“Querida Maria Elisa,
Hoje, 30
de janeiro, a manchete do Caderno Cidades do jornal Correio Braziliense foi:
Por liberdade nos pilotis.
Houve
manifestações por todos os cantos, contra os condomínios, que impedem o direito
de circulação nos pilotis dos blocos de apartamentos.
Em vários
blocos de Brasília, os síndicos não permitem mais as brincadeiras das crianças
naquelas áreas. Não acredito que essa insanidade esteja no genial projeto de
Lúcio Costa.
Quero que
minha neta, Maria Antônia, hoje com dois meses, possa crescer de forma saudável
e feliz, brincando debaixo do bloco, assim como aconteceu com minha filha.
Gostaria
de ouvir a sua opinião a respeito. Com amor,
Cosete” (Cosete Ramos Gebrim)
“Querida
Cosete,
Você está
coberta de razão!!! O conceito da Superquadra criada por meu pai não tem nada a
ver com condomínios fechados! A quadra tem entrada única para carros — ou seja,
não é lugar de travessia, só entra na quadra quem vai para a quadra — e pilotis
abertos para a circulação livre de pedestres.
Esteja
certa de que meu pai ficaria extremamente feliz ao constatar que, hoje, são os
próprios moradores que defendem a Superquadra como ele inventou.
Um abraço
afetuoso e solidário, Maria Elisa Costa.
PS:
Cosete, Lembrei-me de mais uma coisa: ‘Brincar debaixo do bloco’ é uma
expressão que só quem conhece Brasília sabe o que significa. O conceito é
tão forte que gerou linguagem própria.”
Aí está.
Diante da carta da moradora Cosete e da resposta da filha do idealizador de
Brasília, o urbanista Lúcio Costa, que juntou à sua as pranchetas de Oscar
Niemeyer e Burle Marx, todos prontos para realizar e concretizar o sonho de JK,
vemos que hoje, quase 57 anos depois, começa um inexplicável processo de
desobediência e descaracterização do plano urbanístico da cidade.
Sempre
cantado em prosa e verso pelo mundo a fora, desde 1960, o traçado de Brasília e
as normas inéditas de ocupação e distribuição de moradia, comércio, indústria,
hospitais, escolas, escritórios, sempre organizadas e setorizadas de acordo com
suas reais funções, causavam admiração. E foram motivo de estudos e até
mesmo espanto em quem tomava conhecimento da revolucionária e arrojada forma de
se planejar uma cidade: casas no lugar de casas, apartamentos no lugar de
apartamentos, lojas no lugar de lojas, escritórios e bancos no lugar de
escritórios e bancos.
Tudo de
forma ordeira, bem planejada, estudada e executada, possibilitando vivermos
aqui e criarmos nossos filhos nessa forma saudável e segura até então.
Agora que
não mais conseguem administrar os avanços nefastos de um crescimento
desordenado, infelizmente, querem engaiolar as crianças entre grades, tirar
delas a oportunidade de tomar o ar ainda puro e o frescor de estar “debaixo do
bloco”, se sociabilizando com seus amiguinhos, deixando-as, como alternativa,
em frente da tevê.
O que
está acontecendo com esta cidade, que parece estar virada de cabeça para baixo?
Ainda mais agora que surge a triste notícia de que querem também destruir a
destinação urbanística dos lagos Sul e Norte como zonas estritamente
residenciais, possibilitando a destinação para lojas, clínicas, escritórios,
pequenas fábricas, cursos, além de encher os canteiros centrais tão
arborizados, verdadeiros pomares, com postos de gasolina?
Será que
perdemos o freio e o bom senso? Uma cidade que deveria ser copiada pelas
outras, com seu traçado revolucionário e moderno, procura agora copiar as
outras, com seus defeitos e mazelas. No que querem transformar a nossa
Brasília?
Acho que
os livros de JK, de Adirson Vasconcelos e de tantos outros autores que
descreveram tão bem Brasília precisam ser lidos e estudados por pessoas que,
infelizmente, descartam o fator qualidade de vida, preservação ambiental e de
mananciais, lençol freático, reservas hídricas e florestais.
Uma pena!
Por Jane Godoy – Coluna 360 Graus
– Foto: Antonio Cunha/CB/D.A.Press – Correio Braziliense