Serigrafia de Oscar Niemeyer. Há, no mercado, obras de arte dele a R$ 6,5 mil. As esculturas, de grande porte, são muito mais caras
Os criadores de Brasília são reconhecidos pela qualidade de
seu desenho arquitetônico. Muitos deles, Niemeyer transformou em obra de arte.
Lucio Costa era exímio aquarelista, mas não foi ao mercado, mas há desenhos
dele vendidos como litogravuras
Faz alguns dias, uma lista de brindes da Odebrecht à
Petrobras, enviados em 2010, suscitou especulações mil, entre elas, as de que
os brindes da empreiteira a diretores da estatal seriam obras de arte
caríssimas dos citados – Oscar Niemeyer, Lucio Costa, Cícero Dias, Alfredo
Volpi e Cildo Meireles. Os três últimos estão em qualquer rol dos mais
importantes artistas plásticos brasileiros. Mas, e os dois primeiros?
Os dois
arquitetos deixaram obras de arte não apenas em forma de cidade e de edifícios.
Niemeyer produziu serigrafias, desenhos e esculturas que estão à venda no
mercado das artes. Embora tenha aprendido a aquarelar ainda menino, Lucio Costa
não se dedicou às artes plásticas. Suas aquarelas e seus desenhos (alguns de
moda) ficaram perdidos nas montanhas de papéis que deixou espalhados pelo
apartamento à beira-mar, no Rio de Janeiro. Alguns foram recuperados e levados
para o Acervo da Casa de Lucio Costa. Outros, não.
Serigrafia em croqui do Memorial da América Latina, Niemeyer
Foi com as tintas diluídas em água que o inventor de Brasília
descobriu a pureza soberana da arquitetura colonial brasileira e começou a
riscar o caminho para a arquitetura moderna. Em 1922, ano emblemático para as
artes e a cultura brasileiras, Lucio Costa conheceu Diamantina. Aos 20 anos,
aluno da Escola de Belas Artes, foi tomado pela força simbólica do colonial.
“Lá
chegando, caí em cheio no passado no seu sentido mais despojado, mais puro; um
passado de verdade, que eu ignorava, um passado que era novo em folha para mim.
Foi uma revelação: casas, igrejas, pousada dos tropeiros, era tudo de pau a
pique, ou seja, fortes arcabouços de madeira — esteios, baldrames, frechais —
enquadrado paredes de trama barreada, a chamada taipa de mão, ou de sebe, ao
contrário de São Paulo onde a taipa de pilão imperava”, escreveu Lucio em
Registro de uma vivência.
Aquarela de um colégio de Diamantina, Lucio Costa
O jovem visitante de Diamantina conquistou a confiança do
sacristão da Capela do Carmo e conseguiu dele as chaves da porta para que o
arquiteto pudesse, com silêncio e solidão, reproduzir em aquarelas o interior
da igreja.
Desenhando
no ar
O menino
Oscar Niemeyer desenhava sonhos com os dedos riscando o ar. Tinha tudo o que é
preciso para ser um grande artista plástico. Já em 1950, Lucio Costa anunciaria
ao mundo os méritos do ex-estagiário: “A habilidade e a clareza com que
organiza as linhas gerais de composição, seja em planta, corte ou fachada, e a
segurança com que seleciona, purifica e leva à sua forma final cada parte do
edifício ou do conjunto de edifícios são o segredo de sua arte”.
Desenho de moda para Leleta, a mulher de Lucio Costa
Mas, esclareceu Lucio, no prefácio do livro do grego Stamo
Papadaki sobre Niemeyer: “Apesar de ser um artista, no sentido mais estrito da
palavra, Oscar Niemeyer, tanto por formação como por atitude mental, não é nem
pintor, nem escultor, mas cem por cento arquiteto”.
O
arquiteto Elcio Gomes da Silva, autor de Os palácios originais de Niemeyer,
observa que os desenhos técnicos e os croquis de Niemeyer “possuem
características muito marcantes, como o traço seguro, a concisão de informações
e as relações de proporções e de escala sempre bem estabelecidas”. São
qualidades que “constituem, de modo inegável, parte da expressão e da
manifestação artísticas do arquiteto”.
É como se
Niemeyer tivesse nascido com uma máquina de calcular a proporção desejável
entre as partes de um edifício, entre o volume e os arredores, entre a obra e a
escala humana, entre colunas, portas, janelas, vãos, teto.
Lucio
Costa também não tinha do que reclamar. “Ele desenhava com uma facilidade
incrível e sempre em escala. Fazia lindos desenhos a carvão”, conta a filha
Maria Elisa Costa.
Referência
nas artes plásticas da capital, Ralph Gehre realça “o desenho muito eloquente
de Lucio Costa”. Diz que o urbanista “tinha o domínio da linguagem do desenho”.
Porém, as litogravuras feitas a partir do risco original do arquiteto são um
subproduto, observa Gehre. “Lucio Costa não desenhou aquilo imaginando que
fosse transformado em serigrafia. Mas foi e ele topou assinar”. Uma delas,
exposta numa casa de molduras da Asa Norte, está sendo vendida a R$ 4,5mil em
tiragem de 200 cópias.
Como as
obras de Lucio, as serigrafias de Niemeyer, muitas delas produzidas a partir de
um croqui de arquitetura, têm valor de mercado. São obras “corretas, mas não me
roubam o coração”, diz Gehre. Na mesma casa de molduras, uma serigrafia de
Niemeyer, também em tiragem de 200 cópias, está sendo vendida a R$ 6,5 mil. As
esculturas são bem mais caras.
Sobre a
lista de brindes da Odebrechet, a estatal divulgou a seguinte nota: “A
Petrobras tomou conhecimento nesta segunda-feira, dia 27, de uma lista de
empregados e ex-empregados que seriam destinatários de ‘brindes
especiais-2010’. A empresa, internamente, iniciará de imediato a apuração dos
fatos.”.
Por: Conceição Freitas – Colunista, repórter do Correio Braziliense