Projetos inconclusos, falta de respeito com
ciclistas e prioridades erradas complicam ainda mais o trânsito no DF
*Por Luiz Calcagno - Pedro Grigori
Metrô, ciclovias, ciclofaixas, BRT,
faixas exclusivas para ônibus, e um sistema que divide as empresas por região,
para tornar o atendimento à população mais eficiente. O transporte público no
DF tem ferramentas que deveriam transformar e facilitar a mobilidade urbana.
Porém, não é o que acontece. Os sistemas foram feitos independentes uns dos
outros. A integração é limitada e, na prática, o brasiliense continua a esperar
por horas na parada de ônibus, a correr riscos ao pedalar nas rodovias e a
insistir em juntar dinheiro para comprar um carro, que tampouco é a solução
para o problema do transporte. A reportagem do Correio conversou com
especialistas, ativistas da mobilidade urbana e com representantes do Governo
do Distrito Federal para entender por que soluções que poderiam melhorar a vida
do brasiliense demoram tanto a se concretizar.
De acordo
com o engenheiro de transportes Rafael Stucchi, o problema é que, a cada
mudança de governo, pensa-se em um plano de transporte diferente para a
capital. O estudioso elogia o mais recente deles, o projeto Mobilidade Ativa,
lançado em 25 de maio de 2016, mas lamenta que haja “muita resistência para
seguir adiante”.
Um dos
braços do projeto, o Circula Brasília (ciclovias conectadas com o metrô) só
atende Águas Claras e, mesmo assim, não está finalizado. “Há uma falta de
coragem política para implementar um plano pronto. Qualquer resistência é
motivo para estancar o processo ou andar devagar. Isso acontece com o Circula
Brasília, mas não apenas. O metrô é uma linha estagnada. Fala-se da expansão em
Samambaia, em Ceilândia e na Asa Norte, que também não saem da fase do projeto.
Eles (o GDF) não conseguem sequer ativar as estações previstas da Asa Sul”,
critica.
Stucchi
também critica o BRT, que, ele destaca, deveria ser uma alternativa para
interligar a capital. A exemplo do metrô, o engenheiro lembra, o expresso Sul
também não foi implantado por completo. O GDF fala em expandir o serviço para a
região norte, atendendo Sobradinho e Planaltina, mas não há previsão.
Redesenho
“Um
projeto que era visto como uma forma de deixar mais eficiente a circulação
acaba tornando mais penoso o deslocamento do usuário que tem que fazer
transferências em épocas de muita chuva ou muito sol, por exemplo. Sobre as
linhas de ônibus, é necessário redesenhar os trajetos. O DF está entre as
capitais que mais dependem do automóvel para deslocamento. Existe uma descrença
sobre a eficiência do transporte público. Enquanto o deslocamento por carro for
conveniente, as pessoas não vão entender que o ônibus é mais vantajoso”,
destaca.
Ainda de
acordo com o engenheiro, é necessário rever, também, o horário de circulação
dos ônibus. “É preciso que a fluidez do transporte público seja garantida o dia
todo. Outra coisa é o número de ônibus no fim de semana. A oferta despenca. Com
isso, as pessoas passam a contar menos com o transporte público”, aponta.
O
especialista em trânsito e professor da Universidade de Brasília (UnB) Paulo
César Marques concorda. Ele é categórico ao falar sobre a demora na integração
do transporte público: “Não tem muita explicação, a não ser a falta de determinação
política”. “Há uma resistência em favor do transporte individual.
Historicamente, os governos não enfrentam essas forças. A solução, as pessoas
pensam, é comprar o próprio carro, o que não soluciona o problema”, alerta.
Porta-voz
da ONG Rodas da Paz, Bruno Meireles, também reclama da “falta de uma política
única. “Acompanhamos as políticas do GDF há vários anos. Se conversamos na
Secretaria de Mobilidade, eles têm um corpo técnico bom e o diálogo é
produtivo. Mas, a cada governo, não há política única. Falta uma coisa ampla,
de pensar a mobilidade como um todo”, critica.
Tecnologia
Secretário
adjunto da Secretaria de Mobilidade, Denis Soares admite que “há deficiências”
no transporte público, mas destaca que o serviço oferecido à população “está
entre os melhores do país”. “Não existe desintegração. Se eu tenho o Cartão
Cidadão e quero sair de Planaltina para Brazlândia, pago apenas R$ 5.
Conseguimos integrar os modais e estamos ampliando isso. Estamos integrando os
sistemas de ônibus e metrô. Hoje, têm algumas catracas que o usuário passa com
a integração e outras com o vale do metrô, mas isso vai acabar. O BRT, apesar
de faltar detalhes, presta serviço de qualidade, com ar-condicionado e linha
exclusiva. Sempre há questionamentos em qualquer lugar do Brasil ou do mundo,
sobre a qualidade do transporte”, afirma.
Denis
Soares acrescenta que com a regulamentação do Sistema de Bilhetagem Automática
(SBA) e do Sistema Inteligente de Transporte (STI) em 16 de fevereiro, o GDF
vai otimizar os serviços prestados. A expectativa é que ambos os projetos
estejam implementados em meados de agosto. “O usuário não ficará mais 30
minutos esperando o ônibus. Vamos monitorar os veículos e ele poderá acompanhar
isso em um aplicativo. Vai saber enm quanto tempo passa a linha que quer pegar
e a seguinte. Faremos, também, uma central de vigilância para garantir maior
segurança para rodoviários e passageiros. São ações com entregas concretas.
Temos uma malha cicloviária na faixa de 420km de extensão e contratamos um estudo
para diagnosticar defeitos, pontos de desconexão e ligaremos esses locais.”
Em
análise
O
diretor-geral do Departamento de Estradas de Rodagem do Distrito Federal
(DER-DF), Henrique Luduvice, diz que a implantação do sistema BRT na área norte
está pronta e foi enviada para análise da Caixa Econômica Federal. O
financiamento para a execução precisa ser incluso no orçamento geral da União.
O planejamento visa a implantação de um terminal na Asa Norte, antes da área do
Torto, que irá pela Estrada Parque Indústria e Abastecimento (Epia), próximo ao
Parque Água Mineral, seguindo em direção a Sobradinho e Planaltina.
Falta conexão
ÔNIBUS
O sistema
de transporte público de ônibus atende a maior parcela da população do DF. São
1 milhão de usuários e uma frota de 2.720 veículos. As melhorias, no entanto,
ocorrem a passos de formiga. A licitação do novo sistema de transporte público
aconteceu em 2011. Porém, a gestão do GDF, à época, manteve o funcionamento nos
moldes antigos, o que piorou a vida dos usuários. Em 2013, o sistema passou a
atuar em bacias, mas usuários continuaram a se queixar da recorrente demora no
atendimento.
METRÔ
O sistema
metroviário conta com 29 paradas, sendo 24 em funcionamento e atende 170 mil
passageiros por dia. Embora essenciais para a vida dos usuários do transporte
público, as linhas são curtas e só atendem a um pequeno trecho do DF. Usuários
enfrentam trens quebrados, lentos ou excessivamente lotados
com
frequência.
BRT
O
Expresso Sul interliga Santa Maria e Gama à estação do metrô do ParkShopping e
à Rodoviária do Plano Piloto e registra cerca de 95 mil acessos por dia. Como o
metrô, o BRT se tornou um sistema vital para o brasiliense e reduziu o tempo de
viagem de, ao menos parte dos passageiros, de 90 minutos para 40. Ainda assim,
a linha está incompleta. Não conta com o número de paradas previstas e não
atende aos trabalhadores que se deslocam diariamente para o ParkWay, por
exemplo. Outro desafio dos usuários é a transferência de linhas em épocas de
muita chuva ou muito sol.
CICLOVIAS
E CICLOFAIXAS
A malha
cicloviária do DF tem, aproximadamente, 420km de extensão. As faixas exclusivas
e ciclovias foram construídas em várias gestões, sempre priorizando o carro em
detrimento da bicicleta.
O
resultado é uma malha extensa, mas pouco efetiva, que não interliga cidades ou
endereços.
Conscientização é primordial
Muitos carros ainda costumam passar rápido do nosso lado, sem respeito,
deixando a preocupação apenas na nossa conta Vitor Coelho, estudante
Uma das medidas mais importantes para a integração
do transporte público é o estímulo ao uso da bicicleta como meio de transporte.
Neste pensamento moderno, o promotor de defesa da ordem urbanística Dênio Moura
critica a falta de integração das ciclovias. “Existe uma recomendação do MP,
cobrando esse sistema cicloviário, que é algo necessário para apoiar a
integração intermodal de transporte público”, argumenta. “As ciclovias e as
faixas, inicialmente, não foram pensadas como um meio de locomoção para ir ao
trabalho, por exemplo, mas como um meio de recreação, por isso a falta de
ligação entre cidades. Então, além da integração, precisamos de modos atraentes
para tornar a utilização das bicicletas como um real meio de locomoção, como
por exemplo, criação de bicicletários internos em órgãos públicos e privados.”
Quem opta
por pedalar para o trabalho ou, ao menos dentro das regiões administrativas,
enfrenta dificuldades estruturais. Ciclovias que dão voltas e voltas sem chegar
a lugar nenhum e trechos danificados empurram o ciclista para o asfalto, onde,
muitas vezes, tem que enfrentar a falta de consciência de alguns motoristas. O
estudante Vitor Coelho, 18 anos, conhece bem essa realidade. Ele sai de casa,
em Samambaia Norte, e percorre cerca de 10km de bicicleta até o Parque
Ecológico de Águas Claras. Para ir de uma cidade a outra, não tem alternativa
senão pedalar no asfalto, disputando espaço com carros e ônibus. “Com o tempo,
estamos conquistando nosso lugar e ouvindo menos grosserias no trânsito, mas muitos
carros ainda costumam passar rápido do nosso lado, sem respeito, deixando a
preocupação apenas na nossa conta”, explica.
Também
estudante, Victor Bessa, 20, optou pelo pedal para fugir do engarrafamento e
ganhar tempo. Ele faz o trajeto do Ministério da Cultura, onde estagia, até a
Rodoviária do Plano Piloto em uma bicicleta de sistema compartilhado. “Para vir
ao trabalho, faço o percurso direto de ônibus, mas, na volta, o trânsito é
pesado, então vou de bike até a Rodoviária e de lá pego um ônibus para o
Cruzeiro. É muito mais funcional”, explica.
Segundo o
secretário da Secretaria de Mobilidade do DF, Fábio Damasceno, com a inclusão
das bicicletas compartilhadas no sistema de integração do transporte público,
haverá novas obras, dando ênfase para faixas que liguem cidades. “Começaremos
as obras por uma ciclofaixa na EPTG. No momento, o governo já liberou o recurso
e o DRE está fazendo licitações para a obra, sem previsão de início”, promete.
(*) Luiz
Calcagno - *Pedro Grigori (** Estagiário sob supervisão de José Carlos Vieira) - - Foto: Breno Fortes/CB/D.A.Press – Correio
Braziliense