Para "pescadores de barranco"
*Por Jane Godoy
Cumprindo à risca, há mais de 14 anos, o lema de
Gilberto Gil: “Louvando o que bem merece e deixando o que é ruim de lado”,
publicamos aqui, cheias de satisfação e orgulho, o que aconteceu no domingo, 27
de maio: a inauguração do Parque Jornalista Cláudio Santana, o Deck Sul.
Publicamos uma foto aérea do parque, mostrando a
beleza que ficou o projeto, possibilitando a todos os brasilienses a
oportunidade de ter mais uma área de convívio e lazer. E com a pegada do
esporte, da preservação ambiental, do respeito às benfeitorias tão bem
planejadas e programadas em respeito aos frequentadores, além da beleza e
valorização daquele lugar, às margens do Lago Paranoá, ao lado da Ponte das
Garças.
Visual perfeito, que muito nos alegrou, ainda mais
porque, meses antes, escrevemos aqui sobre o quanto os pescadores de fim de
tarde e de fim de semana precisavam de usufruir de uma área específica para
isso. Comentamos sobre os perigos de animais peçonhentos, crianças pisando na
lama, mato muito alto e outros detalhes que nos preocupavam.
Com a inauguração do parque, da qual fizemos
questão de participar, conferir e aplaudir, ficamos muito contentes de ver tudo
aquilo tão bem planejado e, até o estacionamento que reivindicamos lá está, de
forma modesta e ainda obrigando os usuários a estacionar à beira do
meio-fio, estreitando a pista de acesso ao lago. Acreditamos que, em forma de
espinha de peixe, naquela área, a possibilidade de estacionar organizadamente
tiraria os carros daquela pista perigosa.
Só que, observando melhor, vimos que o parque ou o
Deck Sul, como preferirem, começa bem distante da área em que os “pescadores de
barranco” ficam e, infelizmente, separando-os por cerca de arame liso,
privatizando o que está arrumado e discriminando quem está do lado sujo, cheio
de mato, buracos, lixo, que eles mesmos recolhem do lago. Para eles, os
“pescadores de barranco”, tudo está como antes.
No novo parque, muito bonito e arrumado,
urbanizado, ajardinado, deixaram a parte mais próxima da pista e da ponte, como
antes. Carros subindo o meio-fio e estacionados sobre a terra e o capim nativo,
homens e crianças procurando se divertir como podem e exercitando o seu
hobby favorito: a pesca.
Eu estive lá no feriado. Andei por onde andam, com
muito cuidado para não pisar em mato ou buracos e depressões traiçoeiras,
evitando escorregões que, se facilitarmos, nos levam a cair na água. Vi que,
realmente, se esqueceram daquele cantinho, daquela beiradinha tão próxima da
ponte, que poderia completar perfeitamente a beleza do que está a poucos metros
dali.
Conversando com eles, que lá estão todas as
semanas, vindos do Setor P Norte, de Luziânia, de Valparaiso e de lugares mais
distantes, me surpreendi com a sinceridade e simplicidade de todos, ao
confessar que preferem “o barranco, nada de deck muito chique, senão, depois,
vão nos impedir de virmos com nossa tralha de pesca, nossas varas e iscas
preparadas ainda em casa. Somos da natureza e queremos ficar perto dela.
Somos pescadores para alimentar nossas famílias, como sempre fizemos. Não
vendemos o que pescamos e soltamos os pequenos peixes (coisa que eu presenciei,
quando um carazinho mordeu a isca). Mas concordamos com a senhora é importante
para todos nós, mais conforto, banheiros, churrasqueiras onde possamos assar
nossa carninha, limpeza do mato que nos cerca, onde encontramos sucuris
enormes, jacarés idem” entregam.
Durante a conversa, uma denúncia seguida de um
lamento. Vi canoas indo e vindo, ao longe, sob a Ponte das Garças. Eles me
disseram: “Observe, senhora. Aqueles pescadores profissionais lançam tarrafas e
redes. Aqui, bem à nossa frente, existem mais de 400, 500 metros de redes, que
acabam com os peixes que as famílias podem pescar. Aqui é lugar de pescar com
varas, como nós. Eles pegam toneladas de peixes, são pagos para isso e
comercializam. Às vezes até oferecem pra gente comprar” desabafaram. “E são
autorizados para essa pesca desigual e predatória!” completam.
Saí de lá impressionada com a história que, mesmo
sendo de pescadores, me pareceu verdadeira e sincera, além da grande dose de pureza
e espontaneidade.
Com tristeza, concluí que, como tudo o que vemos
atualmente na política brasileira, surpreendentemente, até a simples pesca no
Lago Paranoá tem suas “sujeirinhas” por baixo das águas hoje despoluídas do
nosso lindo e tão necessário lago.
Portanto, ainda louvando o que bem merece, segue o
nosso famoso recadinho ao governador e à secretaria encarregada da construção
daquele e de outros parques.
Dá um jeitinho naquele lugar onde ficam os
“pescadores de barranco”: eles não querem decks ou obras dispendiosas. Se
tiverem apenas como apoiar as suas varas de pesca, sem ser equilibrando em
pedras, estará bom demais.
Querem curtir a beleza natural daquele lugar, mas
com decência, respeito a eles e a suas famílias. Só isso. Façam um estacionamento
para que seus carros não fiquem no meio do mato e da lama; construam
churrasqueiras onde possam “assar uma carninha”, com água potável, pias e
banheiros.
Conversem com eles, como eu fiz. Vão encontrar pais
de família, cidadãos trabalhadores, que só querem descarregar suas tensões do
dia a dia ali, “fazendo o que mais gostamos: pescando no barranco, admirando o
lago, pegando nossos peixes adultos e prontos para alimentar nossas famílias e
amigos”.
Assim, mesmo, do lado de cá da cerca
discriminatória, que acho que deverá ser retirada, tudo ficará harmonioso e
humano. Completo. Bonito. Digno.
Assim procedendo, vão tirar de nós a sensação de
que alguma coisa ficou por fazer. E vamos mostrar aos turistas estrangeiros e
aos nossos hóspedes, com o maior orgulho e garantir que, aqui, os cidadãos são
tratados com igualdade e fraternidade, consideração e respeito.
Pode ser? Obrigada, governador!
(*) Jane Godoy – Coluna 360 Graus – Correio
Braziliense
estive lá, ontem, 30 de outubro de 2020, sou servidor publico e tive vergonha do governo: tudo continua ainda mais sujo, mais perigoso, mais desigual. sem banheiros, sem estrutura e sem vergonha. enquanto isso, os chiques decks (norte e sul) vão muito bem obrigado. (rogério)
ResponderExcluir