Vista de parte da Superquadra 314 Norte: presença
forte de verde e espaço livre para a circulação são algumas das riquezas da
concepção de Lucio Costa
Uma exposição e dois livros sobre a cidade marcarão
os 80 anos do Iphan no Brasil e os 15 no DF. As iniciativas alertam quanto à
conservação do patrimônio
Brasília é conhecida mundialmente pela arquitetura
moderna, erguida a partir dos traços de Lucio Costa e Oscar Niemeyer. Com
apenas 56 anos, ostenta o título de Patrimônio Cultural da Humanidade, pela Unesco.
E, mesmo com tanta história inserida em diversas regiões da cidade, que a
riqueza, muitas vezes parece esquecida pelos moradores. É por isso que a
superintendência do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional
(Iphan), no Distrito Federal, se empenha em fazer o resgate desse
reconhecimento. A instituição preparou três projetos relacionados ao patrimônio
da capital do país: a exposição Patrimônio arqueológico no Planalto Central; e
os livros GT Brasília: memórias da preservação do patrimônio cultural do DF e
Superquadra de Brasília — preservando um lugar de viver.
Essa
última publicação está disponível no site da entidade. É o primeiro volume de
três, nos quais descreve a importância dessas áreas residenciais para a cidade.
Com a Asa Sul e a Asa Norte, há 120 superquadras que contam com as linhas
históricas de Lucio Costa. O propósito do material é fazer com que o conteúdo
ganhe uma linguagem consistente, mas não técnica. “Nós queremos um diálogo com
o morador de Brasília sobre a composição do espaço urbano da cidade. Como, por
exemplo, as características, a livre caminhada e a valorização da arquitetura”,
descreve o superintendente do Iphan no DF, Carlos Madson.
A
produção da publicação durou cerca de oito meses e teve diversas contribuições.
Com o objetivo da leitura mais leve, boxes ilustram as páginas com possíveis
dúvidas e também curiosidades. “O patrimônio é coletivo e pode servir de
referência de um bem histórico. Deve ser valorizado por todos. Lucio Costa
inovou os conceitos de superquadras”, explica Carlos.
O mineiro
de Paracatu Jarbas Gonzaga de Jesus, 59, veio para Brasília com 17 anos em
busca de emprego. Há 42, tornou-se chaveiro na SQS 308, considerada uma das
quadras modelo do Plano Piloto (leia Para saber mais). “A minha loja, para mim,
é uma residência. Eu moro aqui e volto para o Gama só para dormir”, brinca. Nas
horas vagas, diverte-se com os amigos ao lado do negócio. Com escalas de
revezamento e sério comprometimento, eles disputam partidas de dominó até o
cair da noite. “Aqui somos uma comunidade”, resume o comerciante.
O casal
paulista de servidores públicos Janaína e Rodrigo Belon está na capital há
quatro anos. Com um filho recém-nascido, o pequeno Ulisses, eles procuraram
dicas de onde viver na capital, até que a Asa Sul e o apartamento original em
que vivem ganhou o coração deles. “Tem duas coisas que fazem daqui uma cidade
única. Em qualquer lugar que você estiver, você vê o céu e árvores”, diz
Rodrigo. Sônia Maria, tia de Rodrigo, reside em São Paulo e admite que, se
tivesse 20 anos menos, mudaria para o DF sem pensar duas vezes.
Acervo
A outra
publicação resulta dos anos de estudo do Grupo de Trabalho para a Preservação
do Patrimônio Histórico e Cultural de Brasília (GT/Brasília). Com isso,
diversos materiais restritos a documentos se tornarão públicos. A equipe é a
primeira a pesquisar o patrimônio moderno brasileiro, iniciada na década de
1980. Foram eles que montaram o dossiê para a apresentação de Brasília como
Patrimônio Mundial. “É um material muito rico. Os assuntos tratados interessam
muitas pessoas, além da informação que apresentam”, detalha o superintendente
do Iphan no DF. Os livros serão distribuídos em escolas, bibliotecas, entre
outros.
Mas
Brasília não se resume a urbanismo. É o que mostra a exposição Patrimônio
arqueológico no Planalto Central, que revelará, por meio de painéis
pantográficos, diversos documentos históricos do acervo do Iphan — o DF reúne
50 sítios arqueológicos registrados, com 8 mil a 11 mil anos, além das 67
cavernas identificadas. Com essa iniciativa, um dos objetivos do órgão é a
criação de uma instituição de guarda e pesquisa desse material, pois o mais
próximo do DF fica em Goiânia. “Esse evento é para dar visibilidade e também
trabalhar na perspectiva da necessidade de se ter (um museu dese tipo). O que é
nosso temos de manter aqui e não mandar para outros lugares”, queixa-se Carlos
Madson.
Os
lançamentos fazem parte das comemorações dos 80 anos do Iphan no Brasil e dos
15 da superintendência no Distrito Federal. Como uma das instituições públicas
mais antigas do país, é por meio dela que se refletem as ações de patrimônio
ainda preservado. “O trabalho de atuação se iniciou antes mesmo da construção
de Brasília, com o Catetinho. Apesar dos problemas enfrentados, não podemos
negar que a cidade está preservada”, conclui Carlos. O evento que reunirá todos
os projetos será realizado amanhã, às 18h, na sede do órgão. A exposição ficará
no local até 30 de setembro.
Para saber mais - Quadra modelo
Inaugurada em 19 de fevereiro de 1962 e construída pelo Banco do Brasil,
a SQS 308 é a única superquadra que seguiu rigorosamente o Relatório do Plano
Piloto de Lucio Costa. Conhecida como quadra modelo, ela serve como referência
para as demais construções da cidade. Todos os blocos revelam um dos lados de
cobogós e o outro com fachadas coloridas e janelões de vidros, também
conhecidos por Televisão dos candangos. Diferentemente do que se imagina, os
prédios não foram projetados por Niemeyer, mas pelos arquitetos Marcelo
Campello e Sérgio Rocha, casados com o paisagismo de Roberto Burle Marx. O
Bloco H continua o mais fiel ao projeto, segundo informações da Prefeitura da
SQS 308. Piso, pastilhas e guarita são as mesmas desde a inauguração. A quadra
também é pioneira em garagem subterrânea. E a primeira a ter um lago de carpas.
Lá, há Clube Vizinhança, Escola Classe, Escola Parque, Jardim de Infância,
Espaço Cultural 508 Sul, posto de saúde, biblioteca, a Igrejinha de Fátima,
cinema, teatro e supermercados.
Fonte: Correio Braziliense –
Fotos: Antonio Cunha/Esp.CB/D.A.Press – Carlos Moura/CB/D.A.Press