Por Lucio Rennó,
Ir a pé ou de bicicleta para o
emprego é uma benção ou uma maldição? Usualmente tendemos a pensar que morar
perto do local de trabalho é cômodo, conveniente e que estimula uma vida mais
saudável, menos sedentária, permitindo que as pessoas andem ou usem a bicicleta
para ir trabalhar. Isso pode ser meia verdade.
De fato, quando o cidadão tem a capacidade de escolha sobre onde morar e
onde trabalhar e opta por encurtar essa distância, permitindo se locomover
através de modais não-motorizados, então é uma benção. Mas, se um cidadão está
preso a uma região em que só pode chegar ao trabalho a pé, sem ter acesso ou
poder arcar com um transporte que o leve a centros com melhores empregos, usar
modos ativos de mobilidade trata-se de uma necessidade e uma restrição. Para
quem só conta com a própria força física para se locomover, as opções de
trabalho são menores, pois o alcance a empregos fica restrito a uma área
geográfica mais reduzida. Isso é testemunho do papel imprescindível do
transporte público para ampliação das oportunidades de emprego.
Através do uso de dados da Pesquisa Distrital por Amostra de Domicílios
(PADAD/2015/16), que representa todas as Regiões Administrativas do Distrito
Federal, realizada pela Companhia de Planejamento do Distrito Federal
(Codeplan), podemos investigar quais são os hábitos de mobilidade ativa dos
cidadãos do DF e como isso se relaciona com renda, local de moradia e de
trabalho.
A mobilidade ativa envolve modos de locomoção não-motorizados, como
andar a pé, de bicicleta ou qualquer outro meio que faça uso da força física do
ser humano. No DF, há padrões bastante claros e que remetem a uma situação na
qual o uso da mobilidade ativa assemelha-se mais a um caso de restrição, de
maldição, do que de benção.
Em primeiro lugar, é interessante notar que ir a pé é a terceira forma
mais comum de locomoção entre casa e trabalho no DF. Aproximadamente 10% dos
trabalhadores usam esse meio. Prevalece o uso do automóvel (41%) e do ônibus
(38%), mas os demais meios (metrô, bicicleta, motocicleta e utilitário) somam
apenas 11%. Dentre os meios de mobilidade ativa, andar a pé é o mais comum.
Vale registrar que apenas 1% da população do DF afirma usar a bicicleta para se
locomover ao trabalho.
Quem vai a pé ao trabalho é o morador de cidades com renda mais baixa
que trabalha na própria cidade de moradia. Quando dividimos as Regiões
Administrativas do Distrito Federal por faixa de renda, para o grupo 1 (com
renda média domiciliar acima de R$ 10 mil) e o grupo 2 (entre R$ 5 mil e R$ 10
mil ) o principal meio de transporte é o automóvel. Para os grupos 3 (entre R$
2.500 e R$ 5 mil) e 4 (com renda média abaixo de R$ 2.500) o uso do ônibus é
predominante.
Contudo, no grupo 1, só 5% dizem ir a pé ao trabalho enquanto que, no
grupo 4, 16% vão a pé. Ou seja, a mobilidade ativa é subutilizada entre os
moradores de cidades de renda alta e aparece nas de renda mais baixa, em
comparação com a frequência geral do DF.
Dos 95% que andam a pé e 70% dos que vão de bicicleta ao emprego, estes
trabalham na própria cidade em que moram. Quando alguém trabalha em uma cidade
distinta da que reside, quase nunca vai a pé ou de bicicleta. Nesse caso, o uso
da bicicleta é um pouco mais frequente, são 12%, frente a 5% dos que andam. As
pessoas com menor escolaridade são as que tendem a ir a pé ou de bicicleta ao
trabalho.
Ou seja, aqueles que usam a mobilidade ativa para se locomover ao
trabalho estão restritos a regiões com empregos menor remunerados e de mais
baixa qualificação. A mobilidade ativa não parece ser uma escolha, mas uma
necessidade.
Contudo, transformar essa realidade, ampliando o uso da mobilidade ativa
nas áreas com maior renda é plausível. 89% da população ocupada moradora do
Plano Piloto trabalha nessa mesma cidade e 80% da população ocupada residente
no Sudoeste/Octogonal trabalha no Plano Piloto. Como morar perto do trabalho é
o padrão para se usar a mobilidade ativa, há grande potencial para se estimular
modais não motorizadas nessas regiões. Se uma parte dessas populações passasse
a usar a bicicleta ou ir a pé ao trabalho, teríamos menos carros nas ruas.
Assim, melhorar e ampliar ciclovias e calçadas são medidas importantes nas
políticas de mobilidade urbana. Adequações nos locais de trabalho, com a
instalação de bicicletários e de vestiários facilitariam o uso da mobilidade
ativa. Além disso, reduzir os incentivos para o uso do carro, com cobrança de
estacionamentos e punição para o uso de vagas irregulares, estimularia o uso de
modais não-motorizados. Essas são práticas comuns em várias cidades do mundo e
do Brasil, com resultados positivos para a coletividade.
(*) Lucio Rennó - Presidente da
Companhia de Planejamento do Distrito Federal (Codeplan) – Fonte: Correio
Braziliense – Foto/Ilustração: Blog - Google