Setor bancário sul
Grupo de moradores do Plano Piloto levou seis meses para fazer um levantamento detalhado das ilegalidades cometidas por quiosques, trailers e reboques instalados em áreas públicas. Muitos invadem calçadas e vagas de estacionamento
Com
máquina fotográfica pendurada no pescoço, bloquinho em mãos e a ajuda de um
GPS, um grupo de moradores do Plano Piloto executou uma complicada missão para
comprovar os abusos que desvirtuam a capital federal. Esses abnegados
defensores de Brasília percorreram a pé toda a área tombada para mapear
quiosques, trailers, reboques e tendas instalados em áreas públicas. No total,
gastaram 750h de trabalho. O levantamento inédito, ao qual o Correio teve
acesso, será apresentado amanhã, quando se comemora o Dia do Patrimônio
Histórico. Os responsáveis pelo estudo identificaram 1.041 estruturas em
regiões como as asas Sul e Norte, Cruzeiro, Octogonal e Sudoeste — a maioria
fica sobre calçadas e em áreas verdes ou está instalada em vagas de
estacionamento.
O grupo
apresentará o levantamento amanhã à noite, no Clube de Vizinhança da 108/109
Sul. Na ocasião, também será lançada a Frente Comunitária do Sítio Histórico de
Brasília e Distrito Federal, uma nova entidade que reunirá dezenas de
organizações, associações e lideranças que lutam pela preservação da área
tombada da capital federal. Ex-presidente do Conselho Comunitário da Asa Sul,
Heliete Bastos foi uma das autoras do trabalho. Ao lado da geógrafa e
ambientalista Mônica Veríssimo, ela levou seis meses para percorrer todas as
regiões da zona protegida pela Unesco. O trabalho era feito sempre aos domingos
e feriados: a dupla se reunia antes mesmo de o sol nascer e saía a campo para
fotografar e catalogar todos os quiosques.
516 sul
Durante a empreitada, Heliete e Mônica se depararam com
muitos absurdos. Estruturas precárias, de madeira, ferro ou alvenaria,
quiosques praticamente emendados uns nos outros, o que é proibido por lei, e
até gramados cimentados para abrigar mesas. “Não se trata de uma campanha
contra os quiosques, mas de um trabalho em defesa da legalidade e da cidade”,
explica Heliete Bastos.
Pela
legislação, esse tipo de estrutura na área tombada só pode ter até 15 metros
quadrados. Segundo o levantamento, 77% daquelas identificadas estão fora das
normas. Mônica Veríssimo diz que a situação de ilegalidade é ainda mais grave,
pois até hoje não foi realizado um plano de ocupação pelo governo. A lei prevê
a criação desse projeto, que dirá quantos quiosques cada região pode ter e que
produtos poderão ofertar, por exemplo. “Se não há plano de ocupação, se não
houve liberação por parte do Iphan e já que as áreas deveriam ser licitadas,
subentende-se que todos estão em situação irregular”, avalia Mônica.
Para cada
quiosque, trailer ou tenda identificado, as autoras do levantamento verificaram
23 características, como a existência de ocupação de vaga de estacionamento ou
de área verde, se as estruturas tinham informações como nome do
estabelecimento, telefone e horário de funcionamento, se deixavam 10m livres
entre diferentes comércios e se as caixas d’água estavam escondidas, como
determina a norma.
Políticas públicas
O
superintendente do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional
(Iphan) no DF, Carlos Madson Reis, elogia o trabalho desenvolvido pelo grupo de
moradores. “Aloísio Magalhães, que foi presidente do instituto nos anos 1980,
costumava dizer uma frase que a gente transformou em princípio para a nossa
atuação: ‘A comunidade é a maior guardiã do seu patrimônio’. Este estudo que
será lançado na segunda-feira é importantíssimo para a definição de políticas
públicas para o espaço tombado”, comenta.
Para o
representante do Iphan, existe uma cultura de invasão de espaços públicos. Ele
critica o excesso de quiosques na capital federal. “Há uma mentalidade de
ocupação indevida que não é entendida como espaço coletivo. Quando a gente anda
pela cidade, logo percebe que a quantidade desses comércios é um problema que
está se agravando. Não há critérios”, critica.
O Iphan e
o GDF firmaram um acordo de cooperação técnica para gestão compartilhada da
área tombada. “O debate sobre os quiosques está na nossa pauta. A ideia é fazer
um plano de fiscalização. Há uma orientação e uma cobrança do MP para que se
elabore o plano de ocupação e de distribuição dos quiosques”, detalhou Carlos Madson.
O
superintendente do instituto sugere que a definição sobre a destinação e a
quantidade de estruturas seja feita por unidade de vizinhança. Mas ele lembra
que o controle deve ser do GDF. “O Iphan não tem a atribuição direta de
fiscalizar o espaço urbano, essa deve ser uma ação dos estados, dos municípios
e do DF. A União não fiscaliza espaços urbanos. Mas, em áreas tombadas, o
instituto tem o dever de fazer esse trabalho conjunto”, reconheceu.
Processos
O
secretário de Gestão do Território e Habitação, Thiago de Andrade, explica que
os planos de ocupação dos quiosques devem ser feitos por administração
regional, mas lembra que os técnicos da pasta oferecem apoio para a elaboração.
Estão prontos os planos do Sudoeste, Octogonal e do Setor Comercial Sul. “Temos
um cronograma e estamos fazendo uma força-tarefa para a execução desses planos.
A ideia é que todas as administrações concluam o trabalho em um prazo máximo de
dois anos”, explica o secretário.
Além de
elaborar os projetos, o governo analisa os processos de concessão e de
regularização. “É preciso sanear os processos que existem e ver se a licença
foi emitida corretamente, por exemplo.” Thiago acrescenta que os quiosques em
desacordo com a legislação terão de sair ou se adequar às normas. “A lei estabelece
quem é passível de regularização e em quais condições”, resume.
A Agefis
informou que os comércios ilegais estão sujeitos a ações administrativas e
podem ser demolidos. A Administração Regional do Plano Piloto explicou que a
regularização depende do plano de ocupação, mas garantiu que realiza um
levantamento sobre o problema. A Administração Regional do Cruzeiro deu as
mesmas explicações. A Administração Regional do Sudoeste e da Octogonal
reconheceu que alguns quiosques estão irregulares e sujeitos à fiscalização,
mas assegura que pontos de táxis e bancas estão dentro das normas.
"Não
se trata de uma campanha contra os quiosques, mas de um trabalho em defesa da
legalidade e da cidade”
(Heliete
Bastos, uma das autoras do mapeamento)
"Se
não há plano de ocupação, se não houve liberação por parte do Iphan e já que as
áreas deveriam ser licitadas, subentende-se que todos estão em situação
irregular”
(Mônica
Veríssimo, também responsável pelo estudo)
"Quando
a gente anda pela cidade, logo percebe que a quantidade desses comércios é um
problema que está se agravando”
(Carlos
Madson Reis, superintendente do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico
Nacional (Iphan)
Fonte: Helena Mader – Correio
Braziliense – Fotos: Ed Alves/CB/D.A/ Press