Dezenas de manifestantes levaram
a bandeira do arco-íris, símbolo do movimento LGBTs, para a galeria da Câmara
Legislativa: palavras de ordem
*Por Ana Viriato
Ação na Justiça, representação no MP e proposta de
decreto legislativo surgem como reação pela manutenção de norma que puna
atitudes discriminatórias no DF
A anulação da lei anti-homofobia, que estabelecia
punições em caso de discriminação por orientação sexual, provocou a reação de
parlamentares progressistas e de grupos LGBTs — lésbicas, gays, bissexuais,
travestis, transexuais e intersexuais. Dezenas de manifestantes compareceram
ontem à galeria da Câmara Legislativa para criticar a votação, articulada pela
bancada evangélica na última segunda-feira. Em resposta, os distritais Ricardo
Vale (PT) e Liliane Roriz (PTB), que não compareceu à votação no início da
semana, garantiram a apresentação de projeto de decreto legislativo para
revogar o pleito.
A movimentação de ativistas começou antes da sessão
de terça-feira, em frente à sede do Legislativo local. Em coro, gritaram os
nomes dos parlamentares que votaram pela anulação da lei: “Ô, deputado, que
papelão! Nosso direito você não revoga, não!” Às 15h20, todos entraram na
galeria do plenário, onde acompanharam a sessão. Durante o debate, realizado ao
lado de uma grande bandeira caracterizada pelas cores do arco-íris, muitos
manifestantes disseram que nenhum deputado da bancada evangélica (veja quadro)
receberá apoio do grupo LGBTs na corrida eleitoral de 2018.
A discussão sobre a votação da última segunda-feira
tomou a maioria do tempo dos discursos em plenário. Ricardo Vale (PT), o
primeiro a subir à tribuna, classificou a decisão como uma atitude “infeliz e
desrespeitosa”. “Temos de trabalhar para diminuir a intolerância. Não entendo
os distritais que querem trazer o debate religioso para os poderes Legislativo
e Executivo. O Estado é laico. O que se debate na igreja deve ficar lá. E
vice-versa”, argumentou.
Liliane Roriz (PTB) seguiu o coro dos descontentes.
“A orientação sexual de cada um não diz respeito a meia dúzia dos deputados
desta Casa. Não diz respeito a uma bancada que acha que pode praticar a
discriminação”, defendeu. A caçula do ex-governador Joaquim Roriz e o petista
aguardam a publicação da proposta que anulou a lei anti-homofobia para tentar
revogá-la, via projeto de decreto legislativo.
Os deputados não foram os únicos a se movimentarem
pela manutenção de uma legislação que puna atitudes discriminatórias. Diversas
entidades assinaram ontem uma representação, entregue ao Ministério Público do
DF e Territórios (MPDFT) cujo conteúdo pede que o órgão tome providências para
a revogação da decisão da Câmara. “O movimento da bancada evangélica, além de
imoral, é ilegal. A lei é clara ao dizer que regulamentar matérias é
competência exclusiva do Executivo local”, argumentou o presidente do Conselho
de Direitos Humanos do DF, Michel Platini.
A expectativa é que o tema passe pelo crivo do
Conselho Especial do Tribunal de Justiça do DF e dos Territórios. O PT no DF e
o Palácio do Buriti anunciaram que trabalham em ações diretas de inconstitucionalidade
(Adin). Neste caso, os desembargadores decidiriam pela manutenção ou pela
anulação da lei anti-homofobia. O mesmo ocorreu no início do ano, quando os
deputados tentaram derrubar o aumento das passagens de ônibus, mas sofreram um
revés no Judiciário.
A Lei Distrital nº 2.615/2000, regulamentada na
sexta-feira pelo governador e revogada três dias depois, passou na Câmara
Legislativa há 17 anos e é de autoria do próprio Rodrigo Rollemberg e de Maria
José Maninha, à época, distritais. A legislação previa a punição a pessoas e a
estabelecimentos por atitudes discriminatórias em virtude da orientação sexual.
As sanções dividiam-se entre advertência, multa de até R$ 10,6 mil, suspensão
temporária do alvará e até cassação da licença de funcionamento. A norma também
se aplicava a órgãos do GDF. Servidores que cometessem o crime estariam
sujeitos a penas disciplinares.
Vaias
Os parlamentares que votaram pela anulação da lei
anti-homofobia realizaram pronunciamentos sob vaias. Entre eles, Rodrigo
Delmasso (Podemos), pastor da Igreja Sara Nossa Terra e responsável pelas
costuras políticas que levaram à realização da votação no Sindicato da
Indústria da Construção Civil do DF (Sinduscon). Além de comentar a própria
doutrina para justificar o posicionamento, o parlamentar recorreu à
Constituição Federal. “O artigo 22 prevê que é competência privativa da União
legislar sobre direito penal e civil.”
O deputado acrescentou: “Além disso, a lei
estabelecia punições para quem manifestasse uma opinião, o que vai contra a
liberdade de expressão”. Devido às costuras políticas, Delmasso perdeu o posto
de líder do governo na Câmara. O cargo passará para Agaciel Maia (PR).
O distrital Julio Cesar (PRB), pastor na Igreja
Universal de Deus, defendeu o movimento para barrar a criminalização do
preconceito. “Nada vai interferir em minhas convicções e princípios. Não vou
recuar.” Nessa linha, Rafael Prudente (PMDB) afirmou que se posicionou com base
“na própria doutrina e consciência”.
Em nota
divulgada na segunda-feira, o GDF informou que “o Estado tem de garantir a
liberdade de expressão, de credo religioso e o direito de orientação sexual de
cada cidadão, evitando qualquer tipo de preconceito e violência. O governo está
seguro de que, mais uma vez, o Tribunal de Justiça reconhecerá a autonomia do
Poder Executivo de regulamentar a legislação sobre este tema e de outros de
interesse da sociedade”.
Semana da Diversidade
Os distritais aprovaram, na sessão de ontem, em
primeiro turno, a criação da Semana da Diversidade Sexual e Promoção dos
Direitos Humanos. Para começar a valer, porém, a proposta precisa do aval dos
parlamentares em segundo turno. O projeto, de Ricardo Vale (PT), determina que
a comemoração ocorra, anualmente, na terceira semana de maio. O petista é um
dos seis parlamentares que votaram contra a anulação da lei anti-homofobia.
A bancada evangélica - A representatividade de nove dos 24 distritais chega a 37%. Confira o perfil de cada um:
Bispo Renato Andrade (PR)
» Pastor na Igreja Abençoando as Nações, votou pela
anulação da lei anti-homofobia. É alvo da Operação Drácon, que resultou em
processo por corrupção passiva no Conselho Especial do Tribunal de Justiça do
DF e Territórios (TJDFT)
Celina Leão (PPS)
» Fiel da Igreja Comunidade das Nações,
posicionou-se contra a lei anti-homofobia. Também é investigada
pela Operação Drácon
Cristiano Araújo (PSD)
» Frequentador da Igreja Braço Forte do
Senhor, votou pela anulação da lei anti-homofobia. É outro
alvo da Operação Drácon
Julio Cesar (PRB)
» O pastor da Igreja Universal do Reino de Deus é
um dos que derrubou a lei anti-homofobia. Também é investigado pela Operação
Drácon
Rafael Prudente (PMDB)
» Sem vínculo com igrejas, o distrital
posicionou-se contra a norma. Não é alvo de processos judiciais
Rodrigo Delmasso (Podemos)
» O pastor na Igreja Sara Nossa Terra votou pela
anulação da lei anti-homofobia. Por isso, perdeu a liderança do governo na
Casa. Não é alvo de processos judiciais
Sandra Faraj (SD)
» A pastora na Comunidade Cristã Ministério da Fé
votou contra a lei anti-homofobia. Foi denunciada pelo Ministério Público do DF
e Territórios na Operação Hemera por estelionato. A parlamentar ainda é suspeita
de cobrar parte dos salários de servidores comissionados indicados ou nomeados
por ela
Telma Rufino (Pros)
» A distrital é evangélica, não está ligada a
nenhuma igreja, mas se posicionou a favor da lei anti-homofobia. Responde a
processo por improbidade administrativa na Justiça Federal. Segundo a denúncia,
a parlamentar descumpriu ordens judiciais ao autorizar a condução de obras no
bairro de Arniqueiras, em Águas Claras
Wasny de Roure (PT)
» Fiel da Igreja Batista, o deputado não estava
presente durante a votação. Não é alvo de processos judiciais
Projeto sai da pauta
Após
enfrentar o Executivo local com as costuras políticas que culminaram na
anulação da lei anti-homofobia, Rodrigo Delmasso (Podemos) pretendia votar,
ontem, o projeto que institui o projeto Escola sem partido. O distrital, no
entanto, pediu a retirada da proposta da pauta, por recomendação de colegas,
que ressaltaram o “momento conturbado” na Câmara Legislativa.
Não há prazo para que a proposição volte à ordem do
dia. A iniciativa está pronta para votação desde dezembro de 2016, quando havia
passado pelo crivo da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) e do colegiado
Especial de Análise à Proposta de Emenda à Lei Orgânica (Cepelo).
A proposta veta “a doutrinação ideológica nas salas
de aula”. Na prática, haveria a determinação de que todos os temas a serem
abordados nas escolas passassem pela aprovação dos pais dos alunos de forma
prévia. Dessa forma, os professores não poderiam fazer menções ao próprio
posicionamento ideológico, político ou religioso.
Na justificativa do projeto, Rodrigo Delmasso
pontua que “um Estado que se define laico — e que, portanto, deve ser neutro em
relação a todas as religiões — não pode usar o sistema de ensino para promover
uma determinada moralidade, já que a moral é, em regra, inseparável da
religião”, descreve o texto.
Em março, o Supremo Tribunal Federal (STF)
suspendeu, em decisão liminar, o projeto Escola livre, instaurado em Alagoas.
Na decisão, o ministro Luis Barroso defendeu que é competência da União
legislar sobre diretrizes e bases da educação. Para tornar-se definitiva, a
decisão precisa ser confirmada pelo colegiado da Corte.
(*) Ana Viriato – Fotos: Barbara
Cabral/CB/D.A.Press – Correio Braziliense