Eles têm a missão de recriar Brasília. E se
reinventar. No ano em que a população do Distrito Federal chegará ao terceiro
milhão, um futuro diferente começa a ser traçado pelos pequenos cidadãos que
trazem a capital no DNA
Em janeiro de 1960, quatro meses antes
da data estabelecida pelo então presidente Juscelino Kubitschek para inaugurar
a nova capital do país, Brasília abrigava mais de 60 mil pessoas. Mãos que
escreveram, nos canteiros de obras, os primeiros capítulos da história de uma
cidade moderna. Mais de 50 anos se passaram e, no decorrer desse tempo, vieram
parágrafos recheados de acontecimentos históricos, como o movimento dos
caras-pintadas e a cena musical que exportou talentos. No livro brasiliense,
diferentes gerações nasceram. Algumas ocuparam órgãos públicos e outras
empreenderam e espalharam a marca criada na capital. Em 2017, Brasília atinge,
de acordo com estimativas, a linha dos 3 milhões de habitantes (leia Para saber
mais). Uma nova população que chega, cada vez mais, com sinais brasilienses.
Que histórias escreverão os bebês da geração 3 milhões?
“Quero que ela conte histórias de
pessoas que foram buscar o que desejam”, responde a designer brasiliense
Fernanda Mujica, 27 anos. Ela é mãe de Julia Aragão, 7 meses. A menina é uma
grande companheira da mãe e já acompanha Fernanda no universo empresarial. Há
quatro anos, Fernanda conduz um estúdio de design com a sócia e uma equipe de
oito pessoas. “Queria fazer diferente do que era oferecido pelo mercado. Não só
de serviços, mas também de estilo. As agências de publicidade falam do trabalho
como sinônimo da vida e eu vejo o trabalho como pedaço da vida”, conta.
Inicialmente, a ideia era criar uma empresa que atendesse organizações não
governamentais, mas Fernanda viu uma demanda de empreendedores da cidade que
almejavam fazer algo a mais em Brasília. Hoje, esse é o grande público do
estúdio.
Para ela, Julia será de uma geração
ainda mais independente e autônoma. “Acredito que eles não vão querer sentar em
uma mesa e trabalhar formalmente. Vão fazer horário, produzir de acordo com a
demanda e aproveitar muito mais a vida”, imagina. Não à toa, a mãe vê a filha
superconectada com as tecnologias. Da mesma forma que as redes sociais
surgiram, sem ninguém imaginar, e passaram a definir o cotidiano, outras
descobertas virão. “Fico me questionando como será a cobrança numa vida tão
conectada.”
Tecnologia
A advogada Isabella Andrade, 34, também
se preocupa com o desenrolar dos avanços tecnológicos. Contudo, anseia que a
filha Cecília, de apenas 2 meses, aproveite Brasília como ela desfrutou.
“Espero que ela seja mais parecida com a minha geração, mais desconectada e
voltada ao lúdico. Brinque na rua, com os amigos do prédio. Uma convivência
saudável que eu e o pai dela tivemos.”
Isabella reconhece as vantagens e as
facilidades proporcionadas pela modernidade, mas avalia que hoje não há um
limite. Também destaca o aumento da violência como algo que tem influenciado
uma mudança de comportamento entre as crianças e os jovens. Na época em que
morava no Guará, as brincadeiras de rua eram rotina. As amizades vinham fácil.
“Hoje, mal conhecemos os nossos vizinhos. Andamos indiferentes, na defensiva.
Se a gente não mudar nosso pensamento, vai ser um pouco pior”, avalia.
Em 57 anos, a capital do país teve
muitas caras. Dos pioneiros e candangos, da geração do rock, dos funcionários
públicos e políticos, que hoje assumiram cargos de comando da cidade, e de uma
juventude empreendedora, criativa, inquieta e determinada a retomar e ocupar
espaços de Brasília. “Vejo que somos brasilienses querendo mudar a realidade e
correr atrás dos sonhos”, define a publicitária Fernanda Sterquino, 22. Grávida
de Miguel, ela é a primeira da família a nascer na capital. Desde junho de
2015, decidiu abrir o próprio negócio: uma papelaria personalizada. “Brasília
recebeu bem a ideia. Meu público é praticamente da mesma geração que eu. Vendo
nas redes sociais e, por lá, os clientes me procuram. Também participo de
feiras.”
Os pais apoiaram a filha, mas,
preocupados com estabilidade, sempre comentaram sobre a segurança do concurso
público. “Nesse ponto, vejo uma diferença com meus pais. Eles falam sobre o
serviço público, mas eu e meu irmão não queremos, não vamos trabalhar com o que
a gente não gosta. A gente prefere arriscar”, resume. Para a publicitária, o
futuro da capital está justamente nas mãos dos empresários. E Miguel? Se
Fernanda pudesse, começaria a passar pelo cordão umbilical a mesma motivação e
inquietação para o filho.
No futuro
O sociólogo do Centro de
Desenvolvimento Sustentável da Universidade de Brasília (UnB) Elimar Pinheiro
do Nascimento estuda futuro e prospecções desde 1987. Ele pondera que, para
pensar Brasília e a geração 3 milhões, é preciso determinar em quantos anos se
quer avaliar. “Algumas coisas mudam com muita rapidez; outras, lentamente. Em
20 anos, o que vai mudar? As tecnologias, o mundo do emprego, o estilo de vida,
o conjunto de valores.” Os avanços tecnológicos vão propiciar oportunidades,
como as descobertas na medicina, as questões de mobilidade urbana e do ensino a
distância. Contudo, também trarão desafios e condições desfavoráveis, como o
desemprego.
Nas palavras de Nascimento, será uma
população mais do que centenária: saudável e com qualidade de vida. “Porém, em
condições climáticas desfavoráveis”, analisa. Por mais que o sociólogo destaque
que a preocupação com o meio ambiente ganhará cada vez mais valor, as mudanças
climáticas já estão se efetivando. Além disso, na visão de Nascimento, serão
pessoas treinadas para empreender. “Os volumes de recursos públicos vão
diminuir. O peso da economia do Estado como é hoje não vai mais existir.” Por
fim, serão brasilienses com mais acesso à globalização. Se, hoje, alguns fazem
mestrado e doutorado fora do país, dentro de alguns anos a internacionalização
será maior e mais precoce.
O presidente da Companhia de
Planejamento do DF (Codeplan), Lucio Rennó, também acredita que os bebês de
hoje vão precisar encontrar novas formas de trabalhar, de investir, de produzir
renda e consumir. Para ele, a crise fiscal enfrentada pelos estados terá
impacto direto no modo de vida das pessoas. “O peso do Estado, dos cargos
públicos e da capacidade de compras e investimentos vai ser menor do que é
hoje. Certamente, isso mudará. Com um agravante, a quantidade de servidores
aposentados vivendo mais tempo será maior. Brasília vai precisar repensar.”
Outros tipos de inserção no mercado de trabalho terão que surgir. “Isso vai
exigir um grande esforço de reorganização da economia brasiliense.”
Para Rennó, a capital que nasceu para
ser a sede do governo e o centro administrativo do país tem grande potencial de
se transformar em um polo da indústria da tecnologia. “Com raízes em dados, com
o perfil que temos de consumo, com os altos dados de educação, com a restrição
da oferta na iniciativa pública e a juventude empurrada para o mercado, existe
a capacidade de desenvolver uma indústria criativa, um polo tecnológico”,
prevê.
Para saber mais - Rumo aos 100 anos
Dados do Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE) mostram que a população estimada de Brasília, em
2016, é de 2.977.216 pessoas. Segundo a coordenadora dos Bancos de Leite da
Secretaria de Saúde, Miriam Santos, no DF, nascem, em média, 3.200 bebês
residentes por ano. Um cálculo rápido, seguindo essa previsão, revela que, ao
fim de 2017, a cidade terá mais de 3 milhões de habitantes. “A nossa cidade
está envelhecendo, como todo país, e uma característica dessa criança que está
nascendo agora é ter uma expectativa de vida de 100 anos”, afirma Miriam. Por
isso, a Secretaria de Saúde tem focado em algumas estratégias para essa faixa
etária, com programas de aleitamento materno, reforço das unidades de saúde,
profissionais de pediatria, médico da família, nutricionista, fonoaudiólogo,
fisioterapeuta e todos que podem contribuir para que seja uma geração sadia.
“Dessa forma, também teremos uma menor sobrecarga no sistema de saúde.”
Por Roberta Pinheiro - Especial
para o Correio Braziliense – Foto: Marcelo Ferreira/CB/D.A.Press
Lindas demais.
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