Com a investigação do desvio milionário
na construção do Estádio Mané Garrincha, o DF chega a seis políticos
encarcerados. Nos últimos 16 anos, mais de 50 pessoas eleitas por moradores da
capital foram alvos de investigações
*Por Renato Alves
Houve um tempo em que era permitido ao
brasiliense responder qualquer provocação sobre a corrupção na capital com a
seguinte frase: “Os ladrões são escolhidos e mandados para cá pelos moradores
de outros estados.” No entanto, desde 2001, pelo menos 54 políticos eleitos por
moradores do Distrito Federal se envolveram em 12 escândalos, sendo 10
operações policiais (leia Os casos). Tem gente acusada de fraudar documentos,
receber propina, desviar dinheiro público e comandar quadrilha de grilagem de
terra.
Com a mais recente operação, a
Panatenaico, deflagrada na terça-feira pela Polícia Federal, a capital do país
forma uma bancada com seis políticos eleitos para cargos majoritários atrás das
grades. Levados para a carceragem da Superintendência da PF, no fim da Asa Sul,
por meio de mandado de prisão temporária, os ex-governadores José Roberto
Arruda (PR) e Agnelo Queiroz (PT), e o ex-vice-governador Tadeu Filippelli
(PMDB), juntam-se ao também ex-vice Benedito Domingos e aos ex-senadores Luiz
Estevão e Gim Argello (veja A bancada do xadrez).
Para especialistas, Brasília é o
retrato de um país tomado pela corrupção sistêmica. “Mesmo o Distrito Federal
sendo o centro do poder político, é difícil ficar de fora desse cenário.
Brasília só representa o quadro geral, infelizmente. A pergunta é: onde não há
corrupção? Difícil achar essa exceção atualmente”, ressalta o cientista
político Everaldo Moraes.
Condenações
De todos os escândalos envolvendo
políticos do DF, o mais famoso é o da Caixa de Pandora. Deflagrada em 2009 pela
Polícia Federal, ela culminou na primeira prisão e queda do governador José
Roberto Arruda, então no DEM. A divulgação dos vídeos gravados pelo delator
Durval Barbosa mostravam agentes públicos recebendo dinheiro de propina. Em
função da Pandora, são investigadas 39 pessoas. Três receberam penas no início
do mês.
O juiz Paulo Afonso Carmona, da 7ª Vara
Criminal de Brasília, condenou a ex-deputada Eurides Brito (PMDB) a 10 anos de
prisão por corrupção, ao vender apoio político em troca de uma mesada paga por
Durval. Ex-secretária de Educação, Eurides está fora da política desde o
escândalo da Pandora. Ela se recusou a renunciar ao mandato parlamentar, como
outros envolvidos no episódio fizeram, e acabou cassada, em 2010, pelos colegas
na Câmara Legislativa. Também sofreu condenação em ação de improbidade
administrativa, confirmada em segunda instância. Está inelegível.
Ainda em 5 de maio, Paulo Carmona
condenou Arruda a 3 anos e 10 meses de reclusão em semi-aberto e o ex-deputado
distrital Odilon Aires a 9 anos de prisão, em regime fechado. No caso de
Odilon, a acusação é igual à de Eurides: vender apoio político em troca de uma
mesada paga por Durval. Arruda foi condenado por falsificar quatro recibos que
justificariam o dinheiro recebido de Durval como doações para a compra de
panetones. Mas esse é apenas um dos processos. O ex-governador responde a 12
ações penais da Operação Caixa de Pandora.
54
Número de políticos eleitos no DF que se envolveram em
escândalos de corrupção desde 2001
Bancada do xadrez
José Roberto Arruda
Acusado de, entre 2009 e 2010,
viabilizar m esquema de fraude licitatória ao articular a saída de construtoras
do certame do Mané Garrincha e apontar, desde cedo, mediante propina, as
vencedoras: Via Engenharia e Andrade Gutierrez.
Agnelo Queiroz
A construção do Mané Garrincha começou
na gestão dele. Para executar a obra, articulou a derrubada de diversos
obstáculos, segundo os delatores da Andrade Gutierrez. Recebeu “milionária
propina” por meio de, ao menos, três emissários.
Tadeu Filippelli
Quando era vice de Agnelo, pediu
propina à Gutierrez, segundo ex-executivos da construtora. Ele ainda solicitou
valores ilícitos que seriam destinados ao PMDB, entre 2013 e 2014, à Via
Engenharia, em razão da execução das obras do estádio.
Luiz Estevão
Primeiro senador cassado da história, o
ex-deputado distrital e empresário cumpre pena de 26 anos de prisão, no Centro
de Detenção Provisória do Complexo Penitenciário da Papuda, por corrupção no
caso do Fórum Trabalhista de São Paulo.
Gim Argello
O ex-senador foi preso na Operação
Vitória de Pirro, desdobramento da Lava-Jato. Recebeu pena do juiz Sergio Moro:
19 anos de prisão por corrupção passiva, lavagem de dinheiro e obstrução à
investigação. Cobrava propina de empresas investigadas na CPI da Petrobras para
blindá-las.
Benedito Domingos
Ex-deputado distrital, ex-deputado
federal e ex-vice governador de Joaquim Roriz, foi condenado por fraude à
licitação. Por causa da idade, recebeu autorização do STJ para cumprir a pena
em casa.
Os casos
2001
Painel do Senado
José Roberto Arruda renunciou ao
mandato de senador para escapar da cassação. Ex-líder do governo Fernando
Henrique Cardoso, ele foi acusado de obter a lista de votação dos senadores no
julgamento que cassou o mandato de Luiz Estevão
e repassá-la ao então presidente do
Senado, Antônio Carlos Magalhães. Após um discurso na tribuna em que chorou e
jurou inocência em nome da família, acabou admitindo a irregularidade.
Operação Grilo
A Polícia Federal prendeu o então
deputado José Edmar (PMDB), aliado do governador Joaquim Roriz e um dos braços
da “máfia da grilagem” na Câmara Legislativa. Outras nove pessoas foram detidas
e mais de mil servidores dos três poderes locais, investigados. Um dos maiores
amigos de Roriz, o distrital Pedro Passos foi investigado e acusado de chefiar
a quadrilha, com seus irmãos, Alaor e Márcio.
2007
Operação Aquarela
Investigou desvios de recursos do BRB e
lavagem de dinheiro, envolvendo um ex-dirigente da instituição e Juarez
Cançado, então coordenador-geral da Associação Nacional dos Bancos (Asbace).
Eles respondem a várias ações penais e de improbidade administrativa.
Bezerra de ouro
Roriz foi condenado, em outubro de
2015, por ter sido favorecido pelo desconto, no BRB, de um cheque de R$ 2,2
milhões, emitido pelo amigo e empresário Nenê Constantino, fundador da Gol. O
caso levou à renúncia de Roriz do Senado, em 2007, poucos meses depois da
posse, o que o deixou inelegível. A decisão em segunda instância confirmou
Roriz como ficha suja. Ele alegava que o dinheiro era para compra de uma
bezerra.
Operação Navalha
Em 17 de maio, o MPF e a PF deflagraram
a ação para desmontar esquema de fraude em licitação, tráfico de influência,
desvios de recursos e corrupção envolvendo a empreiteira Gautama. Foram presas
47 pessoas, entre elas o ex-governador do Maranhão José Reinaldo Tavares;
Zuleido Veras, dono da Gautama; e o deputado distrital Pedro Passos. Por causa
das denúncias que envolveram o programa Luz para Todos, o então ministro de
Minas e Energia, Silas Rondeau, deixou o cargo. O presidente do BRB foi
afastado, e Passos tornou-se alvo de representação por quebra de decoro
parlamentar na Câmara Legislativa. Acabou renunciando.
Operação Megabyte
A PF estimou em R$ 1,2 bilhão o volume
de dinheiro público do GDF gasto irregularmente em cinco anos com fornecedoras
de produtos e serviços de informática nas gestões de Roriz e Arruda. A maior
parte foi repassada às empresas do cartel pelo então presidente da Codeplan,
Durval Barbosa, apontado como líder do grupo desde 2002. Durval e mais 13
acusados foram processados por corrupção ativa e passiva, lavagem de dinheiro,
formação de quadrilha, enriquecimento ilícito e improbidade administrativa.
2009
Operação Terabyte
Desdobramento da Megabyte, vasculhou
escritórios de empresas de informática para apurar esquema de desvio de
recursos públicos de contratos de prestação de serviço com o GDF e lavagem de
dinheiro, tendo Durval Barbosa com um dos principais alvos.
Operação Caixa de Pandora
A ação foi deflagrada pela PF em 27 de
novembro de 2009, com delação de Durval Barbosa, que forneceu vídeos de
políticos recebendo dinheiro, incluindo o então governador, Arruda. São
investigadas 39 pessoas. Algumas foram condenadas.
2016
Operação Drácon
A Justiça afastou quatro integrantes da
Mesa Diretora da Câmara Legislativa — Celina Leão (PPS), Bispo Renato (PR),
Júlio César (PRB) e Raimundo Ribeiro (PPS) —, além de Cristiano Araújo (PSD)
por concessão de emenda parlamentar em troca de recebimento de propina.
Operação Vitória de Pirro
A ação é um desdobramento da Operação
Lava-Jato. Nela, policiais federais prenderam o então senador Gim Argello
(PTB). Ele foi condenado pelo juiz Sergio Moro por cobrar propina de empresas
investigadas na CPI da Petrobras para blindá-las.
2017
Operação Hemera
A Comissão de Ética e Decoro
Parlamentar da Câmara Legislativa decidiu, quarta-feira, pela continuidade do
processo de cassação da deputada Sandra Faraj (SD). Em fevereiro, ela foi
acusada de falsificar notas fiscais e embolsar R$ 150 mil em verba indenizatória
— o valor deveria ser repassado a uma agência de comunicação pela prestação de
serviços por um ano. O caso é investigado pelo MPDFT.
Operação Panatenaico
Deflagrada na terça-feira, investiga um
rombo de R$ 1,3 bilhão aos cofres da Terracap durante a construção da arena
esportiva. Segundo o MPF, há indícios de formação de cartel, fraude em
licitação, corrupção ativa e passiva, formação de organização criminosa,
falsidade ideológica e lavagem de dinheiro. A operação resultou na prisão dos
ex-governadores Arruda e Agnelo Queiroz (PT), além do ex-vice-governador Tadeu
Filippelli (PMDB).
(*) Renato Alves - Fotos:
Helio Montferre/CB/D.A.Press - Breno Forte/CB/D.A.Press – Correio
Braziliense