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2015, o ano para esquecer: Artistas da cidade se movimentam para que em 2016 a música e a arte continuem a ocupar espaço

Artistas da cidade se movimentam para que em 2016 a música e a arte continuem a ocupar espaços e a se desenvolver pela capital
 
Propagar a criação musical legitimamente brasiliense, ocupar espaços públicos que comportem a livre expressão artística; promover a ideia de que música é arte, não barulho, é o que músicos e artistas que vivem e fazem carreira em Brasília esperam para 2016. Após a turbulência no cenário musical em 2015, iniciada nos anos anteriores com as discussões da Lei do Silêncio, e a diminuição de locais para apresentar música ao vivo na cidade, artistas locais
 
discutem as novas possibilidades para se apresentar e manter viva a música de maneira pacífica, e respeitando a lei, promovendo a boa convivência entre os brasilienses. A expectativa é encontrar um ponto de equilíbrio saudável entre moradores, músicos, artistas e estabelecimentos comerciais.
 
Alguns bares tradicionais no circuito musical brasiliense fecharam as portas (como o Balaio Café e o Schlob); outros, foram multados (como o Pinella e outros estabelecimentos da 408 Norte); e alguns tiveram de suspender de vez as apresentações de música ao vivo. O diretor do sindicato da área de hotéis, bares, restaurantes e similares (Sindhobar) de Brasília, Jael Antonio da Silva, informa que os donos de bares se reuniram com o governador Rodrigo Rollemberg para debater novas possibilidades e levantar questões que afligem o setor.
 
“Ele constituiu um grupo de trabalho que vai se reunir na primeira quinzena de janeiro para discutir essa questão. A lei terá que contemplar a música e os empresários terão que fazer algumas adaptações em seus estabelecimentos, mas isso tudo já vai melhorar quando a questão do nível de decibéis permitido for reformulada”, declara Jael. O diretor conta que a ideia é criar uma alternativa que seja viável para todos os lados, com horários estabelecidos, mas que músicos possam continuar a se apresentar. “A cidade não pode morrer, ela é um polo cultural muito importante, com grandes nomes musicais”, afirma. Em entrevista ao Correio, logo depois de assumir o governo, Rollemberg aventou a possibilidade de  criar uma linha de crédito também para os moradores de apartamentos que se sintam prejudicados com a questão do som. Mas até agora nada saiu do papel.
 
Rênio Quintas, maestro e produtor musical, considera essa “patrulha sonora”, um movimento anacrônico que busca um silêncio impossível de se alcançar sem que sejam cerceados os direitos dos outros”. O artista acredita que para viver bem em uma cidade é preciso estabelecer pactos de convivência, respeitar a arte e a cultura como ferramentas de desenvolvimento humano e diferenciar o que é barulho daquilo que é música. Quintas declara ainda que a rua, por ser pública, deve ter o seu uso coletivo, de forma a atender o interesse e desejo da população. “A característica da nossa capital é estarmos na rua, principalmente para transformá-la em uma cidade boa para se viver. Eu cheguei em 1960, na inauguração de Brasília. A gente ocupava os gramados com futebol quando criança e mais tarde quisemos ocupar com música, queríamos fazer um som ali na rua, assumir a cidade”, declara.
 
O secretário de Cultura do Distrito Federal, Guilherme Reis, lembra que esse é um assunto antigo, que  se arrasta há alguns anos. Considera fundamental que seja implementada uma nova legislação com urgência, que contemple as normas de saúde e leve em conta a importância do silêncio na vida das pessoas, mas que, ao mesmo tempo, incentive os interesses culturais e de entretenimento da cidade.
 
“Há uma intolerância crescente de parte a parte. É necessária uma nova legislação, pois esta já está defasada, é preciso avançar, é preciso uma legislação mais moderna em ocupação de espaços públicos”, afirma o secretário. Guilherme Reis conta que a ideia principal é criar uma proposta de legislação que envolva músicos, sociedade civil, sociólogos, urbanistas e engenheiros acústicos. O secretário acredita que seja preciso retomar as ações em relação ao assunto o mais rápido possível e fazer avançar, encontrando bons parâmetros de convivência. “Os trabalhos serão retomados em janeiro, por ordem do governador”, afirma.
 
Renato Fino é escritor, músico e poeta, dono do Senhoritas Café (408 Norte) e criador do movimento Quem desligou o som?, em prol da música ao vivo em bares, restaurantes e locais públicos do DF. Ele afirma que o maior foco do movimento tem sido justamente a votação desse novo projeto de lei, que incentive o olhar profissional em relação à música. O escritor acredita que o primeiro passo é readequar a lei à realidade cultural da cidade. “O turismo aqui é feito em bares, cafés, restaurantes. O que faz mal para a saúde é o barulho de trânsito, caminhão de lixo, aeroporto. Defendo o direito das pessoas poderem se sentar em bar para conversarem, a cidade é feita de pessoas”, afirma.
 
Assim como o secretário de Cultura do DF, o diretor do Sindhobar e demais artistas da cidade, Renato Fino, acredita que a revisão e reestruturação da legislação atual é fundamental, levando em conta a questão do barulho, da saúde dos moradores e da criação artística local, para que a cultura da cidade seja preservada e a população possa conviver de maneira harmônica, preservando os direitos de todas as partes envolvidas.

Carnaval silencioso
Inspirado nas reclamações de moradores que moram em comerciais, ao lado de bares e restaurantes, pensando em incluir uma proposta divertida para chamar a atenção para o problema, a Andaime Cia. de teatro criou o Carnaval silencioso. Em 19 de dezembro a festa funcionou assim: o set ao vivo do DJ Oops foi transmitido via rádio FM 93,2; os foliões deveriam sintonizam seus aparelhos, colocar o fone de ouvido e dançar e brincar no carnaval fora de época.

O que diz a lei
Criada e sancionada em 2008, a Lei do Silêncio estabelece que o barulho em área residencial próxima a comércios não pode ser superior a 55 decibéis durante o dia e 50 decibéis durante a noite. Desde sua criação, a lei tem sido contestada pela classe artística do Distrito Federal, que tenta renegociar os termos da lei para uma melhor convivência entre toda a população, sendo que grande parte dos músicos e demais artistas não considera viável esse limite de som. Guilherme Reis declarou que a discussão a respeito da lei precisa ser feita de maneira mais técnica e o atual governador ordenou que os trabalhos sejam retomados na primeira quinzena de janeiro.


Fonte: Isabella de Andrade - Especial para o Correio – Foto: Maira Zannon/Divulgação – Correio Braziliense

Afogado em multas pela Lei do Silêncio, bar tradicional de Brasília fecha as portas 

Juliana Andrade, proprietária do Balaio, teve que fechar as portas e acredita que a casa foi usada como exemplo
Mauro Calichman, proprietário do Feitiço Mineiro: "Querem uma capital que não ocupe vagas, que não converse embaixo dos blocos"

Bares e restaurantes da cidade tentam se organizar para encontrar meios de sobreviver diante da crise e das limitações da Lei do Silêncio

O fechamento do Balaio Café, em dezembro de 2015, acirrou ainda mais a guerra que bares e restaurantes vêm travando com o Governo do Distrito Federal (GDF) em relação à aplicação da Lei do Silêncio. Somada às restrições trazidas pelos limites sonoros estabelecidos pela regra distrital, muitos estabelecimentos ainda tiveram de enfrentar o cenário econômico desfavorável, o que resultou no fim das atividades de diversos pontos conhecidos não somente da cena boêmia de Brasília, como da gastronomia local.

Também no mês passado, o Schlöb Bar, que funcionava há 26 anos na Asa Norte e era reconhecido pelas bandas que se apresentavam por lá, fechou as portas. Além dele, várias casas tradicionais e outras mais novas tiveram de encerrar seus trabalhos, como o Legrat Bistrô, na 108 Norte; o Babel Restaurante, na 215 Sul; e o Bazzo Ristorante, na 413 Norte. “Já é difícil tocar uma casa, imagina quando se ela é vigiada e perseguida 24 horas por dia?”, reclama Juliana Andrade, do Balaio Café.

Ela afirma que foi montada uma força-tarefa em 2015 com o intuito de usar seu estabelecimento como exemplo para o restante da cidade. “Quando a casa fechou em abril, eu já sentia que não teríamos mais como seguir. Mas ainda consegui segurar até o fim do ano, com empréstimos para pagar as multas, junto dos aumentos, como de luz.” Válida desde 2012, a Lei nº 4.092/2008 define que o volume provocado por atividades em área mista com vocação comercial seja de, no máximo, 65 decibéis em ambientes externos durante o dia e de 55dB durante a noite. O Projeto de Lei nº 445/2015 propõe que os limites sejam alterados para 75dB no período diurno e 70dB no noturno.

Mas não é apenas o barulho que tem trazido problemas para quem investe nesse setor. A alta dos preços em produtos e serviços também fez com que vários investimentos tivessem de mudar o foco para conseguir se manter. E, em muitos casos, o fechamento esteve no caminho para o recomeço. O chef Diego Koppe, do Babel Restaurante, fechou a casa na Asa Sul na expectativa de reabri-la em um novo ponto na Asa Norte. A principal razão é a diferença entre os valores dos aluguéis. “Pagávamos cerca de R$ 8 mil mensais. Na Asa Norte, podemos encontrar pontos que custam até um terço desse valor com o mesmo espaço.”

De acordo com ele, custos com funcionários e ingredientes também foram os grandes vilões de quem viu o negócio acabar. Porém, o mais grave foi mesmo a mudança de mentalidade do consumidor: ele decidiu gastar menos com restaurantes. “Trabalho no setor há 15 anos e, em momentos de crise, o cliente sempre escolhe passar a comer em casa. Ele começa a levar quentinha, a fazer o lanche que o filho leva para a escola. E, mesmo que não repassemos o aumento para ele, há essa mudança de atitude.”

Quem se mantém na lida diária não esconde o pessimismo com o que pode acontecer em 2016. Proprietário de vários bares que são referência na boemia brasiliense, como o Feitiço Mineiro e o Armazém do Ferreira, Mauro Calichman entende que os decibéis têm sido usados para fazer uma limpeza étnica em Brasília. “Querem uma capital que não ocupe vagas, que não converse embaixo dos blocos. Entendo a cidade atualmente como um espaço de repressão, em que os bares são tidos como um câncer.”

No Feitiço, na 306 Norte, o espaço de shows teve de ser completamente fechado. No Armazém, na 202 Norte, Mário garante que o samba se tornou música de fundo e, o que antes era um local de entretenimento, se tornou uma peça decorativa. “O sábado agora é triste. Uma pessoa que acaba com a alegria de mil. Também sou morador do Plano Piloto, mas parece que me tornei um vilão.” Allan Alves é proprietário do Aleatório Bar, que fica na 408 Norte, quadra que foi alvo da Operação Bares da Moda no mês passado.

Com outros empresários do local, ele montou o projeto Baixo Asa Norte, que pretende criar um modelo na relação entre bares e moradores. “É um movimento que quer discutir as regras. Estamos fazendo parcerias com empresas de transporte particular, incentivo à coleta seletiva e desenvolvendo projetos, como uma feira de orgânicos aos domingos, para a população da quadra.” Para ele, a cultura é uma necessidade básica e, somente ao encontrar esse equilíbrio entre quem trabalha e quem mora no local é que Brasília poderá se livrar desse estigma barulhento.

Três perguntas para: Mauricio Tocci, chef de cozinha e consultor de restaurantes
O quanto a crise econômica de 2015 foi ruim para o setor de bares e restaurantes, na sua opinião?
Logo no início do segundo semestre de 2015, a crise atingiu em cheio o setor de alimentação fora do lar, cujos dados apontam para uma retração de mercado em torno de 30%. Houve um aumento, principalmente nos últimos meses, dos custos fixos e variáveis, principalmente locação e energia.

Quais são os erros mais recorrentes que levam um bar ou um restaurante a fechar?
Os erros já acontecem desde a criação do negócio, sem um estudo de viabilidade ou um plano de negócios com projeção de ponto de equilíbrio: a venda de pratos necessários para pagar todas as despesas. Essa informação é imprescindível ao abrir um comércio. Tudo deve ser controlado através de planilhas e check-list, pois restaurantes são empresas, e empresas vêm buscar o lucro e fornecer produtos de anseio. E para garantir o lucro, deve-se ter o controle das operações, tanto no âmbito da gestão de custos, como no de qualidade.

Brasília vem passando por uma fase de repressão aos bares e restaurantes que oferecem música ao vivo. Há como contornar esses problemas de relação entre os moradores das redondezas e o som que é tocado nos estabelecimentos?
Para contornar, é necessário buscar sempre se atualizar em relação às legislações, que sofrem mutações de tempos em tempos. As informações se estendem aos materiais acústicos e de isolamento. Um projeto acústico realizado por um especialista é imprescindível.



Fonte: Rafael Campos – Fotos: Breno Fortes - Correio Braziliense 

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