Zaqueu Vitor e a escultura de Cervantes: materiais reciclados - Artesãos do Distrito Federal despontam no cenário
global, e ganham notoriedade no respeitado mercado europeu, com a exportação de
peças autorais com apelo sustentável e ecológico. Esse time brasiliense
trabalha com um novo conceito do artesanato ao realizar trabalhos singulares,
de maneira criativa e em respeito à natureza, como a criação de bonecas de
pano, arranjos e painéis de flores secas, móveis assinados e esculturas.
Por Paula Pires
A
consciência ambiental é palpável nas obras assinadas pelo designer brasiliense
Marcelo Bilac, de 38 anos, que participou da Feira de Milão, na Itália, neste
mês. A peça levada para a exposição mais importante do mundo do design foi o
banco cavalete. “Neste trabalho, usei resíduo florestal e ferro de sucata, em
que tudo se encaixa e as formas de um banco ganham vida”, explica.
Todo o
processo de produção do designer brasiliense é feito na chácara onde mora com a
família, no Pôr do Sol, em Ceilândia. Dentre as matérias-primas mais
utilizadas, estão galhos e troncos de árvores. “Gosto do viés do
reaproveitamento. Nada aqui é jogado fora e as peças recriadas ganham um
significado original”, reforça.
O
designer também recicla pedaços de madeira que sobram da fabricação de móveis
planejados no processo de criação de sofisticadas peças, como a mesa Carla, em
uma mescla de texturas e vidro em estilo contemporâneo. “Comecei a desenvolver
este trabalho autoral em 2000. Da natureza, reaproveito os resíduos da
floresta. Também faço pesquisas em sucatas e ferros-velhos para conseguir algum
material original para criar minhas peças”, acrescenta Marcelo.
O banco cavalete do designer brasiliense Marcelo Bilac, destaque em
Milão
Esculturas
Outro
artista que desenvolve projetos a partir do garimpo de ferros-velhos e sucatas
é Zaqueu Vitor, de 52 anos. Porcas, parafusos, chapas de ferro, pastilhas de
freio e rolamentos são a matéria-prima do artista plástico, que trabalha em um
galpão no Guará para criar as esculturas. “Tudo que poderia degradar o meio
ambiente é reutilizado em uma peça artística”, afirma.
Zaqueu,
que participou de uma Feira Internacional de Artesanato em Brasília, revela que
as esculturas são feitas a partir do desenho e do formato das matérias-primas
encontradas nas sucatas. “Das correntes de bicicletas, surgem lagartos
articulados; de panelas velhas, são feitos relógios; de três ferraduras
sobrepostas, nasce uma coruja.”
As
esculturas do artista se destacam pela originalidade. Um cavalo ultrapassando
uma barreira e uma guitarra com mais de quatro metros de altura impressionam
pelos pequenos detalhes. Tudo é feito com a proporção adequada ao tamanho. O
personagem clássico da literatura mundial Dom Quixote também foi retratado por
Zakeu. “Para fazer o busto do protagonista de Miguel de Cervantes, foram
utilizados um tanque de moto, chapas de metal, parafusos e correntes.
Zakeu faz
questão de dizer que preza pelo equilíbrio e pela articulação das peças que
faz. “Gosto de trabalhar com a ideia de que as esculturas possam se mexer. Isso
é fantástico. Por isso, nada é estanque na minha arte”, diz.
Flores do cerrado que encantam
Roze Mendes recebeu prêmios internacionais
A artesã brasiliense Roze Mendes, 55 anos, conquistou o mundo ao
produzir flores feitas a partir de folhas secas do cerrado. Moradora de
Samambaia, Roze desenvolveu uma técnica em que as pétalas não quebram ao
dobrá-las. “Como toda a região do Planalto Central é muito seca, resolvi
apostar no tingimento das folhas com produtos naturais, como o urucum, açafrão
e a casca de cebola”, explica.
A
folha-moeda (Chamaecrista orbiculata) é a principal matéria-prima utilizada,
mas também são usados outros tipos de folhas típicas da vegetação da região,
como a pata de vaca, palha de milho e o cedro. “Tudo é feito de maneira que não
agrida o meio ambiente. Não retiramos as folhas das lagartas e das formigas. O
ecossistema tem de ser preservado”, garante.
Em uma
segunda etapa, a artesã explica que as folhas vão para um forno à lenha.
“Depois de cozidas, elas são esqueletizadas e, assim, tingidas para se
transformaram em lindos arranjos de flores que reúnem beleza e, ao mesmo tempo,
sustentabilidade ambiental”, ressalta.
Roze
lembra que começou a trabalhar com flores quando o marido ficou desempregado,
em 1994. “Já havia feito um curso em 1984 e aprendi direitinho o ofício. Foi
meu marido quem desenvolveu as minhas primeiras ferramentas, como o boleador e
o golfador. Só não tinha noção de mercado”, contou.
A artesã
criou a marca Flor do Cerrado e, como reconhecimento pelo seu trabalho, Roze já
recebeu diversas homenagens e premiações. Por quatro edições seguidas, ela
ganhou o Oscar do artesanato brasileiro — o Top 100, do Sebrae Nacional. Também
conquistou o Prêmio Mulher Empreendedora 2006 (Sebrae/Na) e o Prêmio Casa Cor,
em Brasília, em 2004. Ela ainda representou o Brasil no World Trade Marketing
Participação (WTM), evento turístico realizado em novembro de 2012, em Londres,
onde ela fez demonstração do artesanato de Brasília.
Nos anos
de 2006 e 2011, Roze fez viagens à África, onde prestou consultoria à Fundação
Aga Kan. Ainda em 2011, participou do workshop Europália, em Bruxelas, na
Bélgica. Todas as peças desenvolvidas pela Flor do Cerrado estão expostas em
uma loja no shopping Liberty Mall, na Asa Norte. Uma parceria com a
Secretaria de Trabalho e Turismo.
Artesanato de Maria Zi: um "trabalho devocional"
Ela nasceu na cidade de Formiga e foi criada em Diamantina, em Minas
Gerais. Mas é em Brasília, onde mora desde 1993, que começou a desenvolver o
seu grande projeto de vida — a criação da casa Bendittas, atelier de bonecas de
pano. “Eu me apeguei à cidade. Gosto daqui e das pessoas que me cercam.
Brasília me recebeu muito bem e aqui pude desenvolver a minha arte, entre
retalhos, cantigas e histórias”, afirma.
O
trabalho deu tão certo que a marca Bendittas Bonecas fechou uma parceria com a
Embaixada do Brasil, em Berlim, na Alemanha, para expor e comercializar as
bonecas no segundo semestre deste ano.
A oficina
de trabalho de Maria Zi, na Asa Norte, é como uma sala de costuras, com
recortes de tecidos, cheio de lãs, botões, linhas e máquina de costura. Filha
de costureira e alfaiate, ela não se considera uma grande mestra da costura.
Formada
em comunicação social, Maria Amaziles Rocha Lopes, ou simplesmente Maria Zi, é
escritora e artesã. Começou a confeccionar bonecas de pano em “um trabalho
devocional”. A cada uma, tento me aproximar o máximo possível da anatomia
feminina sem estereótipos”.
Segundo
ela, a intenção é levar uma mensagem de amor para cada pessoa que adquire a
boneca. “Criar arte em tecido é uma das maneiras mais divertidas que descobri para
semear beleza à minha volta. Aprendi muitas técnicas com minha mãe, Dona Sinhá
que, por sua vez, as aprendeu com minha vó Zizi, num encadeamento de
cumplicidade e beleza que se perde nos registros da nossa história”,
acrescenta.
No
portfólio da artista, destacam-se as bonecas Fridas, as Pretas Velhas, as
Sábias e as criadas para o São Paulo Fashion Week, em um tributo a grandes
personagens da história da moda. “Fiz a Chanel, vestida com um tailleur símbolo
da década de 1940; a Viviane Westwood, com uma camiseta de um movimento
ambiental; e a Mary Quant, de minissaia para este evento. Pesquisei cada
particularidade destas personagens para produzir as roupas”, esclarece.
(*) » Paula Pires - Especial para o Correio Braziliense –
Fotos: Hugo Gonçalves-Esp/CB/D.A.Press - Divulgação.
Muito bom. Parabéns por tanta criatividade e iniciativa empreendedora. Sucesso.
ResponderExcluir