Local onde o confronto se tornou mais forte:
polarização política reflete o que ocorre no Brasil, com manifestantes pró e
contra o governo petista
Grupo é acusado de gritos homofóbicos e racistas
contra alunos da instituição. Protesto ocorreu na sexta-feira, com objetivo de
acabar com a doutrinação esquerdista em universidades. Reitoria e governo
repudiam ato e dizem que investigarão os envolvidos
Um ato político na Universidade de
Brasília, na noite de sexta-feira, tomou contornos racistas e homofóbicos. Um grupo
de cerca de 30 pessoas invadiu o Instituto Central de Ciências (ICC), conhecido
como Minhocão, com gritos contra greve, por volta das 21h. Eles foram abordados
pelos alunos da instituição, que pediam silêncio durante as aulas. As duas
partes, então, começaram uma barulhenta discussão. Nas redes sociais, um vídeo
mostra pessoas vestidas de preto e com camisas da Seleção Brasileira bradando
contra estudantes. “Eu sou empresária, pago imposto caríssimo pra manter esse
parasita. Gay, safado, parasita”, grita uma mulher a um aluno. O vídeo também
mostra o momento em que uma bomba caseira é lançada na entrada do prédio. A
instituição apura o ato, que tem uma conotação maior e reflete o estado de
espírito da sociedade: a polarização política.
Entre as manifestantes, aparece Kelly
Bolsonaro, ativista de direita, que invadiu o campo do estádio Mané Garrincha
durante o jogo entre Flamengo e Fluminense, em fevereiro deste ano. Na ocasião,
ela levantou um cartaz exigindo a saída da presidente Dilma Rousseff. Enquanto
isso, o aluno de serviços sociais Kaic Ribeiro, que saía de uma reunião com
estudantes de serviço social, ouviu o barulho da primeira bomba. Ele afirma ter
ficado extremamente assustado quando se encontrou com o grupo concentrado no ICC.
“Fiquei muito nervoso e com medo, foi uma cena assustadora. Foram ali para
dizer que todos eram vagabundos comunistas. A maioria dos alunos ficou
perplexa, sem saber como reagir e eles disseram que isso tudo era só o começo e
voltariam com mais. Isso foi uma manifestação fascista”, afirma.
A estudante de artes cênicas Larissa
Souza, 22 anos, declara que o discurso de ódio não condiz com o projeto de
criação da UnB e afirma: “Quando o fascismo atinge instituições educacionais,
devemos rever urgentemente as bases ideológicas desses espaços. Precisamos
ampliar nosso discurso àqueles que insistem em deturpar o projeto de
universidade democrática de Darcy Ribeiro”. Muitos presentes lembraram a
invasão da Polícia Militar em 1968, durante a ditadura, e a ameaça terrorista
sofrida pela instituição em 2012 (leia Memória).
Além dos ataques racistas e
homofóbicos, alguns alunos também acabaram vítimas de perseguição supostamente
por integrantes do grupo. Dois deles foram seguidos por um motoqueiro, após
saírem com o carro do estacionamento do Minhocão. “Tudo começou quando estávamos
indo pegar o carro. Um grupo de pessoas começou a xingar a gente, chamando de
vagabundos e maconheiros. Eles chegaram a provocar para alguma briga física. Vi
um deles com uma haste de bandeira na mão”, lembra o estudante, que não quis se
identificar. Após entrar no veículo, os alunos ainda foram seguidos por um
homem que lançou objetos contra eles. “Foi algo assustador. Nunca pensei que
isso fosse ocorrer dentro da faculdade”. A ocorrência foi registrada na 2ª
Delegacia de Polícia (Asa Norte), que investiga os fatos.
Outra aluna diz ter sofrido o mesmo
tipo de perseguição. Ela foi liberada da aula às 20h50, e saiu assustada com o
barulho dos manifestantes. Ele afirma que, ao chegar ao estacionamento, também
foi seguida por um motociclista. “Eles estavam agredindo verbalmente os alunos
que saíam das aulas, me chamaram de puta, maconheira, jogaram coisas no meu
carro. Disse ao homem da moto que, se ele continuasse a me seguir, eu faria um
boletim de ocorrência. Eu anotei a placa. Depois disso, jogaram outro objeto no
meu carro, eu arranquei e fui embora”, declara a estudante.
“Sem homofobia”
Depois de várias tentativas, a
reportagem conseguiu entrar em contato com um integrante do protesto da noite
de sexta. Ele pediu para ser identificado apenas como Maurício — por medo de
represálias — e disse ser amigo e estar ao lado de Kelly Bolsonaro. Maurício
repudia a ideia de a manifestação ter qualquer caráter homofóbico ou racista.
“Nós nos organizamos pelo WhatsApp para um ato pacífico, com cerca de 40 pessoas,
inclusive com estudantes”, afirma. Ele acredita que no máximo 30 pessoas
estiveram no Minhocão Sul, todas com o intuito de pedir liberdade de expressão
e protestar contra a “doutrinação esquerdista” dentro das universidades. “Dos
30 que estiveram ali, três tiveram um comportamento inadequado. Nós somos
contra. Não tem ninguém homofóbico do nosso lado”, resumiu, destacando que
também não veio a bomba que explodiu no meio da confusão.
Maurício reconhece que alguns
manifestantes estavam mais exaltados. “Eles estavam com medo porque já
aconteceu antes de a gente protestar e ser agredido”, afirma. “Uma senhora foi
muito provocada. Um cara levantou a saia e mostrou as nádegas para ela. Não
precisava xingar, mas, às vezes, não conseguimos nos controlar”, explica
Maurício, justificando as palavras de uma das integrantes do grupo. Ele disse
também ter repreendido outra pessoa que estava com uma espécie de porrete na
mão.
Outro protesto
Em uma página do Facebook, intitulada
“Ato contra o discurso de ódio, o fascismo e a violência na UnB”,
representantes de diversos Centros Acadêmicos convocam para um ato contra os
ataques sofridos pelos estudantes da instituição. A convocação é para amanhã, a
partir das 12h, no espaço conhecido como Ceubinho.
Uma universidade dividida
O professor David Fleischer, do Instituto de Ciência Política, afirma
que o ato precisa ser discutido dentro da universidade e não pode passar
despercebido. Fleischer acredita que o ataque teve motivações políticas, já que
a instituição abriga os mais diversos tipos de pensamentos. “Os direitistas
encaram a UnB como reduto de esquerda e atacam por conta disso. Mas a UnB é uma
entidade que tem milhares de estudantes e professores, não é um espaço
monolítico. Há vários tipos de pensamento, não podemos enxergar como um lugar
apenas esquerdista”, declara o professor. Fleischer, que entrou na UnB em 1972,
acredita que é preciso que grupos de estudantes se mobilizem e que o reitor
faça uma declaração condizente, mostrando que esse tipo de ato não será novamente
tolerado. “Entre os anos 1960 e 1970, a UnB sofreu muitos ataques do governo
militar e de grupos extremos. Para nós, que somos mais antigos, esse tipo de
ato causa arrepios”.
O professor José Geraldo Sousa Júnior,
ex-reitor da universidade, também aponta a questão política como fundamental na
discussão. Para ele, a situação simplesmente repete o que ocorre no Brasil.
“Está dentro do clima de polarização e contradição, quando há contrapontos de
ideias em toda a sociedade”, diz. Para ele, a manifestação de sexta-feira não é
só sobre a greve pretendida pela Associação dos Docentes da UnB (ADUnb), em
apoio à presidente Dilma Rousseff, mas por causa da embate política vivido no
país.
Segundo Maurício, integrante do grupo
de manifestantes da sexta-feira, o principal objetivo do ato foi mostrar que há
outras forças políticas dentro da universidade e pedir o fim da doutrinação
esquerdista nas instituições de ensino superior. “A greve política que os
professores esquerdistas querem fazer no segundo semestre, contra o que eles
chamam de golpe, é uma das causas de a gente ter feito a manifestação. Essa foi
uma tentativa de iniciar um movimento para diminuir a doutrinação esquerdista
dentro das universidades”, aponta. “Durante o ato, muitos estudantes faziam sinal
de positivo e nos davam apoio, mas eles fazem isso escondido por medo de serem
perseguidos. Hoje, na UnB, a maioria não é esquerda”, argumenta, prometendo que
as ações vão continuar e que, em breve, um vídeo com a versão deles será
publicado.
Memória - Ameaças e invasão no câmpus
Memória - Ameaças e invasão no câmpus
Em 2012, professores, alunos e
servidores da UnB viveram o medo de um atentado. Marcelo Valle, 26 anos, e
Emerson Rodrigues, 32, ameaçaram promover um massacre contra os estudantes de
ciências sociais. Em 22 de março daquele ano, a Polícia Federal deflagrou a
Operação Intolerância, que colocou na cadeia dois suspeitos de planejar a ação.
Décadas antes, durante o regime militar, ocorreu a invasão mais violenta. Em
1968, os alunos protestavam contra a morte do estudante secundarista Edson Luís
de Lima Souto, assassinado por policiais militares no Rio de Janeiro. Agentes
das polícias Militar, Civil, Política (Dops) e do Exército invadiram a UnB e
detiveram mais de 500 pessoas, entre elas, Honestino Guimarães. O estudante
Waldemar Alves foi baleado na cabeça, tendo passado meses em estado grave no
hospital.
Reitor e Buriti garantem investigação
Integrante do grupo de manifestantes diz que houve
exagero por parte de alguns, mas que aqueles que protestavam não eram
homofóbicos
A reitoria garantiu que investigará a
atuação do grupo no Minhocão. A equipe de segurança chegou a acionar a Polícia
Militar, porém, ao chegar no local, a confusão já havia sido dispersada. “Não
podemos admitir nenhum ato como esse. A universidade dever ser um ambiente para
diversidade de pensamento. Isso inclui a defesa do posicionamento, mas como um
debate claro. Qualquer tipo de violência como ocorreu é repudiada pela
instituição”, afirmou o reitor da UnB, professor Ivan Camargo. Ao longo da
semana, a Decana de Assuntos Comunitários continuará coletando depoimentos de
funcionários e alunos que estavam no ICC no momento das agressões verbais. A
Polícia Federal será acionada somente se algum aluno fizer algum pedido formal
junto à instituição de ensino.
O governador do DF, Rodrigo Rollemberg
(PSB), também manifestou revolta com a situação em uma página na internet.
“Determinei à Polícia Civil que apure os casos recentes de ataques a estudantes
da UnB com especial atenção. Nosso governo está em sintonia com a sociedade de
Brasília, que não aceita atos de intolerância e ódio”, afirmou. Quem cuidará do
caso é a Delegacia Especial de Repressão aos Crimes por Discriminação Racial,
Religiosa ou por Orientação Sexual , ou contra a Pessoa Idosa ou com
Deficiência (Decrin).
O Diretório Central dos Estudantes
(DCE) repudiou a agressão aos alunos da instituição. “A manifestação foi
exagerada e completamente inadequada para o ambiente universitário. Eu estava
no ICC e vi o momento em que alguns alunos pediram para diminuírem o barulho.
Foi quando começaram as agressões verbais. Não acreditei que aquilo estava
ocorrendo dentro da universidade”, lembra o presidente do DCE, Gabriel Bertoni.
Segundo ele, nenhuma das pessoas envolvidas foram identificadas como alunos da
UnB. “O DCE condena essa atitude veementemente, independente do posicionamento
político de cada um, o respeito e a liberdade de expressão devem prevalecer”,
declarou.
Fonte: Thiago Soares – Leonardo Meireles – Isabella
de Andrade - Especial para o Correio Braziliense
– Fotos: Zuleika de Souza/CB/D.A.Press – (Mídia Ninja-Reproduçaõ) - Blog-
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