1978 A Estrada Parque Taguatinga (EPTG) no fim da década de
1970: poucos carros na larga rodovia
Da construção aos dias atuais, o território ocupado pela
capital da República expandiu 15 vezes. Parte do crescimento se explica por
invasões e pela ação de grileiros
Em menos de 60 anos, Brasília transformou-se mais que
qualquer outra cidade brasileira. De pó vermelho e cerrado, a jovem capital
tornou-se uma das mais importantes metrópoles do país, com taxas de urbanização
acima da média nacional. Os seus contornos vão, aos poucos, contando a
história. A mancha urbana desenhada ao longo de décadas cresce em ritmo
acelerado e reflete a força da ocupação humana, mais veloz do que o
planejamento; mais certeira que políticas públicas de habitação. Da construção
aos dias atuais, o território ocupado expandiu em 15 vezes — nenhuma cidade
brasileira cresceu em tamanha proporção no mesmo período. De 1990 a 2000, o
adensamento populacional duplica devido às invasões habitacionais e à
intensificação das ações do Estado criando cidades inteiras, como Samambaia,
Recanto das Emas e São Sebastião.
Embora se
posicionasse contra a metropolização da capital da República, o urbanista
responsável pelo projeto da nova capital, Lucio Costa, previu que o Plano
Piloto seria pequeno para Brasília e que, após o esgotamento do modelo central,
o desenvolvimento urbano se daria por cidades-satélites. Mas as satélites
anteciparam a proposta original. Algumas, como Taguatinga e Gama, surgiram
antes e se transformaram em “cidades normais do interior do Brasil, que têm de
tudo e se vive de forma bem brasileira”, como resumiu o próprio Lucio Costa. O
planejamento deu lugar ao jeitinho brasileiro. “O projeto de Lucio Costa não
previa a conurbação. As cidades-satélites eram uma maneira de preservar o Plano
Piloto intacto. O problema é que a expansão foi se dando de forma
descosturada”, afirma Benny Schvarsberg, professor de urbanismo e planejamento
urbano da Universidade de Brasília (UnB).
“Vemos
uma expansão da mancha urbana do DF a partir da década de 1990, não porque o
Plano Piloto tenha se esgotado em área. Até hoje temos áreas livres. Mas, sim,
porque se esgota o espaço para venda no Plano Piloto. Ou o terreno é do estado
ou pertence a alguém individual”, define Rafael Sanzio, professor da UnB e
coordenador do Centro de Cartografia Aplicada e Informação Geográfica (CIGA),
centro responsável pelo estudo da evolução da mancha urbana. “Nasce a
especulação, e as pessoas não conseguem mais morar na região central, aí a
mancha expande de uma forma descontrolada.”
O espaço
urbano nunca está organizado de forma definitiva. Brasília foi crescendo de
maneira descontínua, com intervalos entre as cidades e em estrutura
polinucleada — na qual cada região administrativa tem núcleo próprio, embora
dependente de serviços e empregos do Plano Piloto. Brasília se expande de uma
maneira distinta das outras cidades brasileiras. Sem morros nem litoral, a
capital pode crescer a 360º. Tanto que, hoje, é a metrópole mais urbana do
Brasil. Os limites do quadradinho tornaram-se pequenos e já abrangem municípios
de estados, como Goiás e Minas Gerais; por isso, dentro do DF, a tendência é de
estabilização da mancha, por conta da limitação física.
Encolhimento
rural
Dentro do
território candango, a área rural está mais compactada e os espaços agrícolas
tornam-se cada dia mais urbanos. Regiões como Vicente Pires e Ponte Alta do
Gama perderam as características rurais, e poucos produtores resistem nos
locais. Os parcelamentos irregulares, a grilagem, a construção de bairros por
grandes incorporadoras e as políticas de assentamentos promovidas pelo próprio
estado contribuíram para essa expansão. Nas administrações de Joaquim Roriz,
entre 1989 e 2006, a mancha urbana duplicou — passou de 30.962 hectares
ocupados para 64.690. Das 31 regiões administrativas existentes, 22 foram
criadas na gestão Roriz. Como consequência, na década de 2010, a pressão sobre
o campo tornou-se ainda maior, porque são os espaços disponíveis.
Embora
possa crescer a 360º, o estudo do professor Sanzio mostra que os vetores de
crescimento são maiores nos eixos Taguatinga-Ceilândia-Brazlândia;
Taguatinga-Samambaia e Santo Antônio do Descoberto; Eixo Gama Entorno Sul
Luziânia e Eixo Leste Vale São Bartolomeu. “O crescimento no sentido norte da
cidade, Planaltina-Formosa, é menor porque percebemos uma barreira criada pela
soja. O DF faz parte de um corredor da soja, que pega estados produtores, como
Goiás. Como esse grupo tem poder econômico, sofre menos com pressões
imobiliárias.”
O
movimento desordenado de expansão da mancha trouxe consequências sociais e
econômicas para o DF e é preciso repensar a relação da metrópole com os
problemas que a falta de planejamento trouxe.
As consequências da urbanização - Ponte alta - Gama
Junho de 2002
OUTUBRO 2008
AGOSTO DE 2015
MERCADO DE
TRABALHO
Embora a
mancha urbana tenha se expandido por praticamente todo o território do DF, a
criação de postos de trabalho não acompanhou a mesma dinâmica. Os empregos
continuam fortemente concentrados no Plano Piloto. Segundo dados da Companhia
de Planejamento (Codeplan), 42,57% das oportunidades estão na região central, o
que gera um fluxo diário de 641.561 trabalhadores. Dessa forma, o Plano recebe
todos os dias uma quantidade de pessoas quase três vezes maior do que o número
de moradores — 216.489.
Fora do
Plano Piloto, os setores de comércio e serviços e as atividades específicas,
como agricultura, são os segmentos que mais ocupam os moradores de suas
regiões. “Em áreas mais afastadas, como Brazlândia e Planaltina, a dependência
do Plano é menor, mais moradores vivem e trabalham na mesma região
administrativa”, explica Bruno de Oliveira Cruz, diretor de Estudos e Pesquisas
Socioeconômicas da Codeplan. “É preciso um movimento de descentralização dos
postos de trabalho, isso até tem ocorrido, mas em uma velocidade lenta.”
Com
poucas oportunidades de emprego, muitas regiões administrativas tornam-se
cidades-dormitório. Com isso, os índices de desemprego são mais altos que na
região central. Enquanto no Plano Piloto e nos lagos Sul e Norte, a taxa de
desemprego está em 7,2%, em cidades mais afastadas da região central, como
Paranoá, Ceilândia, Samambaia, Santa Maria, Recanto das Emas, São Sebastião e
Brazlândia, o índice sobe para 17,7% e vem em uma crescente desde junho, quando
estava em 16,9%.
ILHA DE CALOR
Em 2015,
o Distrito Federal apresentou as mais altas temperaturas médias desde o início
da medição da série histórica. Segundo especialistas, além do efeito do El
Niño, a sensação térmica foi intensificada pelas ilhas de calor geradas pela
intensa urbanização. “É uma relação direta: quanto mais concreto e asfalto,
maior é a temperatura”, explica Ercília Torres Steinke, professora do
Departamento de Geografia da Universidade de Brasília (UnB). A ligação do calor
com a intensa urbanização se dá porque o material empregado na construção
civil, como asfalto, vidro e concreto, absorve energia do sol e devolve como
calor. Com a retirada da vegetação e o adensamento populacional, a umidade
diminui e a sensação de calor aumenta.
Gustavo
Baptista, professor do Instituto de Geociências da UnB, explica que a ilha de
calor é um fenômeno em que o centro é mais quente que as bordas. No caso do
Distrito Federal, como a expansão urbana se deu de forma polinucleada, sem uma
mancha urbana contínua, há espaços verdes entre elas, o que gera núcleos de ilhas
de calor, em vez de um fenômeno contínuo, como ocorre em São Paulo. “Podemos
ter ilhas de calor em regiões mais afastadas do centro que tem um baixo índice
de vegetação por habitante, como Taguatinga, por exemplo, que tem perfil de
prédios mais altos do que os do Plano Piloto e menos área verde.”
MOBILIDADE
2015 Os constantes engarrafamentos da EPTG são uma
consequência direta da expansão da mancha urbana
A mobilidade é um dos temas mais sensíveis associados à
expansão territorial do Distrito Federal. “A ampliação da mancha urbana
significa aumentar distâncias entre pessoas”, define Paulo César Marques,
professor da Universidade de Brasília (UnB) e especialista em trânsito. Com a
estrutura polinucleada de expansão, os caminhos entre as regiões administrativas
são longos. Estudos mostram que os vetores de urbanização do DF tendem a seguir
a estrutura viária, o que intensifica a importância do uso do transporte. “São
distâncias de 40 a 60 quilômetros que as pessoas fazem todos os dias”, lembra
Benny Schvarsberg, professor de urbanismo e planejamento urbano da UnB.
O
resultado é uma extrema dependência de transporte e saturação do sistema
viário. Os constantes deslocamentos de carro, de ônibus e de motos geram
congestionamentos corriqueiros. “Falta um modelo integrado, com diferentes
modais, como metrô, ônibus e bicicleta. É preciso pensar a ocupação do solo em
conjunto com as políticas de transporte.”
Na
análise de Marcos Thadeu Queiroz Magalhães, professor da UnB e especialista em
transporte, a polarização das atividades econômicas, de saúde, de educação no
Plano Piloto deixa a mobilidade mais delicada. “Se você analisar o índice de
passageiros por quilômetro dos ônibus, vai perceber que a rentabilidade é
pequena. Com baixa rotatividade de passageiros e distâncias longas, a saída é
cobrar mais caro pelo transporte, seja nas passagens pagas pelo próprio
usuário, seja nas subsidiadas pelo governo.”
SERVIÇOS PÚBLICOS
Brasília
é considerada uma das metrópoles brasileiras com maior índice de centralidade
do país, segundo especialistas. O que demonstra a dependência das regiões
administrativas com o Plano Piloto em vários níveis da vida da população. Desde
emprego até acesso a serviços bancários, compras e uso da rede pública, como
hospitais e escolas. Embora exista um esforço de descentralizar os serviços
públicos com a criação de hospitais regionais e de postos de atendimento de
diferentes órgãos públicos, esse fenômeno não acompanha a evolução
populacional. “A cidade vem se espalhando sem acompanhamento de infraestrutura
de serviços, o que gera esse intenso deslocamento”, explica Paulo César
Marques, professor da UnB.
Para
Benny Schvarsberg, professor de urbanismo e planejamento urbano da UnB, o
modelo polinucleado criou uma Brasília desigual. “A máxima em Brasília é:
diga-me onde moras que direi quem és”, brinca. “A segregação socioespacial de
Brasília é impressionante. E é combinada. Brasília tem, ao mesmo tempo, o que
há de mais moderno e o de mais atrasado. Onde a pessoa mora vai ser
determinante para ela ter acesso a esse ou àquele serviço”, complementa.
Sem
um planejamento urbano adequado e com a ação de grileiros, a mancha
populacional do DF cresceu desordenadamente. O avanço do território urbano
levou a duas questões: excesso de impermeabilização do solo e ocupação em
espaços destinados à proteção do meio ambiente. “Com o excesso de pavimentação
e de concreto, há diminuição da infiltração, o que dificulta a recomposição de
lençóis freáticos e aumenta as cheias, como os enchimentos das tesourinhas”,
explica Jorge Werneck, pesquisador da Embrapa Cerrados e presidente do Comitê
da Bacia Hidrográfica do Rio Paranoá.
Outra
questão relacionada à urbanização sem controle é a qualidade da água consumida.
“Um estudo mostra que, onde a urbanização está intensa, a qualidade da água
está ruim. Mesmo usando a melhor tecnologia, o esgoto tratado ainda vem com
nutrientes. Como os rios são pequenos, não conseguem completar o ciclo e se
renovar e, com isso, o líquido vai perdendo a qualidade”, afirma Werneck. É o
caso do Rio Melchior, localizado entre Taguatinga, Ceilândia e Samambaia, e o
Rio Ponte Alta, no Gama, regiões altamente urbanizadas.
O excesso
de construções e a má alocação dos resíduos também contribuem para a diminuição
da qualidade da água. “O excesso de sedimentos e de lixo assoreia o lago. Com
isso, ele vai perdendo volume de água e a capacidade de se diluir, de o esgoto
se tratar.”
*Colaborou Breno Fortes
Por: Flávia Maia
– Fotos: Ed Alves/CB/D.A.Press – Breno Fortes/CB/D.A.Press – Arquivo/CB –
Correio Braziliense