com isso, as pessoas ficam intolerantes com qualquer barulho.

E, por falar nisso, o que acha da polêmica em torno da lei do silêncio?
Não existe capital do mundo em que não aconteça nada à noite. O barulho de Brasília não é tão alto a ponto de fechar os lugares e virar um caso de polícia. O que incomoda não é tanto o barulho, mas a movimentação de gente. No Balaio, tinha gays e gente alternativa conversando. As pessoas têm de se acostumar, pois o Plano Piloto está crescendo.

Brasília já teve muitas ondas de underground. Essa seria uma nova fase de cultura jovem?
Acho que é cultura jovem, mas não undergroud. É ocupação de rua, mas é bastante comercial, existem as feirinhas. É mais: vamos viver disso, de coisas legais. É uma visão mais pragmática da vida.

Renato Russo fez uma canção intitulada Tédio com um T bem grande para você. Brasília ainda é um lugar onde faltam opções de lazer?
Não, não é mais. Morei em Roterdã e lá não tem nem metade das coisas para fazer que em Brasília. E, praticamente tudo é de graça. Não é normal. A gente está desacostumado de pagar para entrar em festa. A todo momento, há uma festa no Museu da República.

A dimensão de utopia se perdeu?
Acho que essa movimentação de amor a Brasília e das festas é uma retomada da utopia. As pessoas querem entender que Brasília é uma cidade singular. Mas claro que há também o pessoal do PPCUB, da especulação imobiliária, da lei do silêncio, que em uma visão mesquinha de Brasília que não combina com a dimensão utópica. Não é uma cidade que passa desapercebida como São Paulo ou Belo Horizonte. Você está consciente o tempo todo da arquitetura e do urbanismo. Isso faz com que todos entendam um pouco da cidade e sejam políticos.

No que as subversões que os brasilienses fizeram nos espaços de Brasília melhoraram o projeto urbanístico de Lucio Costa?
Não tem como um cara só acertar tudo. O próprio Lucio Costa imaginou a Rodoviária com uma cara de Champ Elysées, em Paris. É um ponto mais nobre de Brasília, tem visão de toda a cidade. Só que quem ocupou foi o povão. Quando voltou à cidade, ele falou: o povo toma das coisas. Foi algo que subverteu o projeto e o tornou mais democrático. Outro exemplo é o segundo andar das comerciais da Asa Norte. O plano só previa um, mas o segundo andar viabilizou quitenetes mais baratas para os estudantes no Plano Piloto. Estão surgindo muito coletivos de arte por lá. Nós mesmos alugamos uma sala, botamos tambores na calçadona que as pessoas usam como estacionamento e criamos uma pracinha. Mas o pessoal não aderiu à ideia e prefere usar o espaço para carro.

As bicicletas podem melhorar e humanizar a capital?
Brasília é ideal para bicicletas, por ser plana. Mas quem fez essas ciclovias tem uma mentalidade de carro. A ciclovia fica dando volta e é cortada pela faixa de carros. Tem de tirar uma parte da rua e fechar para as bicicletas. Brasília tem chance de ser uma cidade de bicicletas como outras cidades importantes do mundo.

Se você fosse governadora do DF, quais seriam os seus primeiros atos?
Seriam todos na área de transporte público. Eu criaria muitas linhas, levaria o metrô até a Asa Norte. Contrataria pessoas que saibam de fato desenhar ciclovias. Cortaria as vias para garantir segurança aos ciclistas. As cidades culturalmente interessantes são aquelas onde as pessoas se encontram. E, aqui, fica só no Plano Piloto ou nas cidades satélites isoladas. Se houvesse uma mistura maior, a cultura se desenvolveria.



Por: Severino Francisco – Correio Braziliense – (Foto: Carlos Vieira/CB/D.A.Press) 

1 Comentários

  1. Gabriela Bilá, você não pode imaginar a alegria que senti lendo a entrevista que deu a Severino Francisco. Fiquei só pensando no meu pai, lá de cima... Você tem toda a razão, a verdadeira "primeira" geração de Brasília é a segunda, a dos filhos da primeira.
    Como faço para comprar o seu guia?

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