Donos de postos a causa do aumento foi o ICMS, mas
especialistas afirmam que isso não se aplica em Brasília
Postos de gasolina do DF ignoram recomendações do
Cade e aumentam em 5% o preço do produto de um dia para o outro. O alerta é que
o valor chegue a R$ 4, mesmo depois de operação que desarticulou o cartel que
atuava na capital
Os motoristas que esperavam a queda no preço da
gasolina depois o desmonte do cartel dos combustíveis no Distrito Federal
tiveram uma surpresa desagradável. O que se vê é o oposto das recomendações do
Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), que previa queda de 20% no
preço da gasolina com a desarticulação do esquema criminoso responsável por
superfaturar o combustível. De quarta-feira para ontem, o litro do derivado de
petróleo saltou de R$ 3,795 para R$ 3,979 nos postos da capital, um aumento de
quase 5% da noite para o dia. O preço ficou R$ 0,20 acima da média apontada
pela Agência Nacional de Petróleo (ANP), de R$ 3,770 em Brasília — acima da
nacional, de R$ 3,635.
O baque no bolso dos brasilienses será maior.
Gerentes e frentistas de postos alertaram: a expectativa é que a gasolina
chegue a R$ 4 a partir de segunda-feira. O preço exorbitante vai contra o
movimento verificado no mercado internacional, seguindo a baixa dos preços do
barril de petróleo. A explicação do Sindicato do Comércio Varejista de
Combustíveis e de Lubrificantes do Distrito Federal (Sindicombustíveis-DF) é o
aumento do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), aprovado
em fevereiro do ano passado pela Câmara Legislativa. De 25%, o tributo passou
para 28%, valor que foi repassado esta semana para as bombas de gasolina. O
diesel também sofreu aumentos, de 12% para 15%.
Gerente de um posto na EPTG, Alexandre Batista
garante que o aumento veio direto da refinaria. “A nota fiscal de compra já
veio com o repasse. Os postos que não reajustaram os preços certamente vão
fazer”, garantiu. A justificativa, segundo o advogado Sérgio Camargo,
especialista em direito do consumidor, é falha. “Enquanto se pratica preço
acima do estabelecido pelo mercado, não há o que se falar de repasse de carga
tributária ao consumidor. Na situação atual, eles estão simplesmente mantendo o
lucro indevido e ignorando as recomendações do Cade”, afirmou o advogado. Prova
disso é que no Mato Grosso do Sul, estado que também computou aumento do ICMS
este mês, a gasolina ainda beira os R$ 3,50. O aumento do preço da gasolina, na
visão do advogado, é um “insulto à inteligência do consumidor”.
Zombaria
As explicações também não convencem os clientes, como o funcionário
público Carlos Lustosa, 36 anos. Quando se deparou com um aviso de um posto,
localizado na Asa Sul, pela página do estabelecimento em uma rede social, que
incentivava os clientes a aproveitarem os preços antes do aumento, ele se
indignou. “Mesmo depois de desmontarem o cartel, os postos continuam zombando
da cara das pessoas. Perguntei por que eles não abaixavam os preços, em vez de
avisar que vão aumentar, para darem exemplo aos outros postos e estimularem a
livre concorrência”, contou Lustosa. A resposta, na internet, foi direta: “Por
que você não compra um posto e faz diferente? Tem um monte à venda”.
Para o advogado, fica claro o deboche por parte dos
estabelecimentos, que pouco têm se importado com as recomendações do Cade.
“Fica claro que o distribuidor está oprimindo os clientes, os quais ficam
reféns dos preços abusivos”, apontou Camargo. A professora Maria Susley, 45
anos, sente na pele as consequências. “O transporte público não atende as
minhas necessidades. Não há ônibus ou metrô que vá até o meu trabalho, então, a
solução é usar o carro todos os dias, o que compromete boa parte do meu
orçamento”, desabafou. “Os preços cada vez mais altos fazem com que a gente
precise conter nosso ir e vir”, lamentou a professora, que, por mês, gasta pelo
menos R$ 600 de gasolina.
Taxista há 16 anos, Francisco Almeida, 38, teve que
restringir as rondas em busca de passageiros. “São R$ 60 por dia com gasolina,
está ficando inviável. Até o ar-condicionado eu tenho regulado para tentar
economizar”, admitiu. Somados à queda de movimento devido à crise, os R$ 0,20 a
mais no preço do litro vai fazer diferença nas contas do fim do mês.
Operação
Dubai
Em novembro do ano passado, o Cade, com a Polícia Federal, por meio da
Operação Dubai, descobriu um esquema criminoso em postos de gasolina do DF e
Entorno. As investigações concluíram que o cartel praticava preços abusivos,
sobretaxando a gasolina em 20% para os consumidores. O sindicato dos postos foi
acusado de perseguir os empresários “dissidentes” do esquema. Desde então, os
policiais federais cumpriram sete prisões preventivas, 25 conduções forçadas
para investigados prestarem depoimento e 44 ordens de busca e apreensão de
documentos. Em nota, o Cade garantiu que o mercado de combustíveis do DF
continua sob investigação e disse “esperar e incentivar que os postos, no
ambiente de livre concorrência, estabeleçam seus preços de forma independente”.
Para a autarquia, que reiterou não participar das decisões sobre aumento de
impostos, o reajuste é uma oportunidade para que os revendedores precifiquem o
valor cobrado por cada posto de forma não cartelizada.
Barril em
queda
Pelo segundo dia seguido, os barris de petróleo fecharam em queda. As
razões são os altos e baixos da economia chinesa — segundo mercado importador
do produto no mundo — e a briga diplomática entre Irã e Arábia Saudita. O
barril de Brent (referência para para a produção no Mar do Norte) chegou a US$
33,75 (baixa de 1,4%) e a cotação na bolsa de Nova York chegou a US$ 33,27 — o
menor valor desde fevereiro de 2004.
Tanque
cheio - Preço do litro da gasolina no
mundo, em média:
País
- Valor
» Itália - R$ 6,318
» Reino Unido - R$
6,116
» França - R$ 5,630
» Brasil - R$ 3,726
» Austrália - R$ 3,524
» África do Sul - R$ 3,240
» Colômbia - R$ 2,633
» Estados Unidos - R$ 2,430
» Rússia - R$ 2,025
» Equador - R$ 1,782
Fonte: GlobalPetrolPrices.com
Ranking
verde-amarelo - Preço médio do combustível
nas capitais
» Rio Branco - R$ 4,035
» Fortaleza - R$ 3,881
» Boa Vista - R$ 3,872
» Rio de Janeiro - R$ 3,819
» Porto Velho - R$ 3,815
» Brasília - R$ 3,770
» Cuiabá - R$ 3,760
» Salvador - R$ 3,755
» Maceió - R$ 3,751
» Natal - R$ 3,740
» Belém - R$ 3,724
» Palmas - R$ 3,704
» Porto Alegre - R$ 3,667
» Aracaju - R$ 3,654
» Recife - R$ 3,608
» Manaus - R$ 3,602
» Vitória - R$ 3,594
» Teresina - R$ 3,574
» Goiânia - R$ 3,551
» Belo Horizonte - R$ 3,535
» Macapá - R$ 3,538
» João Pessoa - R$ 3,521
» Campo Grande - R$ 3,508
» Curitiba - R$ 3,508
» São Paulo - R$ 3,490
» Florianópolis - R$ 3,488
» São Luís - R$ 3,438
Fonte: ANP
De olho nos preços
"Não há ônibus ou metrô que vá até o meu
trabalho, então, a solução é usar o carro todos os dias, o que compromete boa
parte do meu orçamento" (Maria Susley, professora)
"São R$ 60 por dia com gasolina, está ficando
inviável. Até o ar-condicionado eu tenho regulado para tentar economizar" (Francisco Almeida, taxista)
O economista José Luiz Pagnussat, do Conselho
Federal de Economia (Cofecon), ressaltou que não é o repasse do ICMS o
responsável pelo encarecimento do produto na cidade, mas o fato de que a base
de cálculo de incidência do imposto continua alta, já que não houve a redução
de preços esperada desde novembro. “A queda em função da Operação Dubai não
ocorre de imediato, mas de forma gradativa. Para aumentar a competição, é preciso
ficar de olho nos preços e evitar os locais mais caros”, recomendou o
economista.
A tarefa fica difícil quando os
postos enganam os consumidores com preços falsos e cobram o reajuste só na hora
de pagar a conta, como ocorreu em estabelecimentos na EPTG e na Asa Norte nos
últimos dias. Quando indagados sobre a diferença, os funcionários respondiam
que estavam “seguindo ordens”. Alguns alegaram ter autorização para cobrar R$ 4
pelo litro, apesar de a placa mostrar um preço inferior, de até R$ 3,979.
Abuso
Para a coordenadora institucional
da Associação Brasileira de Defesa do Consumidor (Proteste), Maria Inês Dolci,
a atitude foi duplamente abusiva. “Aumento injustificado e diferenciação de
preços são duas práticas que devem ser denunciadas. Sempre vale o menor preço,
os postos não podem apontar cobranças diferentes para o mesmo produto”, alertou
Maria Inês. Ela considera importante que os consumidores guardem as notas
fiscais e denunciem a prática aos órgãos de defesa do consumidor, como o
Procon-DF, para que possa haver a fiscalização adequada.
Para os especialistas, é
importante que a população reaja aos preços abusivos. Quando o preço estiver
muito acima do praticado pelo mercado, a recomendação é procurar os órgãos de
defesa do consumidor, como o Procon. “É uma boa alternativa, porque o Procon
tem poder de fiscalização. O que parece é que isso está sem fiscalização, então
os clientes podem e devem reclamar, sempre que se sentirem lesados”, afirma
Maria Ines Dolci.
Fonte:
Alessandra Azevedo - Especial para o Correio - Fotos:Breno
Fortes/CB/D.A.Press- Correio Braziliense