Ex-ministra do STJ afirma que o
brasileiro desconfia de tudo que vem do Estado. Mas, segundo ela, a composição
blinda o Supremo de desmandos
Por » Ana Dubeux - » Leonardo Cavalcanti - » Vera Batista,
Avessa a qualquer tipo de sigilo
no Poder Judiciário, a ministra aposentada do Superior Tribunal de Justiça
(STJ) Eliana Calmon, 72 anos, defende que os dados dos processos têm de vir à
tona. “As coisas públicas precisam ser vistas pela sociedade, que é o órgão que
mais controla os Poderes.” Na delação premiada, no entanto, faz a ressalva de
que é preciso cuidado para que as informações não sejam usadas para atacar
desafetos. Diante da necessidade de substituição do ministro falecido Teori
Zavascki, ela analisa as desconfianças do cidadão. “Nós, brasileiros, estamos
desconfiados de tudo que vem do Estado, qualquer que seja, de tanto que
apanhamos. O Supremo passou a ter uma relevância na sociedade brasileira. Por
outro lado, o próprio STF, com a atuação de alguns ministros, tem ficado
vulnerável.”
Ao se referir ao ministro Edson Fachin, novo relator da Lava-Jato, ela ressalta qualidades. “Talvez, entre os nove outros ministros, ele seja o que mais tem aproximação com as qualidades do Teori.” Para o sucessor do ministro morto em um acidente aéreo, Eliana defende um nome que não tenha padrinho político. “Eu conheço bem toda a classe jurídica, os integrantes do Judiciário. E o nome que mais se aproxima do perfil do ministro Teori é o Ives Gandra Martins Filho (presidente do Tribunal Superior do Trabalho). “Ele une discrição e determinação, está afastado de toda a contaminação da classe política.” Apesar dos mais de meio milhão de votos na Bahia, na última eleição para o Senado, a ex-ministra garante que não vai voltar às urnas. “Era muito ingênua. Se eu tivesse 30 anos, continuaria para ver a mudança do sistema político. Sem mudanças, não vamos a lugar nenhum.”
Ao se referir ao ministro Edson Fachin, novo relator da Lava-Jato, ela ressalta qualidades. “Talvez, entre os nove outros ministros, ele seja o que mais tem aproximação com as qualidades do Teori.” Para o sucessor do ministro morto em um acidente aéreo, Eliana defende um nome que não tenha padrinho político. “Eu conheço bem toda a classe jurídica, os integrantes do Judiciário. E o nome que mais se aproxima do perfil do ministro Teori é o Ives Gandra Martins Filho (presidente do Tribunal Superior do Trabalho). “Ele une discrição e determinação, está afastado de toda a contaminação da classe política.” Apesar dos mais de meio milhão de votos na Bahia, na última eleição para o Senado, a ex-ministra garante que não vai voltar às urnas. “Era muito ingênua. Se eu tivesse 30 anos, continuaria para ver a mudança do sistema político. Sem mudanças, não vamos a lugar nenhum.”
Porque tanta desconfiança em relação ao sorteio do substituto de Teori
Zavascki?
Nós,
cidadãos brasileiros, estamos desconfiados de tudo que vem do Estado, qualquer
que seja, de tanto que apanhamos. O Supremo passou a ter uma relevância na
sociedade brasileira. É da maior importância para os cidadãos, pois os dois
outros Poderes estão vulneráveis. O Legislativo se deteriorou. A deterioração
nasce lá dentro e passa pelo braço do Executivo. Por outro lado, o próprio STF,
com a atuação de alguns ministros, tem ficado vulnerável. Posso falar muito à
vontade, porque sou falastrona. Mas só falei muito quando cheguei à
corregedoria. Falei da administração da Justiça. É diferente.
Muita gente aplaudiu sua postura forte. Mas a senhora foi também muito criticada.
O Judiciário está fazendo um grande esforço para se aproximar da
população, mas a estrutura dele ainda é quase napoleônica. Os próprios
magistrados não aceitam essa abertura. Dizem que as coisas não podem vir à tona
em benefício do próprio Judiciário. Não se traz à baila os males do Judiciário
se valendo dessa ideia de que se está fortalecendo a República, a democracia.
Se começa a esconder tudo. Para quem quer viver às ocultas, não existe lugar
melhor para ficar do que nas sombras.
O Supremo consegue se blindar desse ambiente nocivo no Poder Judiciário?
O Supremo
são 11 ministros, cada um é fiscal do outro. Aqueles homens são os mais
poderosos da República. Podem fazer tudo o que quiserem nesse Brasil, mas só
unidos. Separadamente, não. É o que dá a sustentabilidade do sistema. Por isso,
existe tanta rivalidade. No fundo, ninguém é amigo de ninguém. Os ministros do
STJ têm verdadeira obsessão para chegar ao STF. Por isso, alguns se ligam ao
poder político, para terem sustentação e chegarem até lá.
Há razão para desconfiar do Supremo ou as circunstâncias levam a essa
desconfiança?
São as
circunstâncias que fazem o brasileiro, conhecendo pouco os atores, desconfiar.
Alguns ministros terminam por aumentar essa desconfiança. E os ministros do
Supremo, alguns, têm falado muito. Falas que fazem com que tenhamos a ideia de
que estão alocados a uma ideologia. A população nota e fica sempre achando que
vai acontecer algum deslize. E isso faz com que a instituição fique vulnerável.
Mas é uma coisa quase patológica da sociedade brasileira, escaldada, que começa
a desconfiar de todos. Aí, todos são desonestos até que se prove o contrário.
Qual o perfil que a senhora espera para o próximo ministro do Supremo?
Eu
conheço bem toda a classe jurídica, os integrantes do Judiciário. E o nome que
mais se aproxima do perfil do ministro Teori é o Ives Gandra Martins Filho. Ele
une discrição e determinação, está afastado de toda a contaminação da classe
política. Cada candidato tem um político como padrinho, ele, não. Está fora disso
tudo. É determinado, técnico e com uma vontade muito grande para o trabalho.
Mas tem a questão do posicionamento religioso.
Isso não
tem nada a ver. Eu já via a atuação dele no CNJ, sempre de forma séria, nunca
citou aspectos religiosos no trabalho. Não vejo isso como um impedimento.
A Lava-Jato está em boas mãos com o ministro Edson Fachin?
Sim. O
Teori era muito amigo meu. Homem sério, discreto e preparado. Não conheço bem o
Fachin. Apenas como jurista. Mas tenho observado as movimentações dele. Como
ministro, tem qualidades muito importantes. Talvez, entre os nove outros
ministros, ele seja o que mais tem aproximação com as qualidades do Teori. A
desconfiança da sociedade é infundada em relação a ele. Na minha avaliação e na
avaliação de muitos juristas sérios, uma pessoa que atravessou a vida fazendo
as coisas certas, tendo um bom desempenho, de uma hora para a outra não vai
entortar.
O que a senhora acha dos sigilos das delações?
Em princípio sou contra sigilo. Não suporto sigilos. Vão contra tudo que
é democrático. Entendo que as coisas públicas precisam vir à tona, precisam ser
vistas pela sociedade, que é o órgão que mais controla os poderes. Precisamos
tomar alguns cuidados com a delação premiada. Algumas vezes surgem
declarações que não se confirmam. O instituto da delação premiada exige que,
depois de declarar, se tenha provas. E se alguém pega pura e simplesmente uma
declaração sem prova, os delatores podem usar dessa delação para impulsionar
nomes de desafetos. Mas, depois de devidamente homologada e comprovada, não há
por que ter sigilo. Não importa que seja autoridade ou não, isso tem de
aparecer.
As atuais delações deveriam ser abertas?
Sim, mas
não pela presidente. Pelo relator, que é quem abre e fecha os processos. O
ministro Fachin, conhecendo o processo, deveria abrir. Porque começam
especulações, que podem desestabilizar até uma autoridade que não tem
implicações ou que tem uma implicação mínima. Basta ter sigilo para os
vazamentos de informações começar. Não existe controle. Inclusive, na maioria
das vezes, são vazamentos criminosos, feitos por advogados ou por pessoas do
próprio Ministério Público. Acho que o sigilo é uma coisa terrível. Basta
colocar: é sigiloso. Pronto, começa uma grande dificuldade.
Por que as delações não pegam integrantes do Judiciário?
Norberto
Odebrecht levou 30 anos ganhando todas as licitações, inclusive na Bahia. Todo
mundo sabe que ele não perdia nenhum processo. Será que o Judiciário nunca viu
nada de errado, nenhuma licitação fraudada, nenhum edital que merecesse ser
corrigido? Só agora?
Criou-se na Lava-Jato uma indústria do sigilo?
No
direito penal, sempre existiram as investigações sigilosas. Inclusive em
relação a juízes, todas as investigações são sigilosas, o que sempre me
coloquei contrária. Não tem regra para sigilo. No processo, várias pessoas
manuseiam, inclusive advogados com interesses que autoridades venham para o
bolo, para criar confusão e o cliente dele se safar. Ele próprio vaza. É
perigosíssimo o sigilo.
Quando a Lava-Jato vai acabar?
Sou a favor que acabe logo, para o Brasil começar a pensar em outras
coisas. A gente precisa trabalhar. Não se fala em outra coisa. Mas, se
observamos, a Lava-Jato pegou quem? Não sou a favor de empresário, mas é quem
menos tem culpa. Realmente punimos os empresários. Retiramos os grandes
diretores das estatais, principalmente da Petrobras, a mais saqueada. Mas e os
políticos? Eles são gestores do sistema. A maior responsabilidade vem daí.
Mas temos muitos políticos presos, como Delcídio, Palocci, Zé Dirceu,
Cunha... Quem falta?
Nós todos
sabemos: os geradores deste sistema corrupto. O chefão. No Brasil, há um
sistema que se retroalimenta. O empresariado não tem condições de sobrevivência
sem entrar nos esquemas. Os políticos não têm condições de sobreviver dentro
dos partidos se não aderirem à sistemática da corrupção. E qual é essa
sistemática? O sistema eleitoral. Se não seccionar a origem da coisa, não
adianta Lava-Jato. E quem alimenta esse sistema eleitoral? Os próprios
corruptos. Acredito que tem muitos políticos presos, mas são poucos, se
considerarmos que o sistema é gerenciado por eles.
É possível chegar até o fim desse esquema?
Tem que chegar até a origem, para extirpar. Isso é dificílimo. A
Operação Mãos limpas, na Itália, não conseguiu. Quando chegou dentro do
parlamento italiano, deram um jeito de abafar. A diferença é que a população
brasileira hoje está com a faca nos dentes para não deixar acontecer a mesma
coisa. Vai ser muito difícil conseguirem mudar o rumo da Lava-Jato. Mas quem
vai dar o diapasão é o Supremo.
A senhora concorreu ao Senado em 2014 pelo PSB na Bahia. Pensa em se
candidatar novamente?
Não. Foi
uma experiência muito rica, me senti vitoriosa. Me candidatei pela primeira
vez, em um estado pobre como a Bahia, historicamente alinhado ao governo, com
dois adversários históricos: Geddel Vieira Lima e Otto Alencar. Inclusive tem
uma coisa interessantíssima: só descobri na política, quando foi divulgado o
patrimônio de cada um, que eu era a candidata mais rica. Mais rica que o Geddel
e o Otto (risos). Minha candidatura foi um pouco idealista. Caí no sonho de
Eduardo Campos. Ele dizia: “Ministra, nós precisamos cavar uma terceira via
para evitar essa história PT-PSDB, com o PMDB no meio tirando proveito”.
Descobri na campanha o que são os partidos políticos. É o partido que te dá
vez, voto e plataforma. Porém, às vezes, ele está contra você. O partido quer
mesmo é se manter vivo. Viver do fundo partidário e de meia dúzia de cargos que
consegue. E nunca soube disso. Só descobri quando fui candidata. Era muito
ingênua. Se eu tivesse 30 anos, continuaria para ver a mudança do sistema
político. Sem mudanças, não vamos a lugar nenhum.
O juiz Moro deveria se candidatar?
Não. Eu
estava em uma situação completamente diferente. Tinha chegado ao fim da minha
carreira, não tinha mais idade para ir ao Supremo. Saí sem saudades, sem
remorsos e rancores. Fui feliz e bem-sucedida. E acabou. O Sérgio Moro, não. E
ele é um jovem, tem uma carreira pela frente e está totalmente ligado à
política em razão da atividade que desempenhou. Isso não seria bom nem para
ele, nem para a sociedade e nem para o Judiciário. Deixaria o Judiciário
vulnerável. Não foi preparado para isso.
Por que a gente tem tão pouca transparência no Judiciário principalmente
em relação aos salários dos juízes?
Existe
uma determinação do então presidente do CNJ, Ayres Britto, quando veio a Lei de
Acesso à Informação, desde 2004, para se ter um banco de dados onde todos os
tribunais tinham que informar o salário nominal da magistratura. Não veio à
tona porque é uma questão de honra não dizer quanto se ganha. Os salários são
absolutamente loucos. Hoje, depois da Constituição de 1988, tudo passa pelo
Judiciário. Os governadores querem agradar os desembargadores. E qual é a forma
de agradar? Aumentando o salário. Assim, eles aprovam tudo que o governador
quer. Uma das formas de ceder é recebendo benefícios.
Em relação ao reajuste salarial dos magistrados, a senhora é a favor
desse aumento?
Como eu
posso ser a favor disso? Isso é uma patifaria.
Como é a vida da senhora aqui em Brasília?
Eu voltei
a morar em Brasília, em 2015. Comecei a ser muito procurada e, no ano passado,
montei um escritório. Tenho um jovem advogado que trabalha comigo. Eu tenho uma
vida muito espartana. Atravessei minha vida trabalhando e estudando. Não
aprendi a me divertir. E continuei nesse mesmo ritmo. Como meu casamento não
foi muito bom, fui derivando para o trabalho, foi dando certo e aí eu botei
todas as minhas energias no trabalho. Não me arrependo. Foi bom, ótimo, tive
muitas oportunidades, muitas alegrias, fui muito festejada. E eu tinha muito
medo da aposentadoria, mas agora, como advogada, estou no meu ritmo,
trabalhando.
E não se diverte até hoje?
Não. Faço muito poucas coisas. Eu gosto de cinema e hoje a grande
novidade para mim são os netos. Eu já fico preocupada quando eles crescerem. E
os dois são loucos por mim. Eu digo para meu filho: na minha casa não existem
regras. Chegam lá, mandam e desmandam.
A senhora é conhecida como uma pessoa muito rígida.
No
trabalho, nas coisas da Justiça, eu sou muito inflexível. Veja bem o que
acontece com a Justiça: você escolhe tudo o que tem na vida, só não escolhe o
seu juiz. A lei que escolhe por você. Então, você deposita na mão daquela
criatura toda a sua expectativa. E ele prende o seu processo, fica 10 anos sem
julgar, e a outra parte se locupletando. Enfim, quando já vai para
aposentadoria, aí julga o processo. E ninguém descobre que ele é um safado.
Isso é uma coisa horrível.
"O Judiciário está fazendo um grande esforço para se aproximar da
população, mas a estrutura dele é quase napoleônica”
"O empresariado não tem condições de sobrevivência sem entrar nos esquemas. Os políticos não têm condições de sobreviver dentro dos partidos se não aderirem à sistemática da corrupção. E qual é essa sistemática? O sistema eleitoral”
Por » Ana Dubeux - » Leonardo Cavalcanti - » Vera Batista, Fotos: Breno
Fortes/CB/D.A.Press –– Correio Braziliense