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#URBANISMO » Esqueletos de concreto no centro da capital

O Hotel Torre Palace agora hospeda a população em situação de rua e consumidores de entorpecentes: paredes caídas e muito lixo

Abandonados pelos donos e sem planos para serem revitalizados, prédios no Plano Piloto são ocupados por moradores de rua e usuários de drogas. Segundo especialistas, é preciso recuperar esses locais, mas sem apelar para a especulação imobiliária

Como fantasmas urbanos, antigos edifícios na região central de Brasília amargam um fim melancólico. Os saguões badalados de áureos tempos se perderam no silêncio de vãos abandonados. Nos prédios do Setor Hoteleiro Norte e da Asa Sul, uma parte da trajetória da cidade fica nos pedaços do forro de gesso largados ao chão. Na maioria dos casos, os esqueletos de concreto são propriedades particulares que estão sob disputa judicial. Enquanto o imbróglio não se resolve, tornam-se pontos de consumo de drogas e abrigos improvisados para a população em situação de rua — como ocorreu com o St Peter Hotel, ocupado desde o início da semana por integrantes do Movimento Resistência Popular (leia mais na página 24).

A deterioração dos espaços é processo comum a várias cidades (leia Para saber mais), explica a geógrafa Mônica Veríssimo. “É natural e, embora Brasília seja nova, isso também ocorre aqui”, diz. A área em que isso ocorre com maior intensidade corresponde à escala gregária prevista por Lucio Costa. De acordo com a proposta original do urbanista, ali seriam agregadas diversas atividades. No papel e no concreto, equivalem aos setores hoteleiros Norte e Sul, aos setores bancários Norte e Sul, aos setores comerciais e aos setores de diversão. Compõem, então, o coração da cidade. “São áreas nobres, que precisam ser revitalizadas para que as pessoas voltem a circular”, ressalta Mônica.

"Dá medo passar aqui. Quando é mais tarde, eu prefiro atravessar a rua a ir pela calçada do prédio" (Letícia Ribeiro, estudante, sobre o Hospital São Braz)

Um caso emblemático de deterioração é o do antigo Hotel Torre Palace, às margens do Eixo Monumental, no Setor Hoteleiro Norte. O local está largado desde agosto do ano passado e, desde então, segue em ruína. As janelas estão quebradas, assim como portas e paredes. O lixo é vasto e variado. São latas de refrigerante que improvisam cachimbos de crack, embalagens de alimentos, trapos de roupas e pedaços de reboco. Ali se abrigam pessoas de vida fragmentada, em geral, por vício de álcool e drogas.

O movimento é maior à noite, conta um dos moradores do local. “O pessoal passa o dia no Setor Comercial Sul, no Setor Bancário e volta para dormir”, explica o rapaz de 19 anos, que pediu para não se identificado. Ele está ali há oito meses e considera o lugar mais seguro que as marquises sob as quais dormia antes. “Ainda tem os quartos, aí a gente fica lá”, diz. No último sábado, a Polícia Militar realizou uma operação no local e encontrou bicicletas roubadas. Ninguém foi preso. Os proprietários do imóvel foram notificados, em fevereiro, pela Administração de Brasília. O órgão informou, por meio de nota, que, desde então, os donos têm sido multados pelo abandono do espaço.

"Deu um desespero quando os colegas foram embora. No início, até apareceram interessados, mas agora todo mundo sumiu" (Nilson Martins, funcionário do Hotel Casablanca)

Isolados
O Torre Palace representa a peculiaridade do Setor Hoteleiro, na avaliação do professor aposentado da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de Brasília (FAU/UnB) Antonio Carlos Carpintero. “Os setores hoteleiros ficaram desconectados do Setor de Diversões. Com isso, a área perdeu a função e os turistas do Setor Hoteleiro ficaram isolados”, avalia. Segundo ele, a reconstrução de estabelecimentos tradicionais, a exemplo do antigo Hotel das Nações, não colabora com a questão. “Há um processo violento de especulação imobiliária. Os novos hotéis são mais altos, têm mais quartos e arquitetura inferior. A dimensão é um exagero”, avalia.

Tornar a área atrativa novamente é um desafio que se impõe, de acordo com Mônica Veríssimo. “Revitalizar é trazer a vida de volta ao local. As pessoas têm que querer voltar a circular lá”, afirma. Para ela, a situação parece de abandono porque os empresários preferem investir em novos locais. “Para revitalizar, o governo precisa pensar em um projeto que una a escala gregária à bucólica, fundamental para a área”, afirma. Há casos em que a demolição se tornou a única solução para que isso ocorresse (leia Memória).

Sem funcionar
Prédios públicos também estão abandonados pela cidade. É o caso do antigo Centro de Atendimento Integrado a Crianças e Adolescentes, na 307 Sul. Em 11 de setembro, o Correio mostrou que a unidade estava desocupada e, até então, não havia sido lacrada. Por isso, dependentes químicos e moradores de rua invadiam o local. A Secretaria de Políticas para Crianças, Adolescentes e Juventude informou que estuda um projeto para instalação de um Centro de Atendimento às Crianças Vítimas de Violência Sexual. Uma reforma do espaço está prevista, mas sem custos mensurados.

MemóriaNovembro de 2011
Dois dos hotéis mais tradicionais de Brasília foram implodidos para dar lugar a empreendimentos. O Hotel das Nações e o Alvorada Hotel, no Setor Hoteleiro Sul, vieram ao chão em poucos segundos. Para isso, foram usados 500kg de explosivos. A operação custou R$ 1,3 milhão. Pelo menos 400 pessoas acompanharam a detonação.

Setembro de 2010
Um esqueleto de prédio no Setor Hoteleiro Norte foi demolido após 17 anos sem funcionamento. Ao todo, 400 profissionais de segurança pública, entre policiais civis e militares, além de bombeiros e servidores da Defesa Civil, trabalharam na ação.

Janeiro de 2007
O embargo da obra do Hotel Caesar Park, no Setor de Clubes Sul, obrigou o GDF a custear a implosão da estrutura. O projeto do edifício feria o tombamento e, por isso, não pôde ser finalizado. Ao custo de R$ 200 mil, o prédio veio a baixo para dar lugar a um apart-hotel.

Para saber maisCliques de história
Prédios abandonados não são raros no mundo inteiro. Mesmo em centros requintados, como Nova York, eles existem aos montes. E são o mote do trabalho do fotógrafo Will Ellis. Desde 2012, ele registra os locais desabitados da cidade e desenvolve o projeto Abandoned NYC. Além das fotos, Ellis também conta um pouco sobre a história de cada local visitado. A intenção é que o público reflita sobre a ocupação e a trajetória da metrópole. As imagens podem ser acessadas no site www.abandonednyc.com.


Fonte: Maryna Lacerda – Correio Braziliense – Fotos: Breno Fortes/CB/D.A.Press

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