Questionamentos levantados pelo MP de Contas e pelo MPDFT incluem desde
a forma como foi feita a licitação até o preço orçado para a instalação da
cobertura. A maioria não teve sucesso
*Por Helena Mader
Desde 2007, quando o Brasil foi escolhido como sede da Copa do Mundo de
2014, a construção de um estádio na capital federal suscitou indagações dos
órgãos de controle, que cobraram mudanças nos planos do governo
Da capacidade da arena ao modelo de licitação, a
construção do Estádio Nacional Mané Garrincha foi alvo de dezenas de
questionamentos nos últimos oito anos, desde que o governo resolveu construir o
espaço para a Copa do Mundo de 2014. O Ministério Público de Contas e o
Ministério Público do Distrito Federal e Territórios apontaram indícios de
superfaturamento da obra, pediram suspensão de repasses ao consórcio
responsável pela empreitada, recomendaram uma arena menor e mais modesta, mas o
GDF venceu todas as batalhas na Justiça e no Tribunal de Contas do Distrito
Federal. O resultado foi um gigante de concreto às margens do Eixo Monumental,
ao custo de R$ 1,575 bilhão. Segundo a Polícia Federal, o sobrepreço pode
chegar a R$ 900 milhões.
Os
primeiros questionamentos sobre a arena surgiram ainda em 2007, quando o Brasil
ganhou o direito de sediar o evento. Naquele ano, o Ministério Público de
Contas entrou com uma representação no TCDF, pedindo que os órgãos de
fiscalização e controle se preparassem para o evento, com capacitação e
contratação de pessoal. A ideia era evitar erros graves cometidos durante os
Jogos Pan-americanos do Rio de Janeiro. As obras para o evento internacional no
Rio, em 2007, foram orçadas em R$ 300 milhões, mas o custo final superou R$ 4
bilhões.
Dois anos
depois, quando o governo lançou o edital de pré-qualificação para contratar
empresa responsável pela reforma e ampliação do Mané, o MP de Contas questionou
o modelo por entender “que a pré-qualificação nada mais é do que a antecipação
da fase de habilitação em concorrência pública”. Além disso, faltavam
informações para atrair interessados na disputa. O projeto de arquitetura ainda
não havia sido concluído nem havia orçamento estimado em planilhas que
detalhassem a composição e os custos unitários dos itens previstos para a obra.
Também
não havia sido definido que serviços seriam passíveis de subcontratação. O
edital de pré-qualificação chegou a ser suspenso pelo Tribunal de Contas, mas,
depois de correções realizadas no edital, a licitação foi liberada. O MP
recorreu, a análise do recurso, no entanto, acabou sobrestada e o debate só foi
retomado em 2016, quando o estádio estava pronto e o debate havia perdido o
sentido.
Diante
das regras estabelecidas na pré-qualificação, não houve concorrência: somente
dois consórcios se apresentaram para a disputa e um deles, encabeçado pela
Odebrecht, deu apenas um lance de cobertura, combinado com a Andrade Gutierrez
e com a Via Engenharia — estas últimas vencedoras do certame. As delações da
Odebrecht trouxeram à tona a verdade: a empresa simulou concorrência para
ajudar a Andrade Gutierrez na licitação do Mané Garrincha. A real falta de
competitividade é um dos motivos que explicam a sucessão de erros e de
superfaturamento na empreitada.
A reforma
da arena teve orçamento inicial estimado em R$ 696 milhões, no entanto, os
aditivos contratuais mais do que dobraram o valor contratado inicialmente. Pela
Lei de Licitações, o total de aditivos em uma reforma não poderia superar 50%
do total do contrato. Em 2012, com um termo aditivo no acerto firmado com o
consórcio, a Companhia Urbanizadora da Nova Capital (Novacap) excluiu essa
cláusula do contrato original.
Prejuízo
Em várias
situações, o Ministério Público de Contas também pediu glosas, que são
retenções de pagamentos às empresas. Em 2013, em um dos processos que tramitam
no Tribunal de Contas do DF, o MP requisitou uma glosa de R$ 34 milhões
referente a alguns aditivos feitos no contrato. No ano seguinte, procuradores
apontaram que esse prejuízo já havia chegado a R$ 60 milhões. Houve pedido de
vista e o processo só voltou a ser debatido este ano, quando não havia mais
possibilidade de retenção de valores, pois as empresas já haviam recebido todos
os recursos previstos. Na última manifestação registrada nesse processo, o MP
de Contas lamentou a falta de glosas. “Tivessem sido implementadas no momento
devido, não haveria o risco de vultosos recursos se perderem, como temos visto
em diversos processos.” Até hoje, o TCDF não deliberou sobre esses pedidos.
Um dos
contratos mais polêmicos do Estádio Nacional é a colocação da cobertura. O
Ministério Público de Contas fez vários questionamentos com relação a essa
obra, sobretudo no que diz respeito a material usado para cobrir a arena — uma
membrana revestida de fibra de vidro que elevou em R$ 36 milhões o valor
estimado. Depois de o MP questionar esses repasses duas vezes, o TCDF autorizou
retenções de repasses ao consórcio e o contrato acabou repactuado.
No
processo de compra do guarda-corpo, o Ministério Público de Contas apontou
várias irregularidades, como o fato de serviços similares já estarem previstos
no contrato principal da reforma do Mané Garrincha. Diante das constatações, a
própria Novacap reconheceu a falha e refez os levantamentos de quantitativos.
Com isso, o valor previsto na licitação caiu de R$ 10,4 milhões para R$ 3,4
milhões e o TCDF autorizou a continuidade do certame. Houve novos
questionamentos do MP, que solicitou retenções de pagamento às empresas. Os
autos ainda tramitam na Corte e estão em fase de análise de recurso. No
processo de licitação do gramado, orçado em R$ 9 milhões, também houve
questionamentos. O TCDF verificou a ocorrência de prejuízos no valor de R$ 4,8
milhões, mas, até hoje, não houve decisão final.
Obras na área externa suspensas
Apesar da
constatação de desvios milionários, a atuação dos órgãos de controle teve
algumas vitórias na construção do Mané. Uma delas foi a suspensão do edital
para obras do entorno do estádio, que previam um túnel entre a arena e o Centro
de Convenções, a urbanização da área e a interligação com a W4/5 Norte. Orçadas
em R$ 305 milhões, as intervenções na área externa do Mané Garrincha tiveram
licitação suspensa pela Justiça a pedido do Ministério Público do Distrito
Federal. O MPDFT moveu uma ação civil pública para suspender o edital. “A
colossal unificação das obras configura indisfarçável modo de burla à disputa
licitatória, pois minimiza exponencialmente o número de sociedades capazes em
realizar obra de tal magnitude”, justificou o juiz do TJDFT Lizandro Garcia
Gomes Filho, ao suspender o edital em 2015 — a disputa segue paralisada na
Justiça. “A continuação dessa empreitada, sob o argumento de se estar fazendo
obras recomendadas pela Fifa, é um acinte ao bom senso. Querer justificar essas
obras, mais de um ano depois do lamentável evento da Copa do Mundo, não parece
algo crível”, acrescentou o magistrado.
Outra licitação que acabou suspensa por indícios de sobrepreço e de irregularidades é o certame para a compra de placas de comunicação visual. O edital estimou em R$ 21 mil por metro quadrado o valor de painéis luminosos para sinalização interna do estádio. Diante da indicação de um sobrepreço de mais de R$ 3 milhões, o MP de Contas opinou pela suspensão da licitação, o que foi acatado pelo Tribunal de Contas do DF. O pregão acabou revogado.
Na Operação Panatenaico, os ex-governadores José Roberto Arruda (PR) e Agnelo Queiroz (PT), e o ex-vice-governador Tadeu Filippelli (PMDB) são apontados pela Polícia Federal e pelo Ministério Público Federal como beneficiários de propina na obra do estádio. Eles teriam colaborado para fraudes à licitação da arena esportiva e estão presos desde a última terça-feira. A defesa de Arruda explicou que o ex-governador está tranquilo, uma vez que “confia nos esclarecimentos de que ele não teve participação alguma nessas irregularidades”. Já os representantes de Agnelo e de Filippelli argumentam que ainda não tiveram acesso completo ao processo e, por isso, não podem comentar com detalhes as denúncias feitas pelos investigadores.
Em nota, o Tribunal de Contas do DF argumenta que, desde o início da obra, “atuou para evitar desperdício de recursos no Estádio Nacional de Brasília”. Segundo a Corte, a fiscalização da empreitada “sempre teve como principais objetivos evitar prejuízos financeiros e riscos à população”. Ainda segundo a nota, o TCDF alega que “agiu preventivamente, analisando os editais de licitação e fazendo uma auditoria permanente no Mané Garrincha”. “A Corte tem fiscalizado a legalidade e economicidade dos atos relacionados à arena, levando em consideração o respeito à ampla defesa e ao contraditório”, finaliza o texto do Tribunal de Contas.
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Helena Mader – Foto: Daniel Ferreira/CB/D.A.Press – Correio Braziliense