*Por Severino Francisco
Não convivi com Carlos Chagas, que morreu na
terça-feira, aos 79 anos. Conheci o homem público, o analista político preciso,
econômico, discreto, malicioso e irônico. Mas tenho os meus consultores, e eles
me trouxeram várias histórias sobre o nosso personagem. Mineiro de Três Pontas,
a cidade de Milton Nascimento, pertencia às gerações que, quando sentiam
vocação para escrever, faziam o curso de direito. Era caminho natural para o
jornalismo.
Tinha uma fé no jornalismo capaz de superar montanhas de empecilhos.
Isso faz toda a diferença, pois acreditava na importância da profissão para
construir uma sociedade democrática e justa. É de um tempo em que os jornais
impressos ocupavam uma posição central na vida cotidiana e, segundo Nelson
Rodrigues, tinham tanto poder que admitiam ou demitiam ministros por telefone.
Não era direitista nem esquerdista; era jornalista. E continuou
jornalista mesmo quando assumiu o posto de porta-voz do presidente Arthur Costa
e Silva, um dos generais que assumiu o poder com o regime de exceção instalado
a partir de 1964. Não se empenhava em falsear as informações ou em transmitir
uma versão chapa-branca. Ganhou o jornalismo, pois ele facilitava o trabalho
dos colegas. Exerceu o delicado ofício com toda a dignidade.
Segundo uma das versões correntes, Costa e Silva queria ter assinado uma
nova Constituição, que devolvesse o país à normalidade democrática, mas teve um
infarto fulminante que comprometeu o movimento das mãos. Costa e Silva morreu e
assumiu uma junta militar.
Por isso, quando Chagas passou a dar aulas da história da imprensa na
Faculdade de Comunicação da UnB, reportava diretamente a muitos fatos que havia
visto, vivido, investigado e analisado. As 20 reportagens que escreveu sobre o
período renderam o Prêmio Esso de Jornalismo, se transformaram no livro 113
dias de angústia e foram censuradas pelo regime militar. As salas ficavam
repletas, ele falava baixo, mas os alunos faziam silêncio na certeza de estar
diante de um craque do jornalismo. Não se importava muito em corrigir os
trabalhos dos estudantes, o mais importante era ser ouvido pelas novas
gerações.
Na década de 1980, os jornalistas entraram em greve e cada turma
diferente ficava acampada em frente às sedes das empresas. Chagas era diretor
da Rede Manchete em Brasília. A luz branca do planalto castigava os grevistas.
No entanto, os que permaneceram em frente à emissora se deram bem. Todos os
dias Chagas ordenava que servissem lanche para os grevistas, a maioria muito
jovem. Não era qualquer bolachinha, amendoim japonês e sucos baratos. Eram
sanduíches substanciosos, lanche da melhor qualidade, lanche da diretoria.
Algumas vezes, o próprio Chagas saía, perguntava se estava tudo bem e
pedia àqueles meninos e meninas que botassem um pouco de juízo na cabeça. É o
máximo da elegância. Não a elegância dos ternos impecáveis, mas a do humanismo,
da delicadeza e do respeito pela profissão.
(*) Severino Francisco – Jornalista, colunista do
Correio Braziliense – Foto/Ilustração: Blog - Google