As diretrizes de urbanização da Colônia Agrícola
Arniqueiras foram publicadas esta semana pelo GDF: condomínios e adensamento
populacional em área que deveria ser rural
Criadas na década de 1980 para abastecer a cidade
com alimentos, as colônias rurais da região de Vicente Pires foram loteadas e
ocupadas de forma desorganizada. Para tentar amenizar os danos, principalmente
ambientais, o GDF vem lançando diretrizes urbanas
A ocupação urbana venceu a área rural. Os cenários
construídos nos últimos anos tiraram as chácaras de cena e deram o protagonismo
aos condomínios. Nascidas sem planejamento, as colônias agrícolas que estão em
fase de regularização, como Vicente Pires e Arniqueiras, convivem com dilemas
de uma urbanidade precoce. Faltam espaço para equipamentos públicos,
organização nas áreas comuns e capacidade para deter novos invasores das poucas
áreas livres existentes. No intuito de reverter essa situação, o governo vem
lançando as diretrizes urbanas dessas antigas colônias agrícolas, um passo
definitivo rumo à regularização.
No embalo das áreas regularizadas em Vicente Pires, a vizinha Colônia
Agrícola de Arniqueiras também já tem o perfil da sua urbanização. As diretrizes
foram publicadas na última terça-feira no Diário Oficial do Distrito Federal. O
documento delimita a área, especifica como deve ser a mobilidade no local,
explica o que pode ser construído em cada gleba e quais são as necessárias
intervenções para melhoria da infraestrutura. Embora seja um importante passo
para a regularização, o processo até as matrículas individuais tem outras
etapas futuras.
A Secretaria de Gestão, Território e Habitação (Segeth) é quem está à
frente desse processo. Segundo o titular da pasta, Thiago de Andrade, o projeto
de regularização de Arniqueiras foi contratado em 2010 e entregue em 2014.
Neste momento, a Terracap está revisando a proposta. Só depois, ela poderá ser
enviada ao Conselho de Planejamento Territorial e Urbano do DF (Coplan). “A
diretriz é importante porque trouxe ordem de prioridade e critérios para a
ocupação”, explica Andrade.
Com intenso adensamento urbano, a regularização de Arniqueiras faz parte
do processo de toda a região de Vicente Pires. Entram nesse processo também as
colônias agrícolas Samambaia, Vereda da Cruz, Águas Claras, Bernardo Sayão e
Vereda Grande. A preocupação do governo é ordenar o espaço para minimizar os
impactos ambientais do nascimento de uma cidade desorganizada, principalmente no
córrego de Vicente Pires, afluente do Lago Paranoá — que será usado, em um
futuro próximo, para o abastecimento do Distrito Federal.
O pouco planejamento faz com que faltem calçadas ou pavimentos de
qualidade na Colônia Agrícola de Samambaia
As colônias agrícolas da região de Vicente Pires
foram criadas na década de 1980, como parte de uma política voltada para a área
rural do DF. O objetivo inicial era abastecer a cidade com alimentos.
Entretanto, no fim da década de 1990 e início dos anos 2000, as chácaras foram
sendo loteadas e, atualmente, são mais de 99 mil pessoas vivendo nesse espaço.
Para especialistas, o processo de urbanização ganhou fôlego devido à
proximidade com a cidade. O surgimento de Águas Claras também impulsionou o
crescimento. “Quando a metrópole se expande, a tendência é que as zonas
agrícolas virem urbanas. O que aconteceu em Brasília ocorre em outras cidades
do mundo. De alguma forma, isso contribui para diminuir a dispersão da cidade,
que é perversa do ponto de vista econômico, social e ambiental”, afirma
Frederico Holanda, professor de arquitetura e urbanismo da Universidade de
Brasília.
Na opinião de arquitetos e urbanistas, atualmente, a região de Vicente
Pires não tem características rurais, mas, sim, de uma ocupação desordenada,
com ruas estreitas, falta de calçadas, dificuldade de escoamento das águas e
ausência de espaços públicos, como praças. “A urbanização que foi consolidada é
de péssima qualidade, não tem condições para um hábitat urbano, com serviços
mínimos necessários à população”, defende Holanda. Benny Schvarsberg, professor
de urbanismo e planejamento urbano da UnB, explica que a omissão do poder
público em deixar nascer uma cidade em zona rural e a consequente demora para
regularizar a área consolidada vão tornar o processo urbanizatório mais
complexo. “Em uma situação de consolidação, fica mais difícil, do ponto de
vista técnico, montar o aspecto urbanístico. Em vez de começar uma casa nova, o
urbanista vai pegar uma construída e ir adequando, o que deixa o projeto mais
difícil e mais caro.”
Josemar Araújo é síndico de um condomínio:
preocupação com o fracionamento dos lotes
Moradores
A regularização das colônias agrícolas de Vicente
Pires, Samambaia e Arniqueiras é um desejo antigo dos moradores. Sem a posse do
imóvel, o Estado não poderia fazer obras de infraestrutura na região. Coube aos
próprios ocupantes essa função. Renato Soares, militar, mora há 15 anos na
região da Colônia Agrícola Samambaia e, mesmo com as dificuldades — foram os
próprios moradores que pavimentaram as ruas com asfalto —, pretende
comprar o lote em que mora com a mulher e dois filhos. “Viemos para cá porque
não tinha programa habitacional para a classe média”, afirma. “Aqui, ao menos,
conseguimos morar com alguma dignidade.”
Moradora de Vicente Pires há cinco anos, Ana Carolina da Conceição, 33,
psicóloga, acha importante regularizar porque acaba trazendo os investimentos
necessários. “Há apenas uma escola e um posto de saúde.” Josemar Costa Araújo,
70, mudou-se para Arniqueiras em 2002. No entanto, ele comprou o terreno ainda
em 1998. Síndico de um condomínio de 25 casas, ele vê com preocupação a
possibilidade de fracionamento dos terrenos em espaços de até 125m². “Essa
brecha pode inchar a população local.”
Fonte:Flávia
Maia - Alexandre Facciolla » Especial para o Correio – Fotos:
Minervino Junior/CB/D.A-Press – Correio Braziliense