Por José Flávio Sombra Saraiva
A comunidade acadêmica das relações internacionais
no Brasil está em festa. Comemoram-se as boas décadas da história da UnB nesses
meses também, celebradas por vários colegas e dirigentes da UnB, mesmo na
quadra de tempo parco de existência de uma universidade nova. Não podemos dizer
que a UnB seja uma universidade universal, mas vamos caminhando, mesmo com os
problemas diários, devotados ao desejo de que ela possa ser ainda uma
verdadeira universidade mundial, a mostrar avanços no campo científico nesta
pouca história brasiliense. Sejamos sinceros: as métricas mundiais indicam que
a UnB ainda é modesta e provinciana. Não temos nenhum prêmio Nobel da UnB. As
listas de grandes universidades não incluem nosso cosmo.
Somos nós, professores e pesquisadores ,que levamos a UnB ao mundo.
Apesar da politização crescente no câmpus, vamos vivendo. Aprendemos a
sobreviver. Lemos sem gosto recentes artigos populistas publicados e de
convenções laudatórias aos políticos da universidade. Poucos sobem da UnB
atual. Esqueceram que aqui e acolá há alguma ciência na criação de uma
universidade. Na verdade, é a ciência a sua virtude.
No meio do caminho dessas festas, desejava lembrar um projeto
interessante. Comemoramos nesses dias a evolução histórica de uma revista de 60
anos, voltada para o escrutino da política internacional, lançada originalmente
na cidade do Rio de Janeiro em 1957, mas há 35 anos mantida pela UnB. A Revista
brasileira de política internacional (RBPI) é publicada há algum tempo em
Brasília, na UnB, com apoio do Ibri, desde os inícios da década de 1990.
O ano de 2017 está para os internacionalistas brasileiros como a
lembrança histórica dos inícios da RBPI, bem como a evolução extraordinária da
moderna RBPI de hoje no conjunto da produção científica de alta qualidade
internacional. A RBPI vem sendo um case de avanço importante de publicação na
área ampla das relações internacionais. A RBPI é revista A1 nesse tema
científico no Brasil. Publicada pelos esforços dos professores da UnB, a RBPI
não fica atrás das revistas científicas americanas, chinesas, inglesas e
francesas.
O editor-chefe da RBPI, o professor Antonio Carlos Lessa, com sua equipe
animada, vem criando meios inéditos na difícil corrida de uma revista
brasileira internacionalizada nas métricas mais relevantes do mundo. É a única
no Brasil, no campo internacionalista, considerada de projeção acadêmica global.
A RBPI já nasceu internacionalizada. Ao folhearmos o segundo número
publicado, no tempo do Rio de Janeiro, editado, em junho de 1958, despontava
abertamente a preocupação de Oswaldo Aranha ante o problema do restabelecimento
das relações diplomáticas com a União Soviética. O grande estrategista chamava,
em seu artigo na RBPI, a atenção do interesse da opinião pública da
controvérsia tanto na imprensa quanto no meio parlamentar. Exarava Aranha,
antecedendo os novos mundos da política internacional em suas palavras na RBPI:
“Esse fato, por um lado, dá a medida da importância do problema e da sua
natural repercussão na política interna. Por outro lado, revela o crescente
interesse da opinião pública pela política exterior. É um interesse da opinião
pública pela política exterior. É um interesse indicativo de que já temos plena
consciência da nossa maioridade para a vida internacional”.
Interessou-se o público da RBPI pelos números 55/56, lançados entre
setembro e dezembro de 1971, sob o profissionalismo de Cleantho de Paiva Leite.
Artigos fortes e temas como as forças de mudança na América Latina e sua
relevância com os Estados Unidos da América, os pontos de fricção na América
Latina, além dos estágios do desenvolvimento econômico no Brasil, apesar dos fatores
de dependência do país, estavam na RBPI daquela quadra. Eram os tempos de um
sonho de autonomistas que carregavam os nacionalistas, na RBPI, em vários
autores e articulistas, a despertarem as linhas de condutas voltadas ao
entendimento do sistema internacional que o Brasil deveria navegar.
Após o falecimento de Cleantho, um grupo de intelectuais e diplomatas
conseguiu manter, com amor e dedicação, a RBPI. Trouxeram a Brasília esse
tesouro. Surgiu o novo editor, o historiador Amado Luiz Cervo, professor
emérito da UnB, para renovar a revista para os novos tempos. No ano 37 da
publicação, no primeiro número da RBPI, no ano de 1994, o diplomata Paulo
Roberto de Almeida ofereceu um importante índice remissivo geral da revista dos
anos de 1958 e 1992.
A modernização da RBPI, com Cervo, até os inícios dos anos 2000, é
reconhecida por todos que leram aquela quadra de transformação do Brasil no
sistema internacional e as novidades da globalização econômica. Importante
nessa área foi a relevância crescente de um conselho editorial de brasileiros
que conheciam o mundo. Composto o conselho editorial com Helio Jaguaribe, Moniz
Bandeira, Celso Lafer, Celso Amorim, Sérgio Bath, Antonio Augusto Cançado
Trindade, entre outros intelectuais e internacionalistas, o balanço foi de
avanço importante para os estudos específicos em um momento de transição
sistêmica no sistema internacional.
Porém — se não houvesse a melhoria constante do avanço crítico e
editorial da RBPI que se criou pela própria revista nesse longo tempo e a
crescente competência dos artigos submetidos — não existiria uma RBPI tão
competente e representativa com ela é. Um gol para a UnB. Um gol do Brasil.
Outro gol no mundo. Isso deve ser a universidade para o mundo.
(*) José Flávio Sombra Saraiva - Professor
titular de relações internacionais da UnB, pesquisador 1 do CNPq e diretor do
Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília (UnB) – Foto/Ilustração: Blog -
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